E penso, fundamentalmente, num episódio que presenciei na Barata da Praça de Londres já há uma data de anos.
Estava eu, calmamente, a espraiar os olhinhos pelos livros, quando, pelo canto dos mesmos olhinhos, vejo um indivíduo mais ou menos da minha idade, assim com aquele ar de intelectual esforçado, isto é: óculos pretos de massa, pesados, casaco de malha, barbicha. Nada contra; eu até reparei no indivíduo porque, na altura, os intelectuais esforçados era gente que me agradava. O tal intelectual dirige-se a uma das empregadas da loja e pergunta se ela pode ir chamar alguém que lhe dê uma informação, ao que a empregada diz que ele lhe poderá perguntar o que quiser. E diz então o intelectual esforçado, "olhe, então eu vou perguntar-lhe se tem alguma coisa de um escritor americano chamado Char-les Bu-kows-ki." Pronunciou isto muito devagar, a pensar que a rapariga não conheceria, com certeza, escritor tão obscuro. No entanto, a rapariga da livraria, despachadíssima, respondeu-lhe imediatamente que "do Bukowski", de momento, não tinham nada - tinha esgotado, estavam à espera.
Até aposto que o intelectual esforçado teve, naquele momento, o seu primeiro grande desgosto de amor. Ah, que afinal o Bukowski era homem de vários leitores, um vadio, tão vadio e popular que os livros até esgotam na livraria, os empregados da livraria até o tratam apenas pelo apelido, como a escritores do cânone, daqueles que toda a gente conhece. Ah, que afinal o Bukowski não era só para ele... e agora, como impressionar família e amigos com a menção de um tipo que, afinal, toda a gente lê?!
Há coisas que perdem toda a piada quando descobrimos que, afinal, também os outros se apropriam delas, sem nada que possamos fazer contra isso. Somos menos especiais ao percebermos que os outros, a arraia-miúda, gosta exactamente dos mesmos livros, dos mesmos escritores, da mesma música, e que a nossa identidade, cuidadosamente construída em torno de objectos exteriores que deveriam definir o que somos, se desmorona, fácil e fragilmente, só porque alguém também gosta, por exemplo, do Bukowski, ou da Ute Lemper, ou da Sarah Kane, ou daquele grupo afegão radicado na França que grava em Londres e tem um som electrónico-nu/pop-nu/jazz-house-blues, com uma leve influência soul. Quanto a mim, se encontrar outra pessoa que também goste deste grupo, deixo logo de os ouvir.
Isto para dizer que me disseram que uma boa opção seria ler Ham on Rye, do "Bukowski". O livro está, finalmente, na minha mesa-de-cabeceira, esperando eu que apague da minha memória a desilusão do Mulheres.
Até aposto que o intelectual esforçado teve, naquele momento, o seu primeiro grande desgosto de amor. Ah, que afinal o Bukowski era homem de vários leitores, um vadio, tão vadio e popular que os livros até esgotam na livraria, os empregados da livraria até o tratam apenas pelo apelido, como a escritores do cânone, daqueles que toda a gente conhece. Ah, que afinal o Bukowski não era só para ele... e agora, como impressionar família e amigos com a menção de um tipo que, afinal, toda a gente lê?!
Há coisas que perdem toda a piada quando descobrimos que, afinal, também os outros se apropriam delas, sem nada que possamos fazer contra isso. Somos menos especiais ao percebermos que os outros, a arraia-miúda, gosta exactamente dos mesmos livros, dos mesmos escritores, da mesma música, e que a nossa identidade, cuidadosamente construída em torno de objectos exteriores que deveriam definir o que somos, se desmorona, fácil e fragilmente, só porque alguém também gosta, por exemplo, do Bukowski, ou da Ute Lemper, ou da Sarah Kane, ou daquele grupo afegão radicado na França que grava em Londres e tem um som electrónico-nu/pop-nu/jazz-house-blues, com uma leve influência soul. Quanto a mim, se encontrar outra pessoa que também goste deste grupo, deixo logo de os ouvir.
Isto para dizer que me disseram que uma boa opção seria ler Ham on Rye, do "Bukowski". O livro está, finalmente, na minha mesa-de-cabeceira, esperando eu que apague da minha memória a desilusão do Mulheres.
3 comentários:
Sou fã destes posts em que quase a tua linha de raciocínio vai um bocado aos solavancos, mas depois tudo faz perfeito sentido. Para sempre Rua da Abadia, é o que eu digo.
vais ver que gostas... se não gostares... blame it on me :-D
E Tio Vânia forever, pois claro. E "Imitação de Vida" também forever.
manuel, já estou a gostar muito. Aquele pai é horrível. Dá vontade de lhe bater.
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