Será que as gerações mais novas e de meia idade falharam em todos os países europeus, ou foi só em Portugal?
A minha geração, por exemplo, sempre foi muito mal vista. Disseram que era rasca. Quem proferiu esta simpática designação foram aqueles que estavam comodamente sentados em empregos bem pagos, carreiras feitas, reformas garantidas e ADSE em estado de graça, e que mesmo assim se atreviam a desprezar com arremessos paternalistas, de charuto na boca, uma massa de gente que se engalfinhava para entrar na universidade, que se mataria depois para arranjar emprego, que hoje lhes paga as reformas com o suor do corpo e dos recibos verdes, e a quem continuam a dizer que é bem feita porque (e ouvem-se aqui as vozes dos que arranjaram, no seu tempo, um emprego para a vida) ninguém pode hoje esperar o tal emprego para a vida e mesmo que o arranje não deve arranjar, porque isso é coisa de indolente preguiçoso, pouco produtivo, pouco competitivo, à espera da salvação e das garantias do Estado (pecado capital, como se sabe).
Há uma certa geração aqui que falhou porque nunca conseguiu ganhar. Não é muito nova nem muito velha; não viveu em total ditadura mas também não conhece a completa democracia; o país deve ser, para eles, um misto de autarquias onde reinam caciques que se podem comprar e manipular e mandar para o Parlamento se for preciso, e umas empresas que lhes podem pagar uns salários chorudos a troco de, e umas estações de televisão que servem para transmitir discursos e propagandas, e uma União Europeia que, para lá chegar, tem de se atravessar a Espanha toda e a França, mesmo longe, mas que vai mandando uns dinheiros, uns subsídios que se vão gastando e tal, e no meio disto também há umas parcerias que se vão podendo fazer com o Estado, com os privados, depende do que der mais jeito e der mais dinheiro na altura, e a gente mostra assim uns edificios ultra modernos acabados de construir, e umas autoestradas de faixas recentemente alargadas, e uns computadores que toda a gente vai aprender a usar, estão a ver, nem tudo é mau, faz-se o que se pode, se o FMI vem aí a culpa não é desta geração que tentou perceber o que era uma democracia mas não conseguiu decorar o capítulo até ao fim, e tentou prestar contas e cumprir orçamentos sem derrapagens mas não conseguiu, e quis que toda a gente lesse uns livrinhos, mesmo que fosse a Anita Vai à Escola não fazia mal, o que interessa é ler, e também não conseguiu; não, a culpa não é deles, eles bem tentaram, mas era tão difícil, ainda por cima sem ajuda nenhuma, ninguém lhes explicou, ninguém lhes ensinou, veio dinheiro do estrangeiro e aplicou-se, e afinal as pessoas votaram neles, não é, afinal estamos aqui a culpar quem, afinal quem são os verdadeiros culpados, vocês não sabem fazer contas melhor do que nós e ainda se queixam?, oh pá, dantes este país era 80% de analfabetos, calem-se, mas é. Deixem-nos trabalhar.
E isto para dizer o quê. Para dizer que eu agora podia começar com um discurso que por acaso já tinha engatilhado, "ah, a minha geração é rasca mas é sobre ela que cai a responsabilidade de fazer melhor, de salvar este país", e blablabla. Era um discurso que poderia fazer, mas que não vou fazer, porque gostaria de acreditar nele, embora não acredite. E de modo que, depois de tanta conversa, não tenho resposta nenhuma para nada. Apenas sei que a minha geração não é rasca. Tem de fazer pela vida todos os dias e é o que faz. Pode ser que conheça o seu estado de graça e traga Portugal de volta, sei lá. Há uns que acreditam no D. Sebastião numa manhã de nevoeiro e eu, de certa forma, também acredito, embora substitua D. Sebastião pelo D. Dinis ou pelo D. Pedro, que são assim os reis com quem eu mais simpatizo; o D. Sebastião era tão incompetente como os espécimes de hoje, de modo que por ele nunca tive grande simpatia, e ainda por cima não pagou ordenado decente ao Camões, portanto só por aí dá para ver o tipo de governante que ele era.
Pode ser que eu entretanto encontre alguma resposta. Para mim, pelo menos. Já não era mau. Boa sorte para o país e para todos nós enquanto o D. Dinis ou o D. Pedro não chegam, é o que desejo.
1 comentário:
Tão bem dito, Rita!
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