segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Dâmaso Salcede

Trabalhar com pessoas o dia todo é terrível.
Hoje, fui tomar café. A pastelaria estava calma, os bolos repousavam sem que ninguém os cobiçasse. Quer dizer, eu cobiçava, mas como não podia agir de acordo com a cobiça, deixei-me estar. Uma meia-de-leite cumpre todos os propósitos, não há que aspirar a mais.
Mas portanto. Se os bolos repousavam, as pessoas que trabalhavam na pastelaria não faziam o mesmo. Um rapaz por trás do balcão, de vez em quando, de forma aleatória, dardejava os colegas agressivamente, ainda que os seus modos fossem fracos, a voz sumida, ele todo muito lombriga, muito magro: "o que têm a dizer, dizem-me na cara. O que têm a dizer, dizem-me na cara!"
E a minha meia-de-leite à espera de um momento mais tranquilo para poder ser apreciada com calma.
Depois, o mesmo rapaz deixou de lançar as setas aos colegas e passou a outro que, pelo que percebi, devia ser o patrão. Espetei a orelhinha para ouvir, mas só consegui apanhar "deixe-me acabar de falar, se faz favor", "o que é que você quer que eu faça, tenho de ir a Lisboa e pronto", e outras coisas assim, ditas num tom muito peremptório, muito lombriga, um tom que os fracos às vezes usam quando sabem que aqueles que interpelam não os vão confrontar nem pedir contas nem, de uma forma geral, incomodá-los.
A minha meia-de-leite foi sorvida não no estado de paz desejado, mas no estado possível.
Há pessoas que confundem ter personalidade e saberem impor-se com cobardia e má educação, parece-me a mim. Lembro-me de estar uma vez numa fila para uma coisa burocrática e a pessoa que estava a atender ser nova no serviço, nem há um mês ali estava; enganou-se numa série de coisas que procurou corrigir mas, obviamente, levou mais tempo do que o desejado. As pessoas que ela atendia sabiam que ela era nova, e mesmo assim puseram-se a falar para o lado, desdenhosas, com aquela força que às vezes os cobardes têm quando se vêem em situação que lhes é favorável: "é impressionante", "francamente" e quejandos saíam-lhes da boca com prazer, diria até, como certos professores de Literatura gostam de dizer, com fruição.
Esta coisa do falar para o lado é espantosa.
Acredito e sei que todos temos os nossos momentos de fraqueza. Mas há coisas que, tal como a meia-de-leite, são penosas e custam a digerir.

3 comentários:

zozô disse...

"Que ferro!", como diria o Eça. ;)

Rita F. disse...

:D
Uns marotos que deviam levar bengaladas até rolarem Chiado abaixo, mas é...

Rita Maria disse...

Grande título!