quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O amor dos outros

A Edit Piaf tem uma canção que eu adoro, que ouço em repeat até mais não poder, e que se chama Les Amants D'Un Jour. A narradora é uma rapariga que trabalha num hotel em que se alugam quartos baratos, e que limpa os copos ao fundo do café (do hotel, presumo eu), como ela diz logo nos versos iniciais. A canção é a história dos tais amantes por um dia e que esta rapariga recorda, num tom muito melancólico. Num dos versos da canção, diz a narradora que y avait tant de soleil au fond de leurs yeux que ça m'a fait mal, que ça m'a fait mal...
Sempre achei muitíssimo comovente esta subtileza da solidão da narradora, quando confrontada com o sol radioso do amor dos outros. É que, de facto, constantar o afecto alheio é de uma melancolia entristecedora, quase de levar lágrimas ao olhos. Já escrevi antes os lugares-comuns do amor ser tão piroso, e de como é constrangedor ver pombinhos apaixonados, e isto e aquilo. Mas, quando nos deparamos com duas pessoas que parecem gostar uma da outra a sério, a constatação do amor é tão bonita que chega a ser triste. Para mim, é triste principalmente porque nunca acredito e tenho pena das pessoas. Tenho uma pena imensa, ponho-me a olhar para elas e a pensar, "o que será deste casal daqui a dez anos, gordos e feios, a levar os filhos para o centro comercial? Será que se vão lembrar desta tarde de sol, deste jardim, onde foram jovens, felizes, com um futuro que vai desaparecer tão depressa?", e foi exactamente o que pensei uma vez, numa tarde de chuva em Inglaterra (olha a novidade), ia eu para a biblioteca, e passa por mim uma rapariga alta a correr, com uns ténis Converse All Star impecáveis, e se lança nos braços de um tipo também alto e giro. Que lindos que eles eram, os dois. Talvez ainda se mantenham giros, não passou muito tempo desde essa altura. Mas daqui a 15 anos, quem sabe.
Quando vemos casais de uma certa idade, é, por vezes, tão difícil acreditar que também eles passaram pela felicidade pirosa do amor, que também eles palpitaram de emoção ao saber que naquele dia se iam encontrar, que também eles foram iluminados pelo tal "sol" do amor de que fala a canção da Edit Piaf. Há, em certos casais, de uma certa idade, um tédio tão grande, uma solidão que parece tão terrível. A solidão deve ser, de facto, ainda mais terrível quando se está com alguém.
É sempre no centro comercial que eu vejo estas pessoas. Tenho de deixar de ir a centros comerciais, venho de lá sempre com uma depressão monumental, de tanto casal e criança de ar amorfo que por lá pulula.
Eu acho que a piada acaba toda com o casamento. Sinceramente, a minha teoria é esta. Acho que é fácil viver muito amor, muito amor, muito entusiasmo, enquanto formos todos namorados e namoradas. Quando se assina o papel e o estado burguês e confortável do casamento invade a nossa vida, começa verdadeiramente o frango assado ao domingo, o centro comercial, o Seat ibiza, as crianças aos berros, etc. Faz-me muita aflição. Mas talvez esteja errada.
A canção da Edit Piaf acaba mal, os amantes matam-se.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Revolutionary Road, aka Kate & Leo (SPOILERS)


Gostei muito deste filme. Nem devia ter gostado tanto. Assusta-me ligeiramente ter compreendido tão bem o suicídio da personagem principal, mas pronto.
Agora, em relação ao casal Kate Winslet/Leonardo di Caprio, eu devo ser a única pessoa do mundo que acha que eles não funcionam como par romântico, isto porque a Kate parece sempre muito mais velha que o DiCaprio, que tem sempre um inamovível ar de miúdo. Por mais que se esforce, parece um adolescentezito parvo. E já não é de agora. Quando vi o Titanic também achei que estes dois não se entendiam no écrã, ficam esquisitos. A Kate, que é tão bonita, parece uma matrona ao pé dele. Além disso, a historieta do Titanic não convence ninguém, principalmente devido à cena final, em que a Kate está deitada na porta flutuante, para não se afogar, enquanto o Leo lentamente congela no oceano, e ainda por cima sempre a falar com ela, a dizer-lhe doces palavras de consolação, como se fosse ela ali a enregelar. Eu pergunto: mas é isto que faz da Kate & Leo um casal, aparentemente, com tanta "química"? Quer dizer, ela safa-se em cima da porta e o namorado congela? Porque é que não se revezaram? Dez minutos em cima da porta para cada um, à vez. Ou os dois em cima da porta, até à cintura. Iam dando aos pés e até se aqueciam.
A sério que esta cena do Titanic sempre me pareceu muito inverosímil e contribuiu fortemente para que estes dois actores não me convencessem. Assim, ao ver Revolutionary Road, a única coisa de que não gostei foi de ver outra vez a Kate e o Leo juntos, porque acho que deviam ter dado à Kate outro marido, mais sério e enfadonho, menos bonitinho e jovem.
Revolutionary Road merecia um post com menos disparates, mas hoje não vai dar.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

We are beautiful, no matter what they say...

