terça-feira, 2 de junho de 2009

Crise existencial


Só li um livro de Charles Bukowski, chamado Mulheres. Detestei, não percebi qual era a ideia daquilo (quer dizer, percebi a ideia, mas achei-a entediante).
No entanto, agora acho que gosto mais de Bukowski. Li alguma poesia sua, e gostei, e tenho novamente vontade de ler os seus romances.
Ao ver as entrevistas de Bukowski no youtube, desenvolve-se uma certa aversão à vida de classe média, que é a minha vida, e a da esmagadora maioria das pessoas que conheço. Não que eu queira andar em bares à pancada, ou a achar que ou me embebedo todos os dias, ou suicido-me, porque é a única forma de aguentar um trabalho da treta que paga $1,5 à hora, mas ao mesmo tempo há um enorme enjoo, impossível de conter, em relação a um certo conforto material, à estabilidadezinha. Não sei bem explicar isto sem parecer hipócrita.
As hipóteses que vejo delineadas são duas: indigência, pouco dinheiro, mas mais arrojo; conforto, algum dinheiro, pança gorda e procriar.
Tem de haver, entre estas duas possibilidades, algum meio termo. Tem de haver. Estou há anos para perceber onde está o meio termo, mas tem de haver.
O LB, quando ainda escrevia n'O Nascer do Sol, captou bem este drama das opções neste post, em que a opção A é uma perfeita família loura de olhos azuis, com um qualquer monovolume na garagem (peço por tudo que nunca por nunca venha a ser o tipo de pessoa que conduz um "monovolume"), e a opção B é, precisamente, o esquálido e batido Bukowski, com uma desmazelada pelo braço, e o perturbado Faulkner de meias, no jardim, a apanhar sol (acho que era o Faulkner). Os meus instintos gritam "opção B". A minha mais racional mente age como uma mãe zangada, de dedo em riste, e grita, "opção B? Está maluca? Depois destes anos todos a estudar? A menina vai é para a opção A e não há mais conversa". E eu, entre instinto e racionalidade, fico sem saber o que escolher, ou o que fazer.
Mais uma vez me rendo às evidências dos filósofos, principalmente as do grande Kierkegaard, que quando falava do drama das opções, sabia bem do que falava.
E ontem, no supermercado, vi uma senhora a fazer compras com um vestido vermelho e uma mal preta brilhante. Os sapatos era também pretos de verniz, para condizer, pateticamente, com a mala. Não valia a pena o esforço. A senhora não era bonita nem estava bem vestida, e aquela tentativa triste de exibir sapatos a condizer com a mala era apenas um sinal flagrante de que nunca seria bonita, nem bem vestida. Mais valia desistir. Se formos ao supermercado e olharmos para as pessoas, constatamos que muitas delas fazem este esforço patético, de roupa a condizer, ou óculos de sol de marca, ou unhas arranjadas, ou um relógio mais espampanante, qualquer coisa que seja para demonstrar ao mundo de que eles se mantêm à superfície e que a vida não os derrotou. Mas o seu cansaço enquanto pagam comprar inúteis de quem tem de alimentar um regimento é já uma derrota. Como o Bukowski a dar pontapés à parva da namorada, que também se pode ver no youtube, é uma derrota. Talvez opção A e B sejam ambas uma derrota.
Realmente, não se pode ganhar à vida.
As terças-feiras são assim, deixam-me sempre num estado miserável.

7 comentários:

manuel a. domingos disse...

experimenta ler o Ham on Rye. depois falamos :-)

Anónimo disse...

eu tenho um emprego técnico especializado conduzo um Clio e flirto com a opção B cuspindo chocolate nos vidros dos mercedes e metendo palitos na fechadura dos bancos. Imaginação ao poder. Os proprietários dos mercedes grunhos opção A não sonham o bem que a sua indignação faz à minha sanidade mental.

Anónimo disse...

claro que ando sempre com um facalhão suiço no bolso: estes proprietários gostam de fumar à janela do prédio a contemplar a máquina estacionada, nunca se sabe...

Rita F. disse...

Manuel: vou ler, e depois falamos, então. :)

Anónimo, :D E nunca se sabe, ah pois não, ah pois não...

Matilde disse...

que cómico, o mulheres é dos meus favoritos

Inês Alves disse...

"As hipóteses que vejo delineadas são duas: indigência, pouco dinheiro, mas mais arrojo; conforto, algum dinheiro, pança gorda e procriar".

Tenho que dizer que estas hipóteses são terrivelmente redutoras.
Desde quando é que lutarmos e conseguirmos ganhar dinheiro para fazermos o que nos faz feliz implica estabilidadezinha, pança gorda e procriação? Juro que não entendo esta visão de que ganhar dinheiro está necessariamente ligado a estabilidade(zinha), conforto excessivo e a essa conservadora procriação.
Claro que não está! A justiça social e o liberalismo económico regulado podem funcionar. E bem. E ligados à tolerância, liberdade de ideias, arrojo, risco (por oposição a estabilidadezinha) e luta constante por um mundo melhor.
E que mal há em a pessoa se sentir confortável? Eu pessoalmente prefiro, a sentir-me desconfortável.
É uma opinião. Como tal, passível de discórdia. Mas que se discorde por argumentos certos e não com argumentos extremados.
Beijo grande.

Rita F. disse...

Querida Inês, certíssima como sempre! :)
Quando falei em "estabilidadezinha", não estava a associar a ganhar dinheiro, necessariamente. Estava a pensar mais num determinado estilo de vida. Não vejo mal nenhum em ganhar dinheiro, muito pelo contrário. E concordo contigo com tudo o que disseste acerca do liberalismo económico e da regulação. Este post não era bem sobre sobre economia e dinheiro, era de facto sobre estilos de vida, que não se relacionam necessariamente com escalões económicos (por exemplo, o Bukowski podia ter o estilo de vida que tinha e, mesmo assim, ter dinheiro; ou não ter dinheiro, e preferir adoptar um estilo de vida mais burguês, ou aspirar a isso, pelo menos).
Não me estou a explicar bem. Eu também não me quero sentir desconfortável. Quero sentir-me confortável e sem pança gorda.