Esquecera-me de como este filme é bonito e triste. Esquecera-me de como Warren Beatty e Natalie Wood são tão doces, belos e jovens, neste filme. Mas hoje à tarde lembrei-me, porque Splendour in the Grass estava a dar num qualquer canal, e vi um bocadinho, antes de ter de interromper para honrar um chamado "compromisso profissional".
A cena em que Natalie Wood lê o poema de Wordsworth e não consegue terminar (nothing can bring back the hour of splendour in the grass, glory in the flower - estes versos são retumbantes), sufocada pelas lágrimas, é angustiante. É angustiante porque é a juventude perdida que ali está, numa rapariga ainda tão nova. E, se há coisa que este Splendour mostra bem, é a completa ditadura da chamada "sociedade", de um bafiento moralismo quezilento personificado nas personagens adultas do filme (padres, médicos, professores, e sobretudo os terríveis pais de Bud e Deannie, as personagens encarnadas por Beatty e Wood, respectivamente). Todo o mundo adulto, todo o rígido acervo de "bons princípios" instituidos se conjuga para destruir o mundo interior da juventude, da força e do ideal: o pai de Bud, que quer que ele desista de ser agricultor porque tem de ir à força para Yale, para que o seu muito redneck e brutal pai se possa orgulhar; a mãe de Deannie, uma dona de casa conformada e assexuada, que quer que a filha siga as mesmas infelizes pisadas.
É claro que as coisas mudaram desde então. Até em Portugal, este pequeno canto tão conservadorzinho. Mas terão mudado assim tanto? Não sei. Sei que o inabalável princípio da menina-bem-comportada ainda se mantinha quando eu era pequena, e o freio que impunha às acções da adolescência era bem presente. E vejo, pelas escolhas das pessoas à minha volta, que o caminho tradicional, da vida "decente", ainda dá frutos imensos. Não penso que as pessoas devam optar por uma vida indecente. Não se trata disso. Mas Splendour in the Grass fez-me pensar em falsos moralismos, ou pelo menos moralismos severos e castigadores, que ditam que a vida só se pode viver de uma determinada maneira, que não é necessariamente a melhor para nós. E são esses moralismos, esse peso imenso das instituições sociais velhinhas, quase do Restelo, ou até mesmo do Restelo, porque não, que sinto ainda muito presentes neste país. Ou talvez não, talvez seja apenas o meu, esse sim quezilento, pessimismo a falar e a levar-me a melhor.
Nota para dizer que cheguei à conclusão que Elia Kazan realizou pelo menos dois filmes de que gosto muitíssimo, este Splendour e o Eléctrico Chamado Desejo (podia ter dito apenas "Streetcar", que era bem mais cool, mas enfim, decidi-me pela modéstia). Quando era adolescente, eu até gostava de dizer que o meu realizador preferido era Elia Kazan porque, lá está, achava que isso fazia de mim um ser incomensuravelmente cool. Depois, descobri a questão da lista negra e as denúncias de Kazan para não integrar a mesma lista, durante a época da caça às bruxas aka comunistas em Hollywood. Foi um dilema que me partiu o coração, mas hoje em dia ultrapassei isso. Prefiro pensar que nunca seria amiga de Elia Kazan, mas que tal não me impede de apreciar muitíssimo os seus filmes.
E outra nota, finalíssima, para dizer que, meu Deus, estes Warren Beatty e Natalie Wood são impossivelmente bonitos e doces. Impossivelmente. A cena em que atravessam os dois o corredor da escola, e Bud tem o braço à volta da cintura de Deannie, enquanto esta lhe lança meigos olhares de corça em estado de adoração e ele lhe carrega os livros, e o mundo exterior se desvanece, merece ser vista. É comovente. Se, por um lado, mantenho que este blog é para velhos, por outro afirmo que nem Wood nem Beattie deveriam, alguma vez, ter envelhecido.
2 comentários:
Exacto. O que é transferível de geração em geração é a obra (neste caso os filmes). E não os pecadilhos biográficos que terão um contexto... É escusado armar ao «moralista» e misturar tudo.
Pois é. Mas, quando se é mais jovem e mais intolerante, os tais "pecadilhos biográficos" assumem muita importância. Depois crescemos e percebemos que, como espectadores ou leitores, não temos nada a ver com a vida pessoal do artista. Ou gostamos daquilo que fizeram enquanto artistas, ou não gostamos. O resto, à partida, não interessa.
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