sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Fala, fala e não diz nada. Quer, mas não pode. Tenham pena.

Há dias em que as coisas para dizer vêm umas a seguir às outras, há outros em que uma pessoa espreme, espreme e não sai nada... arre.
Já pensei nisto muitas vezes, e repito, porque me parece ser verdadeiro: quem sabe verdadeiramente escrever é quem sabe que a escrita é um trabalho, e consegue fazer da escrita o seu trabalho. Não está à espera da inspiração para escrever qualquer coisa, como eu, que se for preciso fico dias e dias até me surgir qualquer ínfima ideiazinha na cabecinha, vinda da inefável "inspiração". Eu não consigo que a escrita seja o meu trabalho, porque não consigo que a escrita dependa de mim, infelizmente; depende sempre de qualquer ideia, estímulo, dessa irritante "inspiração" que tem de aparecer. É por isso que me parece sempre misterioso, incompreensível, saber que Lobo Antunes escreve dias seguidos sempre à mão, trabalha os seus romances, muda isto, muda aquilo, diz que alguns romances lhe deram mais "trabalho" a escrever do que outros; que Saramago escrevia sempre à tarde (ou sempre de manhã, já não me lembro, mas li isso em qualquer lado), à máquina, da hora y à hora x, e que depois ia fazer outra coisa, ou seja, que encarava a escrita como a sua actividade, o seu emprego, o seu trabalho. É incompreensível, para mim, que não se escreva algo ao sabor de estímulos momentâneos, ao  sabor do dia que se está a viver, dependendo de estarmos bem ou mal dispostos, porque eu não consigo escrever como se a escrita fosse o meu trabalho, porque para mim o trabalho é algo que começa a uma hora, acaba a outra hora, e pelo meio tenho a tarefa x,y e z a fazer para depois me ir embora e pensar noutras coisas. O trabalho é algo que tem de ser feito, não envolve criação, e não quero saber daqueles que falam em "realização profissional" e que o trabalho enobrece e sei lá mais o quê. Quando um trabalho é igual a um emprego, não se pode falar destas coisas, lamento muito.
Mas quando o trabalho de alguém é ser escritor, tudo muda inteiramente de figura. Quando o trabalho de alguém é dominar a língua, a chamada "estilística", personagens, fictícias ou reais, dominar a narrativa, ou a prosa, ou a poesia, estamos face a algo de muitíssimo mais difícil, algo que exige uma precisão, uma clareza de objectivos que, talvez, a inspiração possa ajudar mas que não chega para concretizar. 
É admirável e, como se costuma dizer numa expressão de que gosto bastante, não é para quem quer, é para quem pode. Como é que eles podem, porém, é a pergunta que todos os dias faço a mim própria. Os Românticos recorriam à velha inspiração para o explicar mas, como sabemos, neste ponto em particular não se pode levar os Românticos muito a sério, que eles eram todos uns corações moles, muito trágicos, muito sensíveis. Talentosos, mas coração mole. 
Como é que eles podem, e será que dão explicações a quem quer. Dá-me jeito às segundas e quintas, e estou disposta a pagar o que puder. Obrigada pela atenção.

4 comentários:

Tolan disse...

Pfff, eu dava-te explicações de borla sobre a forma errada de escrever um romance, só precisavas de fazer o oposto depois. A propósito, aguardo a sua palavra sobre uns certos capítulos inéditos que a menina tem em seu dispor.

belíssimo post, mas gostava que a minha cara amiga compreendesse que o facto de escrever um post assim sobre isso é, em si, escrita de elevado nível. O que quero dizer é que é necessário desfazer a ilusão de que a sua escrita fora do blog, minha cara, tem de ser "superior" à que tem tem no blog. Isto é um problema não só do autor mas dos leitores de blogs que têm ilusões sobre os escritores de contos e livros e coisas em papel. São influenciados pela forma (o papel vs blog) e pelo estatuto do autor (blogger vs escritor) e como tal tendem a relacionar-se de forma diferente com uma coisa e com outra. Recomendo aquele texto que a Luna postou, aquele violinista muito bom que tocou peças dificílimas no metro com um violino de primeira e que as pessoas encararam apenas como "mais um jovem a pedir esmola" e ignoraram, enquanto estariam dispostas (algumas pelo menos) a pagar 50€ para o ver no CCB em cima de um palco. Ao contrário do tema do texto que a luna postou, que era supostamente para as pessoas "abrandarem" a sua lufa lufa diária, penso que a verdadeira moral é a de que temos de estar atentos ao valor de coisas que podem estar em qualquer lado.

Quanto à inspiração, o que tem de fazer é forçar temas e usar pensamento lateral para os tratar. Por exemplo, não lhe apetece escrever hoje. Não tem ideias. Então olha à sua volta. À minha volta está um cinzeiro, um cão de peluche, um telemóvel blackberry, uma cerveja... então pode forçar um texto em que combina estes elementos, todos ou só alguns, e isso obriga-a a usar pensamento lateral. Se vir as coisas assim, nunca lhe faltará inspiração para textos rápidos. Claro que poderá dizer "mas isso era para um post e para um conto ainda admito. E um romance?" Aí há diferenças e é mais complicado realmente e não lhe sei responder. Normalmente usar a 1ª pessoa e falar de si e extrapolar eventos biográficos e distorce-los, é garantia de ter pelo menos uma coerência global e um recurso para principiantes, mas isto sou eu a especular, não sei.
beijinhos minha cara.

não confundamos alhos com bugalhos disse...

Poesia com Romance...

Que:

a poesia é um copo de tinto nas esquinas da vida

O Lobo Antunes um
Calo no Cú

um buraco no asfalto

esquecido

Já leu o "Prefgácio ao livro de qualquer Poeta" de almada negreiros, O Africano?

O álcool desnaturado é assim chamado por ter vista violada a sua natureza in disse...

http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/659/17/20630_ulsd_re525_TD_EST_PAID_DE_A_NEGREIROS300_321.pdf

inócua, tendo-lhe sido adicionadas pequenas percentagens de substâncias venenosas e/ou indigestas, para que não seja usado na falsificação de destilados bebíveis( mercado negro das bebidas brancas) disse...

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