quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Ave Caesar, moriture te salutant

Ser um mau artista (mau actor, mau escritor, mau pintor) deve ser terrível. O confronto com a própria mediocridade deve ser um espelho crudelíssimo. Nem sei como isso se aguenta.
A arte é uma coisa muito cruel. A literatura, por exemplo, é uma Minerva de espada à cinta que mata, com o tempo, toda a mediocridadezinha que se atreve a tentar medrar. Acho que era isto que o Harold Bloom queria dizer quando falava da angústia da influência. A obra literária nova sabe que a única alternativa a não entrar no cânone é a morte. Não há, de todo, um meio termo.
No fundo, a nova obra literária é um gladiador que tem de provar o seu mérito lutando com outros gladiadores mais experientes, e que são todo o cânone literário já existente. Quando nasce, a jovem obra literária apenas pode dizer "ave Caesar, moriture te salutant". O César, neste caso, somos nós, os leitores. Se a obra literária for boa, pomos o polegar para cima e o jovem, mas esplêndido, gladiador viverá para sempre. Se for uma porcaria, polegar para baixo, e a pequena obra literária, ainda que sobreviva alguns anos graças ao chamado "hype" que às vezes consegue enganar os leitores, acaba por morrer rápida e indignamente. É que, ainda porcima, é de facto uma morte indigna, porque literatura medíocre serve apenas para, de vez em quando, a ressuscitarmos depois de morta para gozar com ela, como se faz com os romances de cordel do século XIX, daqueles que o Camilo escreveu para ganhar dinheiro. Uma tristeza.
A arte é mesmo um campo de batalha, uma coisa selvagem, uma razia. É de facto, a única coisa na vida de que me consigo lembrar que é alheia ao conceito do Bem. Por exemplo, um livro pode ter as melhores intenções, e contribuir até para melhorar a vida das pessoas, mas isso não quer dizer que seja boa literatura, ou literatura, sequer. O Bem, ou pelo menos o bem comum (pode sempre argumentar-se que a Arte é necessariamente Bem, como o Platão dizia - era o Platão?), pode estar completamente ausente da Arte. E a Arte não deixa de ser menos arte por causa disso.
Que coisa tenebrosa.

2 comentários:

lenor disse...

A arte é como o futebol: há quem pratique, quem jogue, e quem veja. E quem vê é que decide se há-de pagar para ver ou se não: se põe o polegar para cima ou para baixo.
O bom mesmo é praticar: não se ganha nem se perde e divertimo-nos.
Mas quando só quando há dinheiro em jogo é que tudo é emocionante. A verdade é esta.

Rita F. disse...

É giro pensar na arte como no futebol. Eu, por acaso, gosto de ir ao estádio e exercer a prática do polegar para cima e para baixo. Por acaso gosto.
Mas isso do dinheiro deprime-me. Nem sequer gosto de ir a casinos, fico deprimida. Além disso, cheiram mal (os casinos).
:)