Descobri que a Oprah incluiu o Freedom, de Jonathan Franzen, naquela lista de livros que ela faz lá para o programa dela para depois todas as donas de casa irem comprar.
De modo que eu tenho aqui dois caminhos a seguir:
a) minto e digo que não me importo, quero lá saber, só porque eu gostei do livro, a culpa não é minha que a Oprah também goste e isso não minimiza em nada o meu apreço pelo mesmo livro.
b) digo a verdade e confesso que, sinceramente, me sinto um tanto ou quanto enxovalhada. A Oprah não é pessoa que me suscite grande entusiasmo, e se por um lado até acho que o clube do livro é uma excelente ideia, eu própria gostava de pertencer a um, por outro fico desnorteada e até desgovernada com a ideia de que um livro de que eu gostei faça parte do Clube do Livro da Oprah. Fico, pronto.
Para me consolar, fui verificar outros livros, de outros anos, que a Oprah pudesse ter seleccionado lá para o clube dela e que até fossem eventualmente bons. Também pensei, "bem, se a mulher me espetou para lá Nicholas Sparks e a Profecia Celestina ao pé do Franzen, nem sei o que faço à minha vida", mas não, por acaso não, a listinha, ainda que com algumas coisas um bocado desastradas (apenas a meu ver, evidentemente), até tem lá coisas boas. Fez-me inclusivamente lembrar os Oscars, naqueles anos em que a Academia decide dar prémios a todos os actores latinos, ou a todos os actores negros, ou a todos os actores de filmes independentes - em 2005, por exemplo, a Oprah seleccionou três livros do Faulkner, o que eu achei espectacular. Lês estes três e já não tens que te preocupar, que já estás despachado. Eu percebo o raciocínio que subjaz a esta selecção - se a pessoa ler não apenas um Faulkner, mas três, ainda por cima no mesmo ano, expia os pecados e, depois da purga, está de consciência livre para ler outras coisinhas assim mais giras, mais engraçadas, mais modernas, olha por exemplo o Franzen, olha por exemplo o Jeffrey Eugenides. E eu gosto muito destes dois autores - não são é Faulkner, não é?
Mas, de facto, a Oprah tem uma certa razão. Há livros que a gente lê porque começa e porque sabe que é uma vergonha não acabar, mesmo que não esteja a gostar muito. Por exemplo, eu tenho um certo trauma provocado pelo Guerra e Paz, que eu acho que é livro para ler quando se é velho. Certos livros são assim, exigem tempos e idades próprias, e eu li-o numa altura em que manifestamente era nova demais para aquilo, de modo que cheguei a um ponto em que queria lá saber do Príncipe André em Austerlitz a olhar para o céu e a sofrer uma epifania e da Natacha e da Sonja e sei lá que mais, epifania estava eu à espera de ter quando comecei a ler o livro e não aconteceu nada. Mas isso foi porque o li extemporaneamente. Se esperar mais cinco anos e voltar a lê-lo, talvez não goste inteiramente, não sei; sei que vou com certeza gostar mais.
Assim, e assumindo que passamos por experiência semelhante, em que acabamos um livro cuja leitura é tirada a ferros, sentimos de tal forma que vencemos a batalha que, a partir daí, qualquer pecadilho nos é perdoado. Deve ter sido isso que a Oprah tinha em mente quando escolhe três livros de Faulkner por atacado. É relativamente respeitável que o tenha feito, mas a verdade é que não há pecadilho nenhum que possa ser perdoado, e é isso que é terrível em relação ao tempo que passa e que é mal aproveitado em termos de leituras. Tempo perdido a ler Paulho Coelho, para dar um exemplo que é já lugar-comum, é tempo que nunca por nunca recuperaremos, e mais, é tempo que podia ter sido dispendido a ler outra coisa melhor, que nos desse mais felicidade, mais bem-estar, que nos tornasse seres humanos mais bondosos e mais inteligentes. E agora vamos ter de redobrar a corrida, estugar o passo, porque os livros por ler pululam por aí, e há muitos que nos mudam a vida, e não podemos perder tempo a ler aqueles que não mudam. Embora eu perca, infelizmente, mas enfim, cometo os meus erros, pago por eles.
Pecados cometidos são pecados que demoram muito tempo a apagar. Um Paulho Coelho exige o quê para a redenção? Faulkner, Tolstoi, Dostoievski, Hemingway, Homero e mais uma data de Gregos? Provavelmente. Mas é o tipo de castigo que, como dizia a Santa Teresa d´Ávila, que bem sabia do que falava, "é uma divina prisão" da qual a gente não quer sair. É assim.
5 comentários:
Quando andava a ler o Anna Karenina, descobri que tinha sido apadrinhado pela Oprah a certa altura. Imagino a desilusão daquelas senhoras.
Por falar em Oprah, cara Rita, já viste isto: http://www.youtube.com/watch?v=GSree1pNoXE? É chocantemente delicioso.
Desejo uma óptima continuação.
Este post deu-me profunda alegria, É que eu também detesto a Oprah.
Não é por nada aborrece-me que ele se julgue como um farol da humanidade o que é de um orgulho descabido pois uma vez estive em Vildemoinhos e nem sequer sabiam que ela existia quanto mais que ensinava a ler.
O que me trás aqui aos comentários é uma ideia que fervilha no meu cérebro.
Li em tempos O Admirável Mundo Novo (sei o título em inglês mas não ponho para não parecer o snob que sou) e achei muita piada ao enredo.
E deu-me para pensar que criança magnifica não nasceria de um cruzamento da Oprah e do Prof. Marcelo que também atira livros ás massas.
Pensem nisto.
Tenho lido umas coisas boas que sei que recomendou. Embora nessa vida literária tenha tendência para ser preconceituosa e rejeitar tudo o que me sugerem em massa.
Adoooro ser eu a encontrar um bom autor/livro!
Zé, estou aterrada... não sei se rie, se chore. Aquelas pessoas devem ter hesitado entre a Igreja Universal do Reino de Deus e a Oprah, e foram a esta última porque, no caso deles, era mais perto de casa. Que Deus os valha, que eu não posso.
Fado, que cruzamento profundamente bizarro! :)
Paloma, eu também gosto de encontrar livros sozinha, mas o que tento fazer é tentar libertar-me de certos preconceitos. E, como se vê, tenho sido muito mal sucedida. Percebo o que quer dizer. :)
Pois eu acho que é mesmo preconceito fazer questão de não se ser fã de algo adorado pelas massas... Eu já passei essa fase e agora tento ser eclética nas escolhas. E sobretudo não ter vergonha de dizer que gostei de alguns livros de Paulo Coelho ou Nickolas Sparks e que, pelo contrário, Dostoievski, Hemingway ou Tchékhov não acrescentaram nada à minha felicidade.
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