terça-feira, 2 de novembro de 2010

A língua portuguesa rula

A minha querida amiga L. deixou-me uma coisa maravilhosa no mural do facebook - este texto de Stephen Fry, que segue, numa animação gira, no vídeo abaixo:

Aquilo que verdadeiramente me deslumbra nas palavras de Fry é a sua premissa inicial - a língua é algo que serve para nos entreter, para nos divertir, para nos dar prazer, tal como a música ou a pintura, por exemplo. E, no entanto, quase nunca pensamos na língua que falamos desta forma quase lúdica. Como também diz Fry, o que algumas pessoas fazem é achar que são os cães de guarda da língua, inamomíveis e baluartes de sabedoria, que se queixam, em inglês, da apóstrofe, da pronúncia dos hs, das nominalizações; em português, queixam-se se calhar dos particípios passados (e, ainda por cima, mal - "não é 'ter ganhado', é 'ter ganho'!", dizem eles - vão à gramática, pessoal, vão à gramática), queixam-se dos clíticos (mea culpa, que ainda há pouco tempo escrevi um texto a gozar com um "não tava-te a conhecer"), queixam-se sei lá mais de quê. Estes instintos de hiper-correcção face à língua não revelam nenhum gosto especial pelo uso da mesma língua - como afirma brilhantemente Stephen Fry, a língua certinha, correctazinha, serve para a escola, para exames, para entrevistas de emprego - como ele diz, vestimo-nos de fato escuro para a entrevista, e vestimos a língua de fato escuro também. Isto não tem nada a ver com o prazer que a nossa língua nos pode dar - palavras como "estrapicalhar", expressões como "fazer espécie", "obrigadinha", "adeusinho", "até à próxima e continuação", "saúdinha é que é preciso", "o que tem de ser tem muita força, né", "a gente temos de ser uns para os outros", "ó filhinha", etc., outras pérolas que agora não me vêm à cabeça (não me lembra, como se diz), tudo isto não tem nada a ver com a correcçãozinha da língua. Tem a ver com apreciar a língua, em tudo o que ela contém - desde os versos mais retumbantes de Camões às frases mais desenxabidas (outra linda expressão) ou descabidas.
De modo que considero que este texto de Stephen Fry é quase a Bíblia, um imenso, enorme obrigadinho à minha L. por me ter mostrado isto, e pronto, a língua portuguesa é a coisa mais espectacular que existe e, sem ela, a nossa vida seria ainda mais miserável, com ou sem orçamento de estado.

1 comentário:

Artur AlbaRom disse...

as línguas Humanas não detêem pincéis capazes de formular o bienêtre que o seu post me comunicou.

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Ernesto Jünger