Eu noto que estou a ficar velha, velha, velha, mas mesmo velha rezinga (e gaiteira para os momentos mais alegres, que é uma expressão que eu gosto) quando começo a perder a dita pachorra para certas coisas que as pessoas dizem. É que, quando era mais nova, perdia a paciência mas passado cinco minutos já não me lembrava; hoje em dia, perco a paciência e fico a bufar tipo panela de pressão que a todo o momento rebenta, faz estardalhaço por todo o lado e fica tipo Michael Douglas naquele filme que se chama Falling Down, e que por acaso está bem traduzido em português - Um Dia de Raiva. Nota para dizer que gosto imenso deste filme, acho que é muito subvalorizado. Digo isto porque não conheço muita gente que goste do filme, mas enfim,a verdade é que eu também não conheço muita gente - deve ser por não ter, lá está, paciência. Só devo conhecer para aí umas dez pessoas. Até gostava de conhecer mais gente, mas a questão da paciência é um deficit que, como tantos outros deficits, terei de resolver com urgência.
Continuando. Aquilo que me deixa em estado de ebulição é a mania que as pessoas têm de dizer que x ou y "não faz sentido". Pelo que percebo, a não ser que as coisas se confinem ao que elas acham que faz sentido, nada no resto do mundo bate certo. Não percebem as regras da voz passiva, por exemplo, porque "não faz sentido". Não percebem sequer que haja voz passiva porque "não faz sentido". Países onde nunca foram "não fazem sentido". Bandas de que não gostam também "não fazem sentido". Bacalhau com natas "não faz sentido". Iscas ainda devem fazer menos sentido, digo eu. Apanhar o metro na Cidade Universitária para sair no Colégio Militar também "não faz sentido", porque quase mais valia ir a pé. Então força. E assim por diante.
Eh pá, que cansaço. Mas esta mania não é de agora, não. Lembro-me de que há uns anos, quando passou a primeira Operação Triunfo, houve um concorrente que teve de cantar Com Um Brilhozinho nos Olhos, do Sérgio (perdão - Sérgio Godinho, porque só "Sérgio" não faz sentido). Acontece que o dito concorrente, a quem toda a gente elogiava a vozinha de canário a perder o pio, não queria cantar a canção porque "não fazia sentido nenhum". Vá lá que a Catarina Furtado, e digam o que quiserem dela, teve a presença de espírito de lhe dizer que aquilo era um descaramento.
Também me lembro de as pessoas dizerem, quando o Pulp Fiction saiu, que não gostavam porque o filme "não fazia sentido", e que além disso ainda andava para trás e para a frente e pronto, não havia ali o tal sentido que as pessoas gostam de discernir nas coisas. É como a pontuação do Saramago, também "não faz sentido", dizem alguns.
Arrisco dizer que, de facto, há aqui muita coisa que não faz efectivamente sentido, mas não me parece que se possa imputar essa falha ao mundo exterior. A falta de sentido está mais nas limitações intelectuais da nossa própria cabecinha, que não alcança tudo nem tem de alcançar. Mas enfim, isto também não deve fazer sentido nenhum.
4 comentários:
LOL
é aprimeira vez que visito o blog e adorei!
Este post fez-me as decoradoras do Querido Mudei a Casaa justificarem as suas opções: "acabei por modificar também aquela divisão porque não fazia sentido fazer só esta.." "escolhi tons neutros porque, Sifa, não fazia sentido outras cores" "optei por este tecido mais escuro porque não fazia sentido escolher mais nenhum."
Haja pachorra! Tenho a impressão que abusam do "fazer sentido" para conferir aos comentários um ar erudito, artístico... inalcanável.m E a mim parece-me a expressão mais básica e irritante do mundo nestes contextos.
Ana
Muito obrigado por lembrar o Falling Down.
É um belíssimo filme e mostra de uma maneira exemplar como quando começamos a cair podemos nunca mais parar.
Tem momentos inesquecíveis e entre eles só para exemplo quando Michael Douglas (coitado agora a braços com um tremendo problema real e não em filme) está sentado desesperado e aparecem os três marginais para lhe roubar a mala.
É também assustador pensar que é facílimo de nos acontecer algo como aquilo a nós.
Sobre o resto do post tenho apenas a dizer vírgula que se sente velha não é mau, eu já sou mesmo velho oficialmente.
Já tenho o passe terceira idade e tiro bilhete de velhinho nos teatros.
Por este prisma não é mau.
Não sei se te referes propriamente ao que eu me vou referir, mas o que eu acho é que as pessoas estão desinteressantes. Há um conjunto de verdades pelos quais todos nos devemos reger, e as pessoas passam pouco tempo a pensar sobre determinados temas. Eu sinto que estou a ficar velha quando só vejo gente apática a tudo na vida.
e depois há o "parecendo que não", ah, parecendo que não isto; ah, parecendo que não aquilo...ggrrrr.
m.ª
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