A sério que não sei muito bem o que é "ser bonito". Não vou recorrer ao velho lugar-comum de quem o feio ama, bonito lhe parece, e que a beleza é relativa, e isto e aquilo, embora me pareçam absolutamente verdadeiros. Porém, a beleza, pura e simplesmente, parece-me impossível de determinar. Por exemplo:


Este indivíduo, o Jonathan Rhys-Meyers, que entrou no Velvet Goldmine e no Match Point, será bonito? Não tenho muito a certeza. É perfeitinho, não lhe falta nada, mas há aqui qualquer coisa, uma falta de carisma intrínseco, que o torna feio. Porquê? Não consigo explicar, mas por acaso até acho que deviam fazer deste rapaz um case study, porque, sendo objectivamente bonito, na verdade não é. Que estranho.
E tenho verificado isto com muitas pessoas da chamada "vida real". Pessoas objectivamente bem-parecidas, agradáveis ao olhar, para quem olhamos como quem olha para um quadro a óleo muito bem pintadinho: simetria, equilíbrio, geometria perfeita, harmonia irresistível nas expressões faciais, nos movimentos. Mas depois há ali qualquer coisa que não bate certo, que falha. A beleza perfeita faz-se normalmente acompanhar por uma limpeza asséptica que parece destruir qualquer defeito, e isso não tem piada nenhuma. Acho que o equivalente a pessoas perfeitinhas como este Jonathan é isto:


Este quadro parece bonito, mas na verdade é feio. Tudo aqui bate certo, a luz, os verdinhos, a casinha, todos os inhos são um mimo. Mas, estranhamente, este quadro é, na verdade, feio. Há um qualquer desvio aqui, uma coisa completamente desprovida de carácter, de originalidade, que o torna profundamente feio, embora, objectivamente, o quadro seja bonito. Eu acho que esta característica desprovida de carácter e de originalidade deve-se ao facto de o quadro ser, na verdade, uma grande piroseira. De modo que, e voltando ao que escrevi num post anterior, aquilo que é verdadeiramente bonito está na imperfeição. A perfeição é, na sua maior parte, pirosa.
E isto tanto vale para a pintura como para as pessoas, acho eu.

Apuro-me em lançar, originais e exactos, os meus alexandrinos...


Contaram-me uma vez que Almeida Garrett, esse grande vate do Romantismo que, aliás, introduziu o próprio Romantismo em Portugal, que advogava os arrebatamentos da alma e a inspiração do poeta, deixou caderninhos de rascunho de esquemas e esquemas de rimas (ababcc, aabbcc, etc.), métricas e formas, que depois preenchia com palavras diferentes. Isto é, primeiro decidia-se pela forma, pelo esquema rimático, e só depois é que aparecia a tal inspiração, os tais tormentos de amores, o ignoto deo e tal.
E isto vindo de um poeta romântico. É claro que o poeta como a flauta de Deus, que Shelley descrevia, não poderá nunca ser verdade. Os poetas parecem-me, acima de tudo, humanos, pelo menos os bons poetas. Não estou a falar, obviamente, de poetas de cantina, como aquele rapaz que, uma vez, se sentou ao pé de mim na cantina do liceu e me perguntou se eu gostava de poesia e se conhecia Fernando Pessoa. Eu disse que sim. Ele aproveitou para dizer que, caso eu não soubesse, ele próprio escrevia poemas e as pessoas a quem ele mostrava os poemas diziam que eram muito parecidos com os do Fernando Pessoa. "Às vezes, as pessoas até me dizem que não sabem distinguir!", dizia o rapaz. Pobre Pessoa.
Este rapaz da cantina não era, obviamente, um poeta. Talvez fosse, porém, tocado por Deus. Parecia ter loucura suficiente para isso.
Mas voltando a Garrett. Imagino-o à secretária, de língua de fora, num esforço burguês para acertar com a rima e a métrica, e depois ler o poema finalizado, com um sorriso satisfeito, tal como um alfaiate olha para os ombros perfeitos do casaco que acabou de coser. A diferença é que, no caso de Garrett, o resultado era um poema. Um poema verdadeiro é sempre uma coisa inexplicavelmente estrondosa que, porém, resulta de um conjunto de tarefas, pelos vistos, tão pouco inspiradoras, tão pouco devedoras das musas, com tão pouca glória... talvez resida aqui o mistério da Literatura. É trabalho, como qualquer outro trabalho, mas com resultados gloriosos.
É por isso que sei que não sou escritora (quer dizer, não só por isso, mas principalmente por isso), embora tente permanentemente escrever. Tudo aquilo que escrevo está rigorosamente dependente da inspiração. Quando não tenho inspiração, que é na maior parte dos dias, não consigo escrever. Não sei o que é trabalhar para escrever um conto ou um romance, porque não sei escrever sem essa coisa desconhecida que é "a inspiração". E, até aprender como é que se faz da escrita trabalho, nunca poderei, verdadeiramente, ser "escritora". E eu queria tanto.
Estou bem lixada.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Prova em contrário

