quinta-feira, 18 de junho de 2009

Singularidades de um ipod


Cheguei a um momento chave da vida, que é aquele em que o ipod se enche por completo e não há espaço para apertar nem mais uma musiquinha que seja. É, portanto, hora de "manually manage songs and playlists on this ipod", ou lá como se diz no itunes, e seleccionar as músicas que se mantêm neste magnífico aparelhinho e as que ficam de fora. O que é um dilema espinhoso que me faz sentir uma grande traidora. Por exemplo, tenho muitas músicas do grande Leonard Cohen. Penso, "bom, se calhar posso prescindir de uma ou duas; ouço as que mais gosto no ipod, e as outras todas posso ouvir em casa". Mas as coisas não funcionam assim, porque a grandeza vem em bloco, e não pode ser tomada em avulso, de modo que, ou ouço o Leonard todo, ou não ouço nada; e assim, ocupo logo uma data de GBs só com o querido LC, ao qual tenho necessariamente de acrescentar os Beatles, porque o meu panteão musical não funciona sem eles. Nem sequer conseguiria ligar o ipod se não soubesse que os Fab Four estão lá todinhos, apenas à distância de um insignificante clique. E mais uns quantos GBs que se gastam nesta conversa.
E depois dou por mim a pensar no ipod como uma biblioteca ou uma livraria - o ipod deve ter sempre determinadas bandas obrigatórias, da mesma forma que uma biblioteca tem de ter sempre os grandes clássicos. O meu ipod tem de ter o seu Dostoevski, de modo que não posso prescindir dos Rolling Stones, dos Doors, do Tom Waits, Muddy Waters, Ray Charles e quejandos; e, claramente, uma biblioteca não pode passar sem as irmãs Brontë e as grandes escritoras femininas em geral, de modo que me parece também imperativo que o ipod contemple as Ute Lempers, Marianne Faithfulls, Janis Joplins e Piafs deste mundo. E mais uns quantos Gbzitos.
É também óbvio que uma boa biblioteca tem de ter um toque de modernidade, umas coisas menos clássicas e mais cruas, tipo Bukowski ou Sarah Kane, e daí eu também ter de ocupar espaço com indie épico, Arcade Fire, Pixies, PJ, Nick Cave.
O resto dos GB tenho de ocupar com coisas de que eu goste e conheça mas que, esperançosamente, os meus amigos não conheçam, para eu poder fazer figura de cool, o que raríssimamente acontece. Aliás, que eu me lembre, nunca aconteceu, de facto. E como agora já preenchi os GBs todos, não vai mesmo acontecer.
De modo que a tão almejada selecção, aquela que me permitirá ter apenas no ipod as músicas que mais ouço, é apenas uma miragem. Se ponho uma música e não ponho outra, a que mais tenho vontade de ouvir no dia seguinte é, precisamente, a que o ipod não tem. Que parvoíce.
E com tudo isto se conclui que tudo o que é demais é, efectiva e verdadeiramente, moléstia. Milhares de canções num ipod, e sempre a ânsia de querer mais e mais e mais e mais. É, realmente, nas palavras do grande Variações, por acaso bem presente na minha biblioteca, uma insatisfação que não consigo compreender; por mais música que ouça, sempre esta sensação de que estou a perder. Vou continuar a procurar a música que eu quero ouvir, porque até aqui eu só quero ouvir o que eu nunca ouvi, quero a banda que ainda não conheci (excepção feita aos Beatles).

2 comentários:

Zorze disse...

A solução é comprar um ipod com mais GB. O problema é que mais GB nunca são demais, e há sempre qualquer coisa que fica de fora.

Rita F. disse...

Agora é que tu acertaste "na mosca", Zorze. É isso que o sistema quer, que a gente ande aí a comprar mais e mais ipods com mais e mais GBs. Eu, a isso, digo não. O meu ipod tem de chegar e "sobejar", porque, como dizes, comprar outro para quê, quando vai tudo dar ao mesmo e vamos sempre sentir a necessidade e a cobiça para mais.