quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Prova em contrário

O efeito que uma noite em branco tem no ser humano é interessantíssimo. Ontem à noite não dormi um minuto sequer, vítima de uma insónia implacável. Vou passar de imediato à acção e entrar pelo caminho da droga, que me levará, espero eu, com a ajuda de um ou dois comprimiditos, a longas noites de sono descansado, já que a minha natureza o impede.
Mas enfim. Tive, assim, muito tempo para pensar na vida. E chego à conclusão que as pessoas me dizem muito, "olha, Rita, tu devias dar-te mais com as pessoas, não devias pensar tanto mal das pessoas, não devias ser assim tão rabugenta e feia". Um argumento que as pessoas gostam de adicionar a esta elocução tão eloquente (cacofónico) é "olha que maior parte das pessoas é boa pessoa!".
Não duvidando que maior parte das pessoas não será, por falta de oportunidade ou de vontade, um psicopata assassino desvairado, duvido, porém, que a maior parte das pessoas seja efectivamente boa pessoa. Eu, normalmente, e porque sei que eu própria sou má pessoa, parto sempre do princípio que toda a gente também é, até prova em contrário. Infelizmente, raramente me engano e a prova em contrário só chega de longe a longe, se é que chega de todo - as pessoas revelam-se quase todas vaidosas, egocêntricas, falam e não ouvem, olham para o próprio umbigo, lêem pouco, pensam que são o máximo e o poço de toda a sensatez quando não passam de uma poça de ignorância, arrogantes, etc., etc. - podia continuar, mas é demasiadamente deprimente.
No entanto, também é verdade que as pessoas não são de boa índole, mas também não são verdadeiramente "más". Não têm propriamente coração de víbora, digamos assim, apenas coração normal, de ser humano normal, isto é - não são Jesus Cristo, mas também não são o Hitler.
De modo que a pergunta que eu levanto é, o que é, verdadeiramente, uma boa pessoa? É alguém com espírito de missionário, totalmente dedicado aos outros, esquecendo-se de si próprio e, quiçá, da própria família e dos filhos, como o caso de uma senhora que uma vez li no jornal que, insistindo numa gravidez de altíssimo risco que provavelmente a conduziria à morte, escolheu ter o bebé, acabando mesmo por morrer e deixando para trás marido e três filhos ainda pequenos? É alguém que toma conta da sua família, educa os seus filhos, paga impostos mas não levanta nem mais uma palha? São os outros que dão imenso à comunidade em prol do benefício fiscal? São aqueles que, como diz o Marquês de Sade na sua Filosofia de Alcova, praticam o bem apenas para depois se poderem vangloriar disso? O que é, então, uma boa pessoa?
Não deixo de me comover, de alguma forma, com a ingenuidade de algumas más pessoas, convencidas que são muito boas pessoas. Tão cabecinhas no ar e tão cheias da sua própria importância iludida. Também não trazem grande mal ao mundo. E chego, portanto, à conclusão que as pessoas normais são más pessoas por exclusão de partes, e só chegam a boas se forem o Ghandi ou isso. Porém, são as más pessoas que se esforçam verdadeiramente por serem boas pessoas, em toda a sua vulgar normalidade e tragédia, que têm piada. E são essas que, de vez em quando, conseguem a tal prova em contrário. Eu espero um dia também conseguir.

2 comentários:

lenor disse...

Boas pessoas e más pessoas???
Quando e quem tem faro é que as cheira. Parece-me.
Ainda pensei em sugerir que cada um fizesse campanha e fosse a votos, mas isso é o que cada um já faz, não ia adiantar.
Não há uma etiqueta para rabugices?

Rita F. disse...

Eu acho que há imensa etiqueta para a rabugice. Por acaso, é, até, uma questão muito interessante.
Há tanta etiqueta que as pessoas têm de ser subtis com a sua rabugice. Normalmente não funciona, e tornam-se apenas desagradáveis, antipáticas e toda a gente percebe exactamente o que elas querem dizer, por mais que o escondam.