O efeito que uma noite em branco tem no ser humano é interessantíssimo. Ontem à noite não dormi um minuto sequer, vítima de uma insónia implacável. Vou passar de imediato à acção e entrar pelo caminho da droga, que me levará, espero eu, com a ajuda de um ou dois comprimiditos, a longas noites de sono descansado, já que a minha natureza o impede.
Mas enfim. Tive, assim, muito tempo para pensar na vida. E chego à conclusão que as pessoas me dizem muito, "olha, Rita, tu devias dar-te mais com as pessoas, não devias pensar tanto mal das pessoas, não devias ser assim tão rabugenta e feia". Um argumento que as pessoas gostam de adicionar a esta elocução tão eloquente (cacofónico) é "olha que maior parte das pessoas é boa pessoa!".
Não duvidando que maior parte das pessoas não será, por falta de oportunidade ou de vontade, um psicopata assassino desvairado, duvido, porém, que a maior parte das pessoas seja efectivamente boa pessoa. Eu, normalmente, e porque sei que eu própria sou má pessoa, parto sempre do princípio que toda a gente também é, até prova em contrário. Infelizmente, raramente me engano e a prova em contrário só chega de longe a longe, se é que chega de todo - as pessoas revelam-se quase todas vaidosas, egocêntricas, falam e não ouvem, olham para o próprio umbigo, lêem pouco, pensam que são o máximo e o poço de toda a sensatez quando não passam de uma poça de ignorância, arrogantes, etc., etc. - podia continuar, mas é demasiadamente deprimente.
No entanto, também é verdade que as pessoas não são de boa índole, mas também não são verdadeiramente "más". Não têm propriamente coração de víbora, digamos assim, apenas coração normal, de ser humano normal, isto é - não são Jesus Cristo, mas também não são o Hitler.
De modo que a pergunta que eu levanto é, o que é, verdadeiramente, uma boa pessoa? É alguém com espírito de missionário, totalmente dedicado aos outros, esquecendo-se de si próprio e, quiçá, da própria família e dos filhos, como o caso de uma senhora que uma vez li no jornal que, insistindo numa gravidez de altíssimo risco que provavelmente a conduziria à morte, escolheu ter o bebé, acabando mesmo por morrer e deixando para trás marido e três filhos ainda pequenos? É alguém que toma conta da sua família, educa os seus filhos, paga impostos mas não levanta nem mais uma palha? São os outros que dão imenso à comunidade em prol do benefício fiscal? São aqueles que, como diz o Marquês de Sade na sua Filosofia de Alcova, praticam o bem apenas para depois se poderem vangloriar disso? O que é, então, uma boa pessoa?
Não deixo de me comover, de alguma forma, com a ingenuidade de algumas más pessoas, convencidas que são muito boas pessoas. Tão cabecinhas no ar e tão cheias da sua própria importância iludida. Também não trazem grande mal ao mundo. E chego, portanto, à conclusão que as pessoas normais são más pessoas por exclusão de partes, e só chegam a boas se forem o Ghandi ou isso. Porém, são as más pessoas que se esforçam verdadeiramente por serem boas pessoas, em toda a sua vulgar normalidade e tragédia, que têm piada. E são essas que, de vez em quando, conseguem a tal prova em contrário. Eu espero um dia também conseguir.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

É verdade que o que se passou, e ainda passa, no Haiti ultrapassa os limites da nossa compreensão.
Mas também não sei o que dizer da constante cobertura mediática que se tem feito, a todas as horas, a fazer render um peixe de misérias, sofrimento, orfandade, desastre. Pergunto-me o que consegue sentir uma pessoa que perdeu tudo para além do razoável, que está no limite de todos os limites, prostrada numa cama de campanha, com uma câmara apontada à cara. Pergunto-me o que pode o resto do mundo sentir.
O resto do mundo pode e deve chocar-se, pode regressar a alguma humanidade primordial, ajudar a AMI; outros, mais audazes, mais nobres, poderão talvez voluntariar-se.
No entanto, há uma fronteira que se traça, invisivelmente, para lá da qual já não vamos fazer nada, a tal humanidade primordial embrutece e passa a amortecer o choque. E a comunicação social, ao que me parece, já a traçou.

