Este post deve-se ao facto de ter ido ao youtube procurar uma certa entrevista com Charles Bukowski de que um amigo me tinha falado. Encontrei algumas entrevistas, mas não a tal que procurava; pedi o link exacto ao meu amigo, que constatou que terem sido retiradas do youtube, e que depois me mandou um email indignado a relatar-me isso mesmo.
Partilho inteiramente a sua indignação. Levo muito a peito, e com muita ofensa, as constantes leis e ameaças das indústrias fonográfica e cinematográfica em relação a quem partilha ou faz download de música, séries e filmes. Levo tanto a peito que raríssimamente compro CDs e DVDs, a não ser que os encontre a um preço razoável, o que se vai tornando raro. E não compro CDs por não gostar de música - gosto muito. Se não compro DVDs, não é por não gostar de filmes - adoro. Não os compro porque é a minha forma de castigar quem não parece ter grande respeito pelos consumidores de música e de cinema. Se querem fazer lucro desmesurado, que o façam, mas não à minha custa (atenção - não critico que a indústria queira fazer lucro, só não aceito que o queiram fazer, como disse, desmesuradamente).
Eu respeito inteira e primordialmente os direitos de autor. Mas há razões claras para que se recorram aos downloads e à Internet. Quanto a mim, são elas:
a) quem quer seguir uma série de TV em particular, que o tente fazer pela televisão e veja no que dá. Se tiver canais por cabo, a coisa corre melhorzinha, mas os canais generalistas são para esquecer: horários trocados, atrasos, ou pura e simplesmente deixar a série desaparecer da grelha sem qualquer explicação. Senti isto na pele quando tentei ver as temporadas 3 e 4 do Lost, que aprecio muitíssimo, e em que faz imensa diferença perder um episódio que seja, na RTP. As opções, portanto, são duas: paga-se TV cabo, ou recorre-se à net, que, diga-se, também é paga pelo (detesto esta palavra) "utente"(e isto para não falar das séries que nem sequer passam em Portugal, ponto).
b) o youtube está a tornar-se insuportável com a porcaria da protecção, retirando vídeos e entrevistas à toa, quando estes suportes contribuem muitíssimo, mais do que para a pirataria, para a promoção e divulgação de bandas, filmes, séries, escritores, artistas em geral. É uma burrice, e até uma desvantagem para a indústria, perseguir o material que está no youtube e sites similares. Aconteceu-me imensas vezes ver coisas nestes sites e depois acabar por adquirir o CD, ou o DVD ou o que seja (apesar de, como digo, acabar por comprar poucos CDs ou DVDs)
c) quem gosta verdadeiramente de cinema sabe a diferença entre ver um filme no cinema e vê-lo numa cópia pirata. O que há a fazer é incentivar os amantes de cinema a irem às salas, e dar-lhes escolha, ao invés de os perseguir quando tentam encontrar material na net que, muitas vezes, não se encontra em mais lado nenhum. O que me leva ao próximo argumento:
d) de facto, há imenso material disponível na net que não pode ser adquirido nas lojas, até mesmo em lojas online. É material raro, antigo, e que deveria estar à disposição de quem o quer ver. A indústria quer negar o acesso a estes documentos, sem ter a preocupação de, pelo menos, os tornar disponíveis (lembro-me do exemplo flagrante de
Seinfeld, que esteve anos indisponível - a série tinha acabado, a edição em DVD não existia. Porque é que alguém se deveria coibir de ir à net descarregar episódios? Outros exemplos há de material bem mais raro e antigo - as entrevistas de Bukowski de que falei no início deste post - que, não estando na net, dificilmente se podem encontrar e/ou comprar. Monetariamente. Usando cartões de crédito ou numerário, como a indústria gosta). A propósito deste ponto, ler aqui
esta interessante crónica do Guardian - If you can't buy it legally, of course you'll download it. Exactamente.
