terça-feira, 16 de junho de 2009

"Pre-Raphs"


Na vida das pessoas, os "pormenores" assumem uma grande importância.
Estava aqui a pensar nos Pré-Rafaelitas, e como gosto deste movimento, principalmente do impacto que teve na pintura; e depois lembrei-me das regras da atracção e de como, tantas vezes, há decisões importantes da vida que dependem muito de coisas aparentemente insignificantes. Ou talvez isso apenas se passe com pessoas superficiais como eu; mas o que é certo é que se passa.
E, por me ter lembrado dos Pré-Rafaelitas, da Ofélia desvanecida nas águas, na sofredora Lady of Shallot sem o seu Lancelot (rima), dos longos cabelos fulvos (como, penso eu, Mário de Cesariny se referia às mulheres pré-rafaelitas), lembrei-me também de, há muitos anos, em Inglaterra, ter tido uma conversa sobre, precisamente, Rossetti e sobretudo a sua irmã, Christina Rossetti, de quem gosto muito. E replica o meu interlocutor que também achava muita piada aos "Pre-Raphs" - não "Pre-Raphaelites", atenção - "Pre-Raphs", que tem muito mais estilo. É claro que foi encantamento à primeira palavra.
E pode pensar-se que esta futilidade de achar piada a alguém porque ele tem à-vontade para dizer Pre-Raphs em vez de Pre-Raphaelites é coisa episódica e rara, mas na verdade não é. Na verdade, há imensa gente que entra e sai da nossa vida devido a esta pré-selecção que assenta basicamente em pormenores. Sapatos com berloque determinam a saída; dizer que se gostou tanto do Tomb Raider que até se foi ver duas vezes ao cinema ("e eu nem sou pessoa para ver um filme duas vezes", dizia ele, para me convencer da qualidade do filme e sem perceber que só piorava, e muito, a situação) também determina, com altíssimo grau de probabilidade, a saída. Isto é um processo injusto e fútil, mas no entanto é um facto.
De modo que vamos seleccionando e seleccionando e seleccionando, e no meu caso estou bastante contente com este processo de apuramento, porque quanto menos pessoas conhecer, melhor as coisas me correm. O meu objectivo é mesmo esse, conhecer o menor número de pessoas possível, como acho que também já aqui escrevi. O ser humano só sabe dar chatices.
Acontece que, magicamente, quando há alguém que perfura a dura parede que este processo de selecção impôs, percebemos que temos um imenso problema. Porque quem passou a pré-selecção não é perfeito, aliás, vem cheio de defeitos, e nós mesmo assim não o chumbámos. E, horror dos horrores, aqueles pormenores que deveríamos imediatamente renegar passam a ser... queridos. Docinhos, mesmo. De repente, até usar meias brancas se torna aceitável. Não dá direito a saída nenhuma, é apenas uma fofa "idiossincrasia". Iic. É, de facto, um enorme problema.
E, portanto, as coisas mudam. Dizia-me uma amiga que está muito contente com o novo namorado. Há um pequeno problema, que é ele gostar tanto do Senhor dos Anéis. "É que é o livro preferido dele!", dizia ela, quando seria tão mais conveniente que a escolha recaísse, sei lá, numa coisa mais clássica, que a pessoa pudesse dizer à boca-cheia, um Beckettzito, ou talvez até um Bret Easton Ellis, acredito que a minha amiga pudesse aceitar isso. Mas o Senhor dos Anéis, livro, e ainda por cima a trilogia interminável de filmes, é que era pior. E qual foi a minha sapiente resposta? "Olha, pelo menos não é Paulo Coelho, portanto se ele for bom rapaz, não te queixes". E ela concordou.
O amor é mesmo uma estupidez.

3 comentários:

ecila disse...

Vi o quadro que mostras no Louvre quando tinha 16 anos. Na altura passou a categoria de quadro preferido, comprei até uma replica que perdi no metro em Paris. Nunca mais o vi outra vez, lembro-me que fiquei muito tempo a olhar para ele encantada. Foi uma boa surpresa vê-lo novamente! Como é que chama mesmo?

Nao sei muito bem como funciona a lei da atracao (comigo pelo menos), mas concordo bastante com a lei da seleccao he he. No entanto, tambem já acabei por passar por cima de meias brancas, em prol da bondade da pessoa ;-) Se, ao pôr na balanca, a pessoa até mostra ter qualidades apelativas que contrabalancem meias brancas e Paulo Coelho (ena que mistura) passo a achar piada. O amor é muito pateta ;-)

Rita F. disse...

Ecila, acho que o quadro se chama apenas "Ophelia", de John Everett Millais. É lindíssimo, de facto, não é? O meu preferido, durante muito tempo, foi outro que considero parecido, "Lady of Shallot", do Waterhouse. Enfim... doces sentimentalismos.
E, realmente, meias brancas com Paulo Coelho é uma mistura verdadeiramente fatal! :D

nefertiti disse...

Que susto! Pensei que a tua amiga fosse eu!!! Mas esse meu "amor" que-tanto-gostava-dos-senhor-dos-anéis findou : ))