Faz-me impressão o trabalho

Eu sei que estou a bater no molhado, e no ceguinho, talvez provavelmente nos dois, ou talvez esteja a chover no ceguinho e a bater no molhado, já não sei, enfim, sei que me repito bastante e que já escrevi sobre isto antes, mas a verdade é que sinto não ter ainda escrito suficientemente sobre as pessoas com aquele hábito irritante de acharem que elas é que trabalham muito, sempre infinitamente mais do que os outros.
A verdade é que estas pessoas não trabalham nada e produzem fel e bílis, quase ódio, contra quem sabe aproveitar o tempo livre por ter uma coisa chamada "vida pessoal". É este conceito de "vida pessoal" que falta a certos indivíduos. E estes mesmos indivíduos gostam de lançar olhares recriminadores a outros que, quando o Verão se aproxima, dizem que o que vão fazer a seguir ao trabalho é ir em busca de umas havaianas giras; os mesmos indivíduos que nos interrompem com longas descrições das obras na casa e dos esgotos entupidos, logo a seguir a perguntar, apenas por delicadeza que não engana ninguém, o que fizemos nas férias, e percebendo rapidamente que o que fizemos foi, felizmente, muito e bom. Quanto mais estes indíviduos falam, mais nós nos vamos apercebendo de que a vida deles não é nada recheada de actividades profissionais importantíssimas, compromissos inadiáveis, responsabilidades imensas que os impedem de gozar a vida. É precisamente o contrário. São facilmente substituíveis no emprego, como aliás quase toda a gente é; serão, talvez, facilmente substituíveis em família, e até facilmente substituíveis para eles próprios, porque não sabem o que hão-de fazer com todo o tempo livre que têm, todo o infindável tempo em que ninguém precisa deles para nada, muito menos eles próprios. São, todos eles, as mãos de um ex-fumador, para ali caídas, sem qualquer precisão ou necessidade. Coitados.
E criam, assim, um mundo fictício onde mal têm tempo para respirar, onde estão sempre ocupados, e todos os outros são irremediavelmente preguiçosos.
É por isso que eu raramente acredito quando as pessoas me dizem que estão muito ocupadas, que estão a passar por uma fase terrível, com uma carga de trabalho aceleradíssima e que não têm tempo para nada. Penso sempre que é exactamente o contrário - não têm nada para fazer, percebem a dimensão da sua inutilidade, assustam-se com isso e começam a inventar, a arranjar desculpas para si próprios, justificações para a sua existência.
É uma tristeza. Eu, por mim, gosto de dias inúteis, gosto de não ter nada para fazer, e gosto de não fazer nada. Somos todos inúteis, e mesmo assim há quem goste de nós, sabe-se lá porquê. A beleza da vida é isto mesmo, a sua deliciosa inutilidade.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Há sempre qualquer coisa que está para acontecer, qualquer coisa que eu devia perceber

Tenho inveja.
Tenho uma inveja desgraçada de quem está na vida sempre descontraído, como se tudo corresse sempre bem.
Tenho inveja porque eu, infelizmente, passo a vida preocupada. Um aperto constante no estômago, uma inquietação permanente, constantes empurrões. Nunca consigo descansar, dormir verdadeiramente. O sono dos justo é algo que eu não conheço, talvez porque já tenha perdido essa oportunidade, talvez porque, como o meu pai diz, eu sou daquelas pessoas que acha que, se as coisas são complicadas, porque é que eu hei-de estar a torná-las simples.
Todos os dias, há uma mão invisível que me empurra numa direcção desconhecida e que me provoca uma ansiedade intrínsica. O que é que vou comer ao jantar. Onde é que vou estar daqui a dez anos. O que devo mudar na minha vida. O que não devo mudar. Enfim.
Infelizmente, esta tal mão invisível parecer completamente desordenada. Não me indica nenhum caminho de jeito, não me dá qualquer orientação. Empurra, desajeitadamente, apenas. Que maçada.
Queria tanto poder descontrair, era só o que eu queria, conseguir descontrair e, já agora, como diz a Kika no final do filme do Almodovar com o mesmo nome, "um bocadinho de orientação". Também não fazia mal nenhum.

Um-do-li-tá...




Que escolha difícil, difícil, difícil...que desgraça, se todas as decisões na vida fossem assim.
Belíssima série, este True Blood.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Para sempre responsável por aquele que cativaste


Tenho alguma dificuldade em perceber o que é a amizade. Consigo senti-la, porque, felizmente, não sou psicopata nem sociopata, acho eu, mas compreender a amizade é algo que efectivamente me escapa.
Uma querida pessoa, daquelas poucas que me são muito próximas, dizia-me noutro dia que não devemos esperar muito dos amigos, ou, pelo menos, não devemos cometer aquele erro comum de esperar tudo dos amigos. Normalmente, queremos que os amigos nos telefonem, nos levem a passear e a tomar café, ouçam os nossos problemas, partilhem da nossa comiseração, rejubilem com o nosso gáudio, riam connosco, chorem connosco, leiam os livros que nós queremos que eles leiam, que nos dêem a nós livros interessantes para ler, que venham connosco ao cinema, que nos reconfortem nas neuras e nos desgostos, que nos tenham em altíssima conta, que venham às compras connosco e aprovem todos os sapatos e camisolas de que gostamos, que nos admirem e que sejam eles próprios admiráveis. Não será muito a exigir de alguém? Com certeza que sim. Dizia-me, então, essa tal querida pessoa que devemos distribuir todos estes encargos por amigos diferentes, de índole diferente. Há amigos que são bons para telefonar, outros para conversar sobre desgostos, outros para conversar sobre alegrias, outros bons para ouvir, outros bons para ficarmos calados, outros bons para viajar, outros para ir jantar fora, outros para ir ao cinema, etc. É muito raro termos daqueles amigos que dão para tudo.
À partida, eu concordaria com esta teoria interessante da economia da amizade e de aplicar o investimento nos sítios certos. Mas a verdade é que esta teoria não funciona. Por estranho (e lamecha) que pareça, um amigo é esta espécie de super-homem ou super-mulher que está na nossa vida para as coisas mais normais e mais bizarras que nos possam acontecer, desde comer um hamburger até a encontros imediatos de terceiro grau. Por isso é que me custa a acreditar, ou a aceitar, neste conceito de amigos não para as ocasiões, mas apenas para certas ocasiões.
No entanto, esta polivalência da amizade, esta versatilidade inesgotável, a quantidade de papéis diferentes que os amigos acumulam, é algo que, para mim, permanece um mistério bem cerrado. Como pode alguém fazer tanta coisa ao mesmo tempo? Já para não falar na semelhança entre a amizade e as relações amorosas - há poucos dias, falava com uma amiga sobre o possibilidade, ou não, de dois amigos poderem "acabar" um com o outro, como se fossem namorados. Nunca se diz "A não-sei-quantas era minha amiga, mas depois acabámos e já não nos falamos", por exemplo. No entanto, a amizade tem rupturas, discussões, ciúmes, tal e qual como aqueles que temos com os nossos namorados.
A vida, e a amizade, são lugares estranhos.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Whatever happened to Kevin Smith

