Eh pá, que cansass... espera... que cansaço, assim é que é. Estou tão cança... aaaah... ai, engano-me sempre... estou tão cansado, pois. Este trabalho já não é para mim. E eu que adorava a rua, andar por aí em liberdade, de faca na mão, a fazer o que me apeteçia. E que bem que me paga-vam. Ui. Dantes, isso era tudo para mim. Agora já não.
Oje, mal conssegi... espera, não... oje, mal conssegui, assim sim, acabar o trabalho. Começou-me a meter impressão, aquele sangue todo, aquela nhanha toda. Coitada da mulher. Mas vá, consegui acabar.
Agora tenho de ir meter esta roupa touda na máquina, que se a minha mulher me vê aqui sentado ao compotador no b-log-e com o avental a escorrer sangue a pingar para a carpete desata-me aos gritos e vai na volta tenho de lhe dar com a faca também. Verdade seja dita, ela é um bocado xata, sempre "Tripa, tira já essa roupa toda porca! Tripa, vai tomar banho que não se pode com esse cheiro a sangue podre, Tripa, vai-me amolar a faca, que se não perdes mais tempo a trabalhar e a polissia ainda tapanha!", e outras coisas parecidas a isto. Sempre a xatiar, a mulher. Mas eu até gosto dela.
Tenho dir falar com o meu patrão e dizer a ele que isto assim não dá. Quer dizer, despacho uma no fim de semana passado, e agora esta semana já quer que eu esteja na rua outra vez, altas horas da noite e tal, ali ao frio, à espera de encontrar a mulherzeca, coitada, ainda por cima parecia boa pessoa. É por isso é que eu gosto de ser assim rapido, não les dar muita converça e isso, que é para não me afeiçoar. Coitada.
Estou vélho. Caramba, tou mesmo vélho. Eu dantes queria lá saber. Agora, a única coisa que ainda me diverte são os jurnais. Eh, eh, pensam que eu sou médico, LOL!! E eu que nem nunca acabei o ciclo nem nada, a bem dizer, eu nem nunca fui muito à...á.... aaaah.... escola, pronto. Tar ali fechado numa sala atrofiava-me um bocado. E agora os jurnalistas, pumba, pensam que eu sou médico. Bem, eu posso nunca ter estudado nem nada, mas de facto sou muito profissional, e mesmo cançado e tudo, ai, carassas, cançado, mesmo cançado e tudo, faço sempre o trabalho bem feito que é uma beleza.
Médico... lá geito para anatomia, por acaso tenho, isso é verdade, lol!!!! :)
30 Set 1888
Bem, o meu patrão é um xato do pior. Qualquer dia, amanda-me mesmo pá prisão, só por que se quer armar. Eu acho que, tando o trabalho bem feito, a gente não precisa de se estar a gabar, né? Mas não, ele a insistir, tu escreve pá polissia, Tripa, tu escreve que é para a gente os lixar, ah ah!, e eu pronto, escrevi. Eu disse le, oussa lá, olhe que eu não tenho muito geito para escrever, eu até gosto muito de escrever, mas não tenho geito, então mas tu não tinhas um b-lo-g-e, perguntou ele, tenho, respondi eu, então qual é o teu problema, perguntou ele, e pronto, eu escrevi. Ficou assim:
Olá Patrão,
Tou sempre a ouvir que a polissia me vai apanhar mas não tou a ver que isso vá acontesser (aqui tive dúvidas) tão depreça. Até dá-me vontade de rir quando começam-se a armar em espertos e a dizer que já estão no caminho certo. Olhe que eu adoro o meu trabalho e não vou parar, que tenho a faca afiadinha que é uma beleza, e a minha mulher nunca deixa que eu me esqueça de a amolar. Se me apetecer, na volta, ainda lhe mando um par de óreilhas, chefe.
Boa sorte,
Jack O Estripador
PS: Esta carta tá escrita a vermelho, viu? Adivinhe lá porquê. Agora dizem que eu sou médico. ha ha.
Até fiquei satisfeito com a carta, tá gira, tem vivacidade. É para terem medo de mim, ouve lá coisas que eu ezagerei, né. Depois de escrever isto e pôr no curreio, ainda tive de ir trabalhar outra vez, e o parvalhão do meu patrão disse-me que hoje afinal eram duas, bem, eu a despachar uma e a correr da polissia, que por acaso desta vez ia-me mesmo apanhando, e tive de ir a correr atrás da outra, nem tive tempo de fazer nada como deve de ser. Ah cada coisa...
9 Nov 1888
Perguntam vocês, pá, Tripa, então nunca mais escreves?, e eu digo, pois é, mas experimentem terem que tar escondidos porque a polissia ainda vos apanha e passam a velhisse na prisão! Não gostavam, né? Mas é que eu esqueci-me que tinha que inventar um nome para pôr na carta pá polissia e não me lembrou e assinei com o meu nome verdadeiro e tive de andar aí uns dias escondidos.
Mas o mais importante que eu tinha a dizer é que acabei hoje de manhã o meu último trabalho. Fiquei estafado, foi uma coisa que nunca mais acabava e eu já tava a ver a minha vida a andar pa trás, e fui e disse ao meu patrão, pá, não dá, arranje outro, o crime já não é para mim. Acho que cheguei mesmo ao topo da carreira, já fiz o meu pé-de-meia, a partir daqui não tenho para onde ir senão para baixo, e eu sou um individo que gosta de ir mas é para cima. Por mim, fiquamos por aqui. E ele disse tudo bem, ia pensar noutra pessoa.
31 Dez 1888
Era só pa dizer que tou contente por ter mudado de vida. Conheci uma pessoa espectacular, este ano. É só um bebé, mas já fala e diz coisas muita bonitas, assim que fazem a gente pensar. Chama-se Fernando Peçoa. Não, espera, tou a cofundir co Fernando Peça, lol! Fernando Pessoa, assim é que é. É muita pequenino, ele, mas um míudo tão esperto, bem! A minha mulher é que é amiga da mãe dele, e até já me disse assim, ó Tripa, só pa ter uma criança tão gira comó Fernando, valia a pena a gente tentar ter um filho, e eu disse, por mim tudo bem, e pus-me a pensar e era mesmo isso que eu agora devia fazer, um bebé. Se for comó Fernando e não sair a mim, axo mesmo que o mundo ainda pode ter salvassão.
3 comentários:
É só para dizer que gosto muito dos "blogger hipotéticos"
É muito muito muito bom. Há outros bloggers hipotéticos, Rita?
Maariah e José, tenho de vos agradecer, porque eu própria, tenho de confessar, também gosto muito dos bloggers hipotéticos. Não é elegante estar a dizer isto, mas é a verdade, portanto fico muito contente quando há alguém que também gosta.
Há outros bloggers hipotéticos, José, está na etiqueta.
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