quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Faz-me impressão o trabalho

Eu sei que estou a bater no molhado, e no ceguinho, talvez provavelmente nos dois, ou talvez esteja a chover no ceguinho e a bater no molhado, já não sei, enfim, sei que me repito bastante e que já escrevi sobre isto antes, mas a verdade é que sinto não ter ainda escrito suficientemente sobre as pessoas com aquele hábito irritante de acharem que elas é que trabalham muito, sempre infinitamente mais do que os outros.
A verdade é que estas pessoas não trabalham nada e produzem fel e bílis, quase ódio, contra quem sabe aproveitar o tempo livre por ter uma coisa chamada "vida pessoal". É este conceito de "vida pessoal" que falta a certos indivíduos. E estes mesmos indivíduos gostam de lançar olhares recriminadores a outros que, quando o Verão se aproxima, dizem que o que vão fazer a seguir ao trabalho é ir em busca de umas havaianas giras; os mesmos indivíduos que nos interrompem com longas descrições das obras na casa e dos esgotos entupidos, logo a seguir a perguntar, apenas por delicadeza que não engana ninguém, o que fizemos nas férias, e percebendo rapidamente que o que fizemos foi, felizmente, muito e bom. Quanto mais estes indíviduos falam, mais nós nos vamos apercebendo de que a vida deles não é nada recheada de actividades profissionais importantíssimas, compromissos inadiáveis, responsabilidades imensas que os impedem de gozar a vida. É precisamente o contrário. São facilmente substituíveis no emprego, como aliás quase toda a gente é; serão, talvez, facilmente substituíveis em família, e até facilmente substituíveis para eles próprios, porque não sabem o que hão-de fazer com todo o tempo livre que têm, todo o infindável tempo em que ninguém precisa deles para nada, muito menos eles próprios. São, todos eles, as mãos de um ex-fumador, para ali caídas, sem qualquer precisão ou necessidade. Coitados.
E criam, assim, um mundo fictício onde mal têm tempo para respirar, onde estão sempre ocupados, e todos os outros são irremediavelmente preguiçosos.
É por isso que eu raramente acredito quando as pessoas me dizem que estão muito ocupadas, que estão a passar por uma fase terrível, com uma carga de trabalho aceleradíssima e que não têm tempo para nada. Penso sempre que é exactamente o contrário - não têm nada para fazer, percebem a dimensão da sua inutilidade, assustam-se com isso e começam a inventar, a arranjar desculpas para si próprios, justificações para a sua existência.
É uma tristeza. Eu, por mim, gosto de dias inúteis, gosto de não ter nada para fazer, e gosto de não fazer nada. Somos todos inúteis, e mesmo assim há quem goste de nós, sabe-se lá porquê. A beleza da vida é isto mesmo, a sua deliciosa inutilidade.

2 comentários:

lenor disse...

«hábito irritante de acharem que elas é que trabalham muito, sempre infinitamente mais do que os outros»
O que os outros fazem não nos pesa a nós, por isso, admite-se que estejamos todos sujeitos a ter a tendência de fazer este tipo de avaliação irritante.
Mas quem perde mais tempo a avaliar que a trabalhar..., lá está!
Sabes o que é que são cruzes que temos que carregar? Às vezes lá nos calha um colega que é mais uma cruz para nos pesar e que temos que aturar.

Rita F. disse...

Essa da cruz é uma expressão muito boa! Pois é, tens razão. É saber carregar a cruz.