Há casos em que a abundância de dinheiro só prejudica, e a falta dele obriga a esforços criativos que obtêm resultados muito interessantes.
Estou a lembrar-me dos Gato Fedorento na SicRadical, quando apenas tinham dinheiro para o bigode postiço.
Estou fundamentalmente a lembrar-me do realizador Kevin Smith, cujo filme mais mainstream foi provavelmente o Dogma, que é uma grande seca; no entanto, Kevin Smith realizou belíssimas comédias nos seus tempos de independente da Nova Jérsia, tudo de baixo orçamento, mas competentíssimas. A acção passava-se sempre num mundo familiar, de amigos que conheciam outros amigos e que tinham andado todos na mesma escola, uma vidinha pequenina de subúrbio onde as coisas bonitas que os filmes têm a mania de engrandecer, como o amor ou as pequenas desilusões, eram todas vistas de uma forma normal, de rotina. Em suma, apesar de fazer filmes em New Jersey, o universo destes filmes de baixo orçamento eram muito familiares ao comum dos mortais, apesar das personagens e das situações loucas que conviviam com a tal normalidade de subúrbio.
Mallrats, por exemplo, passa-se todo dentro de um centro comercial, assim se demonstrando como Saramago tinha razão ao escrever a sua "Caverna" - de facto, quando se está no centro comercial, o mundo lá fora esbate-se até se apagar por completo. Clerks contava as peripécias de uma estação de serviço e dos indivíduos que lá trabalhavam; Chasing Amy, ao contrário de Mallrats muito elogiado pela crítica, é um filminho adorável em que um muito jovem Ben Affleck se apaixona por uma rapariga lésbica, tendo os dois de gerir a situação com todas as suas alegrias e complicações. Muito menos limpinho que When Harry Met Sally, e quase tão giro.
Porém, agora que os estúdios se renderam ao talento independente, habituado a gerir pouco dinheiro, de Kevin Smith, este último realizou o Dogma e, entre outras coisas, uma coisa também com Ben Affleck, chamada Jersey Girl e que, a julgar pelo trailer, chuif, chuif. Também fez a sequela do Clerks, e por acaso o trailer até está engraçado, mas, sinceramente, tenho medo de ver. Tenho um grande receio que me desiluda tanto que estrague o efeito dos filmes mais antigos (se alguém já viu e quiser deixar uma opinião, mil obrigados).
Da mesma forma que não compra a felicidade, o dinheiro também não compra, nem aumenta, talento, é o que tenho a dizer.



(O que me faz sempre rir neste trailer é a parte final, em que o Jay imita aquela cena do Silêncio dos Inocentes. Sei que não tem especial piada, mas o que posso fazer, se me rio sempre...)

Nota mental: escrever sobre qualquer coisa, escrever sobre qualquer coisa...

Não adianta.
Já comecei dois posts - um era sobre os meus vizinhos, que são um bocado chatos porque têm um cão Milu um bocadinho patético, que ladra de uma forma esganiçada, discutem sempre muito ao fim-de-semana por estarem fechados em casa, e além disso cozinham epicamente, empestando o hall e o elevador de cheiro intenso a carne assada, cebola, peixe frito. Um cheiro indelével. A minha teoria é que, cheios de boas intenções a preparar comida caseira, os vizinhos são incapazes de aguentar tanta trabalheira e perdem a cabeça uns com os outros, de certeza que os filhos adolescentes não ajudam o suficiente, não fazem a cama, não vêm para a mesa, a comida a arrefecer, não levantam a mesa, a cozinha o Domingo todo por limpar, que preguiçosos, caem finalmente o Carmo e a Trindade, que tão precariamente se aguentaram a semana toda, e é o dilúvio de gritos e portas a bater comum a todos os fins-de-semana. A minha sugestão é que os vizinhos fossem comprar um frango assado, que não é caro e resolvia o problema. E sempre saíam um pouco e queimavam a adrenalina que depois dispendem a gritar.
Este post não resultou.
O outro post era sobre as pessoas que precisam tanto de receber elogios que arranjam estratagemas, muito mal disfarçados, para os solicitar, o que é constrangedor, tanto para quem é solicitado como para quem solicita. Por exemplo, no outro dia diziam-me o seguinte "se fosse outra pessoa fazia isto mais depressa, mas eu sou assim, gosto de fazer tudo bem, sou perfeccionista demais, não é, eu sei que é um defeito!, eu sei que é um defeito, mas eu sou assim, sou lenta, se calhar outra pessoa fazia mais depressa, eu sou perfeccionista...", e assim sucessivamente. Um cansaço. Sempre à espera que eu dissesse "não, não, como tu estás a fazer é que está bem! Assim é que é! Outra pessoa fazia à pressa e fazia mal, não, não, tu é que és a melhor". Mas não disse. Por acaso, costumo sempre aceder e dar o tal elogio que as pessoas estão à espera, não me custa, tanto me faz, não acredito em elogios, nunca penso nos elogios que dou, e se as pessoas são felizes assim, tanto melhor. Mas desta vez não dei e foi muito engraçado, porque a conversa morreu ali e eu não tive de mentir.
Este post também não resultou.
Nãotenho conseguido escrever.