e) que tal começar por baixar o preço, mais do que dos DVDs, dos CDs? Como consumidora de música, o mais possível, terei todo o gosto em pagar um preço razoável e justo por um Cd de uma banda que gosto. Mas, para mim, e lamento dizê-lo, €20 por um CD com dez músicas não é, pura e simplesmente, razoável - mesmo que o CD seja dos Beatles, o que é a afirmação mais forte e convincente que posso fazer em relação a este assunto. De qualquer modo, se a indústria e as editoras baixassem preços, dariam, pelo menos, sinal de algum respeito pelos ouvintes e algum incentivo para que se deixe de recorrer ao download. O mesmo se aplica a DVDs (gostaria muito de considerar razoável o preço que pedem por uma temporada do Lost, recorrendo ao mesmo exemplo, mas não considero. Sei que o DVD tem imensos extras, mas mesmo assim).
f) Decisões, ou embriões de
decisões como esta revoltam-me um bocadinho. Cortar a internet a quem faz pirataria. Por um lado, e apesar da crise financeira, apregoa-se o mercado liberal e capitalista, em que se pode livremente comprar acesso à internet de grande velocidade, dando dinheiro às PTs deste mundo (no meu caso, é à PT), e recebendo um bem em troca. Uma transacção normal em regime de mercado livre, em que, com o meu capital, adquiro internet. No entanto, se eu me atrever a usar o bem pelo qual paguei para prejudicar, ou beliscar que seja, os editoras e produtoras, vejo-me vedade de usufruir do bem que eu paguei com dinheiro meu. Levem-me a tribunal, seja. Cortar o acesso à internet? Tenham juízo.
g) há bandas e artistas independentes que se tornaram conhecidos e populares, precisamente, por terem usado a Internet a seu favor (e.g. Artic Monkeys, exemplo típico), o que demonstra como a Net pode ser um instrumento não contra as editoras, mas agindo em benefício delas. Os Radiohead também perceberam isso quando lançaram o seu álbum na net - cada um pagava o que queria. É claro que os Radiohead estavam em posição de tomar esta decisão, mas a Net é também útil como meio de promoção da bandas novas que, e é importante dizê-lo, não teriam o aval das editoras para começarem a sua carreira, encontrando na Net uma forma de o fazer (os Beatles foram recusados por 4 editoras antes de George Martin os ter aceitado na EMI; se fosse hoje, provavelmente recorreriam à net, e bem). Convém notar que a internet vai destruindo o monopólio das grandes editoras relativamente às bandas que se podem ouvir e que passam, ou não, na rádio. Neste sentido, a net cria um espaço de liberdade importante que as editoras não controlam e que lhes custa caro. Mas paciência - habituem-se e procurem alternativas. A este propósito, pode ler-se no Guardian:
Many artists want a record deal. What the net has done is allow new people to be recognised, but once established they don't want the hassle of marketing and distribution, which are the core strengths of the companies. O que me conduz ao próximo argumento, que é mais uma pequena conclusão:
h) o papel das editoras mudou. É triste vê-las ameaçar tudo e todos com processos em tribunal, multas, prisões, cartas de ameaça, sem perceber que isso não revela grande respeito por quem gosta de cinema e quer ir ao cinema, e quem gosta de música e quer ouvir música. Como se diza no artigo sobre os Radiohead linkado acima, talvez o papel das editoras passe mais por divulgar, promover, distribuir o trabalho das bandas ao invés de tentar recuperar lucro perdido que nunca irão reaver. A sua batalha contra a internet é inglória, e seria bom que se apercebessem disso, dando incentivos aos amantes de música e cinema para trilharem o caminho da legalidade (que bonito).
Este post não se destina a apregoar o desrespeito por direitos de autor, nem negar o direito ao lucro justo por parte de bandas, editoras e produtoras. Mas não me parece que estas editoras e produtoras se encaminhem para grandes lucros enquanto persistirem na perseguição, ou tanto ou quanto cega, daqueles que consomem música, cinema e TV. O itunes, por exemplo, parece-me um sistema mais justo, em que se paga uma quantia mais razoável por música e séries. Talvez o caminho seja por aí, algum ponto de encontro ou equilíbrio entre preços desajustados que ninguém quer pagar e o download ilegal e irrefreado.