quinta-feira, 4 de junho de 2009

Lugares comuns

Não faz, nem nunca fez, parte dos meus desideratos bloguisticos escrever sobre a actualidade. Não o faço porque me parece desnecessário - há muitos blogues com muitos leitores que se dedicam a isso, e portanto a minha contribuição será espúria. Mas hoje apetece-me, de facto, escrever algo que constatei e que também não passará do lugar-comum, mas enfim, vou tentar lidar com isso.

Com a aproximação das eleições europeias, fala-se das previsões de avassaladora abstenção, do divórcio entre o cidadão comum e os políticos, especialmente se estes prestarem aos seus serviços a essa instituição longínqua e ausente que é "a Europa", do défice democrático que afecta Portugal, e que é endémico, não transparecendo apenas quando se tem de votar nuns quantos para o Parlamento Europeu. Fala-se nisto tudo. São grandes problemas. E foi com consciência destes problemas que vi ontem, por acaso, uma pequena parte do programa Clube de Jornalistas, em que se discutiu o caso de verborreia agressiva entre Manuela Moura Guedes e Marinho Pinto, na presença deste último. O Bastonário mostrou-se agastado com o facto de os jornalistas não fazerem trabalho de casa, investigarem pouquíssimo, ou até mesmo zero. João Miguel Tavares replicou que criticar os jornalistas era muito bonito, mas que este país ainda vivia subordinado à lei do silêncio e da autoridade pesada do Estado, e que, por exemplo, conseguir a mínima e mais insignificante informação por parte do Ministério de Educação era tarefa hercúlea, senão impossível, porque o tal défice democrático ditava que o público não tem de saber o que não lhe diz respeito, de modo que o poder se recusa a falar com os cidadãos que governa; Francisco Sarsfield Cabral lembrou que, de facto, as redacções dos jornais estão "esqueléticas", e que a questão que se levanta é a da sua sobrevivência; investigar está, infelizmente, fora de questão. Mencionou até o caso Watergate, em que os dois jornalistas que desmascararam o escândalo estiveram meses a investigar, exclusivamente, uma única matéria.

O exemplo do Watergate fez-me pensar. Sabe-se que é o exemplo dos media como verdadeiro quarto poder, em que o trabalho jornalístico conduziu directamente ao impeachment de Richard Nixon, e que demonstra também o papel essencial do jornalista na democracia. Hoje em dia, e não só em Portugal, os jornais cortam no pessoal que empregam, cortam em revisores e fotógrafos, e têm sorte se não fecharem as portas, como tem acontecido a vários broadsheets americanos. Não parece haver, efectivamente, margem para grande investigação, que exige recursos humanos e dinheiro. Isto relaciona-se intimamente, penso eu, com o tal défice democrático (expressão bonita) que flagela tão castigadoramente todó Portugal. Se, por um lado, os media nos fazem lavagens ao cérebro e nos bombardeiam com propaganda (toda a gente se queixa da RTP e da sua subserviência ao Governo, por exemplo, e em Inglaterra a posição política dos jornais é assumida; gosto bastante do Sunday Times, mas não deixo de me arrepiar com o pendor ultra-conservador que muitas vezes reflecte - os cronistas do Times, meu Deus, alguns dão-me, de facto, verdadeiros arrepios); no entanto, também é verdade que a independência e o trabalho jornalísticos são essenciais em democracia. Pelo menos, a mim parece-me que sim. Parece-me que a investigação jornalística é imprescindível à escolha informada de partidos e programas políticos e sociais por parte do cidadão. Diz-se que o caminho agora é jornais online, que vão cada vez mais desempenhando o papel do jornal tradicional. Mas as publicações online, algumas pequenas e com poucos meios, não têm recursos para grande investigação, e mais, não têm pessoal especializado que seja jornalista de profissão. Os jornalistas profissionais são cada vez mais relegados, tanto quanto sei, para o desemprego ou para o recibo verde. Acho muito interessante ler blogs e outros sites que comentem a actualidade, mas o jornalismo é mais do que o artigo de opinião - é investigação, também, e para isso é preciso dinheiro e qualificações, e pelos vistos dinheiro não há.

O divórcio que anda por aí nas bocas do mundo não é só entre cidadãos e políticos, também é entre cidadãos e informação. Isto parece-me gravíssimo, porque ninguém vive de forma consciente em sociedade alimentado a tabloides, artigos de dez linhas e telejornais que, ainda que longos, se revelam um tanto ou quanto indiferentes e ocos.

E pronto, este post foi o meu lugar-comum do dia. Triste e pesarosamente, não me surpreende que a abstenção se agrave com cada eleição. Eu, porém, faço todas as tenções de ir votar. Ainda não sei em quem nem em quê, mas sei que vou votar.

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