sábado, 16 de janeiro de 2010

O grave e terrível drama de deixar crescer o cabelo (aviso: é literalmente sobre isto que se vai falar)

Quem já passou por isso sabe perfeitamente do que estou a falar.
O que se passa é que, tendo decidido há algum tempo cortar o cabelo, desfrutei de mais ou menos um ano de delícias, cabelo curto à Jean Seberg, à Astrid Kirchherr, à Winona Ryder, enfim, diverti-me imenso, apesar de (mais uma vez, quem já passou por isto sabe perfeitamente do que estou a falar) dizer que o cabelo curto é low-maitenance é apenas para quem nunca o usou curto, porque este tipo de corte exige permanentes idas ao cabeleireiro acertar as pontinhas rebeldes que crescem logo em duas semanas. Enfim.
Acontece que, já um bocadinho farta das Jeans Sebergs e das Astrids, que inventaram o corte de cabelo dos Beatles mas pronto, agora estou mais numa de Amelies e Louise Brooks, e portanto decidi deixar crescer o cabelo. Quem já passou por isto sabe perfeitamente do que estou a falar, e sabe que é nada mais nada menos do que: pe-sa-de-lo.
Primeiro, acordar todas as manhãs com as pontas meio crescidas espetadas para todo o lado, em pequenas ondas impossíveis de esticar. Tempo imenso perdido a lavar a cabeça e a esticar cabelos por todo o lado, com o secador no máximo, até estar tudo direitinho. Passo a vida a lavar a cabeça.
Segundo, sair de casa e o parco penteado, que foi o que se conseguiu arranjar, desfaz-se imediatamente, tornando-se o cabelo numa massa desordenada, onde pequenos fios caem para a testa, e outros se levantam indecentemente por trás da orelha. Um desalinho.
Terceiro, olhar para o espelho, pentear com os dedos, pentear com a escova, voltar a pentear, e tudo o que se consegue é, novamente, uma massa desalinhada por onde pequenas pontas, sem ordem nem forma, persistem em despontar. Tipo Lisa Simpson, mas ainda pior.
Quarto, olhar para o espelho e desesperar de tal forma que se quer, e muito, ir à máquina zero.
Eu tenho a convicção de que, quando o cabelo está bem, o dia corre bem. Quando o cabelo está mal, o dia corre mal. Ultimamente, como só tenho maus dias de cabelo, está-me a correr tudo mal, ando sem tino, a tentar fazer coisas e sem conseguir acabar nada. Tudo desorganizado, e a culpa é toda do cabelo, que me faz desatinar.
O pior de tudo ainda é ouvir os comentários caridosos das pessoas - "ah, estás a deixar crescer o cabelo... olha, eu gostava muito quando o usavas curto!", do estilo: "corta mas é essa trunfa, que isso não se pode ver". Pois.
Mas não vou cortar a trunfa, não senhor. Vou persistir, ao menos uma vez na vida, e voltar à Louise Brooks. Em vez disto:


(em si, uma lindíssima foto)

... o meu objectivo é este:


(ainda por cima, e como já aqui afirmei, e como todos os meus amigos podem confirmar, eu sou tal e qual como a Louise, sou igual, igual, igual, e portanto vou ficar exactamente assim).

O que acontece quando se desiste, definitivamente, de ser brilhante


Há alguns dias, eu e a minha amiga Alexandra estávamos a discutir a sorte que ambas temos em ser pessimistas, porque, paradoxalmente, ou talvez não, há muito mais humor no pessimismo do que no optimismo. Não me consigo lembrar de nenhum humorista ou escritor com piada que seja optimista, talvez porque o optimismo não nos deixa esperar grande coisa da vida. Se vai tudo correr bem, independentemente de, está tudo tranquilo. Ora, eu penso que é precisamente no "independentemente de" que reside o grande interesse da vida e do pessimismo. A Alexandra concorda comigo (acho eu).
Bom. Isto para dizer que o meu pessimista preferido de sempre é Woody Allen. Por mais filmes sofríveis que ele faça, eu continuo a gostar dele. Mas devo dizer que este último, "Whatever Works", deixa bastante a desejar. Como seria de esperar, há alguns monólogos interessantes do personagem principal, interpretado por Larry David, e que, à partida, poderiam salvar o filme.
Mas não salvam."Whatever Works" é uma dúzia de personagens a despachar falas, de tal modo que, por vezes, parecem estar a ler do teleponto. O pessimismo negro de Larry David (cuja combinação com Woody Allen, à partida, me pareceu brilhante) não convence ninguém, pior do que isso, nem sequer chega a ter piada - e isto é o pior que Woody Allen poderia ter feito. Chegar ao ponto de fazer filmes que, ainda que repetições medíocres e ad nauseam de filmes anteriores, não têm, pura e simplesmente, piada. Nem Larry David, normalmente tão cínico e cáustico, em teoria o perfeito alter ego de Woody Allen, tem graça.
Há, porém, algo que Larry David diz no filme e que é interessante: "on paper, we're perfect. But life isn't on paper". Tal e qual como este "Whatever Works" - em teoria, uma excelente ideia. Mas a vida não é em teoria. O que não deixa de ser uma pena.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Ave Caesar, moriture te salutant

Ser um mau artista (mau actor, mau escritor, mau pintor) deve ser terrível. O confronto com a própria mediocridade deve ser um espelho crudelíssimo. Nem sei como isso se aguenta.
A arte é uma coisa muito cruel. A literatura, por exemplo, é uma Minerva de espada à cinta que mata, com o tempo, toda a mediocridadezinha que se atreve a tentar medrar. Acho que era isto que o Harold Bloom queria dizer quando falava da angústia da influência. A obra literária nova sabe que a única alternativa a não entrar no cânone é a morte. Não há, de todo, um meio termo.
No fundo, a nova obra literária é um gladiador que tem de provar o seu mérito lutando com outros gladiadores mais experientes, e que são todo o cânone literário já existente. Quando nasce, a jovem obra literária apenas pode dizer "ave Caesar, moriture te salutant". O César, neste caso, somos nós, os leitores. Se a obra literária for boa, pomos o polegar para cima e o jovem, mas esplêndido, gladiador viverá para sempre. Se for uma porcaria, polegar para baixo, e a pequena obra literária, ainda que sobreviva alguns anos graças ao chamado "hype" que às vezes consegue enganar os leitores, acaba por morrer rápida e indignamente. É que, ainda porcima, é de facto uma morte indigna, porque literatura medíocre serve apenas para, de vez em quando, a ressuscitarmos depois de morta para gozar com ela, como se faz com os romances de cordel do século XIX, daqueles que o Camilo escreveu para ganhar dinheiro. Uma tristeza.
A arte é mesmo um campo de batalha, uma coisa selvagem, uma razia. É de facto, a única coisa na vida de que me consigo lembrar que é alheia ao conceito do Bem. Por exemplo, um livro pode ter as melhores intenções, e contribuir até para melhorar a vida das pessoas, mas isso não quer dizer que seja boa literatura, ou literatura, sequer. O Bem, ou pelo menos o bem comum (pode sempre argumentar-se que a Arte é necessariamente Bem, como o Platão dizia - era o Platão?), pode estar completamente ausente da Arte. E a Arte não deixa de ser menos arte por causa disso.
Que coisa tenebrosa.

Gaja que devia fazer o meu estilo mas não faz: Audrey Hepburn


Eh pá, pronto, tudo bem, matem-me, esfolem-me, mas eu não consigo gostar da Audrey Hepburn, mais, não a consigo suportar.
É bonita? É. Linda, até.
É doce e encantadora? É.
Tinha estilo e vestia-se bem? Sem dúvida, melhor do que a princesa Di (que teve um "di-sastre", coitadinha - mil desculpas, a piada de mau gosto foi mais forte do que a minha má pessoa).
É boa actriz? Pois, para mim não é. Acho, até, espantoso como não se fala mais na pouca versatilidade da Audrey como actriz.
O meu problema é que eu vi três filmes com a Audrey Hepburn - My Fair Lady; Sabrina; Breakfast at Tiffany's. Achei-a um desastre em todos. Só na Sabrina é que se safava, mas isso era porque o que o papel exigia somente sorrir e ser encantadora, e isso a Audrey era-o, de facto.
No My Fair Lady, achei-a um erro total de casting (foi, aliás, uma das críticas que se fizeram ao filme na altura, e eu concordo inteiramente). Não convence ninguém com o mau sotaque cockney. É, pura e simplesmente, refinada de mais e não consegue enfiar-se numa personagem de rapariga de rua, quase rufia.
Em Breakfast, pior ainda. A Holly é quase uma mulher perdida, uma aventureira sem rumo, e a Audrey Hepburn, com o bandolim ou o que era, a tocar a lamechiche do Moon River, tem ar de menina de colégio interno a quem as freiras deram meia-hora para ir à janela suspirar, antes de marchar para a cama às 8 da noite. Qual festas malucas, qual dinheiro de tipos da Máfia, qual quê.
Enfim. Como ícone, a Audrey é soberba. Tem um arzinho muito simpático, uma carinha linda de morrer. Na tela, infelizmente, não faz nada o mais estilo. Até me enjoa um bocadinho. Prefiro a outra Hepburn, a Katherine. Para desenjoar.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Morto e enterrado

Há um livro de que gosto muito, The Go-Between, e que começa com uma frase icónica e já muito citada, mas absolutamente verdadeira e sábia:

The past is a foreign country. They do things differently there.

Esta frase parece-me sempre ainda mais verdadeira, sábia e icónica em dias como os de hoje, frios, relativamente tristes, e que incluem emails deste tal passado. O mesmo passado que se diz estar morto e enterrado, e aqui está uma outra frase muitíssimo verdadeira, também - o passado, de facto, morreu e foi enterrado. E nada torna este lugar-comum mais verdadeiro do que o reencontro com pessoas do passado. É penoso perceber que o minúsculo, mas importante, mundo que, um dia, uniu algumas pessoas - amigos, amantes, o que seja - ruiu, acabou, afundou-se e não vai voltar a erguer-se. Pura e simplesmente, desintegrou-se na memória. É ainda mais penoso assistir ao espectáculo encenado pelas pessoas que não percebem isso e querem à força avivar memórias indiferentes, frias, puxar uma brasa que já não existe, que nunca vai voltar a aquecer, que morreu para sempre.
E é também doloroso perceber que esta tristeza que nos preenche ao assistir ao tal espectáculo, à brasa que morreu, às pessoas que ainda se afadigam, pateticamente, de volta de um monte de cinzas mortas, rapidamente dá lugar à indiferença.
Cada vez me convenço mais, a la Woody Allen, e como já escrevi antes, que as memórias são algo que se perde e não algo que se tem.
E, como também já uma vez escrevi, reitero um verso de Leonard Cohen que calha mesmo bem aqui, para terminar tanta melancolia barata - that's all, I don't think of you that often.

domingo, 10 de janeiro de 2010

O meu desejo tardio para o ano novo de 2010 é:

não ter nenhum desejo.

É apenas isto que minha apagada e vil, não tristeza, mas vã glória de mandar, pode alcançar.

Talvez tenha lido Ricardo Reis a mais, ou o ano da sua morte.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Solidao

Le-se n'O Ano da Morte de Ricardo Reis a seguinte clarividencia:

"a solidao nao "e" viver so, a solidao "e" nao sermos capazes de fazer companhia a alguem ou a alguma coisa que esta dentro de nos"

(favor colocar os acentos devidos que eu mais nao posso, obrigada)

Esta observacao esta muitissimo bem vista (nao fosse ela uma observacao), como alias todo o livro esta muito bem visto ("e" uma obra-prima, verdadeiramente). A solidao, curiosamente, nao "e" o estarmos fisicamente sozinhos, vivermos sozinhos, viver a nossa vida sozinhos. A solidao "e", de facto, o nao sermos capazes de fazer companhia a nos proprios, de nao sabermos o que fazer de nos.
Quando nao somos capazes de nos entreter sozinhos, e a nossa propria companhia se torna um enfado, ai sim, estamos embrenhados numa solidao custosa (o tipo de solidao que leva as pessoas a psiquiatras e, de forma ainda mais grave, a psicologos tipo Eduardo de Sa, que medo).
O estarmos meramente solitarios nao e, de todo, solidao. "E" vivermos com a nossa companhia, que "e" uma boa companhia. Gosto, apoio e dou aval.

(que desespero, a falta de acentos, mil desculpas, nao consigo escrever assim)

Nota final: como a chamada "alma portuguesa", se "e" que ela existe, soube transformar a solidao num elevado sentimento estetico, deixo a bela cancao da grande Amalia, precisamente denominada "Solidao", desta feita com os arrebites jazzisticos dum tipo conhecido que agora o nome nao ocorre, e que sao mesmo de uma pinta insuperavel.

Em 1965

...David Bailey tirou esta fotografia, que vi hoje, aqui. Nao sei porque, mas "e" a foto que mais gosto do John e do Paul (trato-os pelo primeiro nome, tenho muito a-vontade com eles).


Lin-dos.
Que bela fotografia.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Delicadezas portuguesas

Vale muito a pena ler o texto de MEC, "A aventura dos empregados", neste blog. Gosto muito deste blog, tambem (mas nao so) porque gosto muito de tomar cafe em cafes, e nao em casa (nada contra o sofisticado e belo Nespresso, que aprecio, mas um cafe tomado num cafe tem um je ne sais quoi imprescindivel).
A seguir com atencao (o blog e os cafes), e o que recomendo.

Relatividades

Volto a nao ter acentos no teclado. O que me faz sentir estrangeira em terra estrangeira e (este "e" leva acento) verdadeiramente o teclado, que nao me permite escrever a minha lingua com alguma dignidade.
Falar noutra lingua (leia-se, em ingles) e-me um tanto ou quanto indiferente. Estou habituada ao ingles, que se foi tornando, ao longo da vida, talvez mais intimo do que o portugues. Mas a escrita e (volta a levar acento) algo de muito diferente. Escrever em portugues faz muito mais sentido do que em ingles (a unica lingua estrangeira que me "e" quase tao proxima como o portugues). Escrever em ingles nao faz sentido nenhum, "e" uma escrita fria, quase cientifica. Tem muito pouco coracao.
Isto para dizer que o mundo dos transportes publicos "e" algo de fascinante. Se em Portugal escuto uma senhora ao telemovel a falar do filho que nao pode casar com a malandra da namorada, em Londres mal consigo discernir tres adolescentes oxigenadas e de unhaca comprida e pintalgada, a falar atabalhoadamente e muitissimo depressa, uma delas relativamente agastada porque uma colega da escola, aparentemente uma dickhead, a tinha tentado esfaquear na perna. Porem, e felizmente, o esforco fora em vao, ja que a adolescente, que agora se sentava com relativo conforto no autocarro, se tinha virado para ela e perguntado "what the fuck are you doing". Ao que parece, suficiente para que a outra desistisse da punhalada.
Jardim "a" beira mar plantado e tal.