-Então, como é que te chamas? (tratou-me por tu, que falta de chá... e nem uma cadeira para eu me sentar).
- Rita.
- Ok, Rita. O que é que sabes fazer?
- Eu... assim de repente, bem... aaah....
- Então vens a uma coisa destas e não sabes fazer nada?!
- Sei, sei! Eu sei fazer muita coisa...
- Como por exemplo... - disse o homem alto e magro, parecendo muito enfadado. Reclinou-se na cadeira e olhou para mim, com os braços atrás das costas.
- Sei ler, sei escrever...
- Bom, olha, isso não me parece assim nada de especial... como tu temos nós muita gente lá fora, à espera de vir aqui. Então vá, já que estás aqui, tens alguma coisa que nos possas mostrar? - perguntou-me o gordo, novamente.
- Bom, eu por acaso trouxe um texto que eu escrevi e...
- Então vá, anda. Despacha-te. Toca a andar - o gordo, outra vez.
Comecei:
-"Era uma vez uma menina que não tinha pernas para andar. Quer dizer, pernas tinha, mas não no sentido metafórico do termo; por mais que a menina fizesse, não ia a lado nenhum. Quer dizer, ir, até ia, mas não no sentido metafórico do termo - não progredia na vida. A menina não conseguia explicar porquê, ela que até sabia falar inglês e tudo. Uma vez, a menina que não tinha pernas para andar decidiu pedir empréstimo ao banco para comprar uma muleta. O empréstimo foi-lhe concedido, mas apenas por muitos e muitos anos - quando acabasse de o pagar, já seria uma velhota. A menina comprou a muleta e, durante os anos que a muleta durou, conseguiu avançar mais ligeiramente na vida, mas quando a muleta se partiu, a menina ficou exactamente onde estava, não foi a mais lado nenhum, e ainda por cima passou a vida toda a pagar ao banco. As coisas não lhe correram lá muito bem. Fim"
Li de um fôlego e depois olhei para o júri que, por sua vez, se entreolhava, encolhia e tentava abafar o riso.
- Olha, querida, isso deve ser a coisa mais ridícula que eu já ouvi - disse a mulher, falando pela primeira vez. E tinha um ar tão simpático, apesar de tudo... - ... previsível, coloquial, pouco imaginativo...muito mau. És mesmo muito má. As verdades são para serem ditas, desculpa lá.
- Ó Rita, não vai dar, pá. - afirmou categoricamente o gordo, cada vez mais bonacheirão. - Por mim é não.
- Por mim também é não - acrescentou logo a mulher.
O homem magro olhou para mim, com um ar sarcástico e arrogante:
- Em casos como este, quem desempata sou eu.
Olhei para ele, em expectativa.
- E a resposta é... - continuou o magro, cada vez mais horrivelmente sarcástico. - ... a resposta é.... não.
Fiquei a olhar, especada, feita parva.
- Não é não. Agora vai-te embora, que temos muita gente à espera e não podemos ficar aqui o dia todo a olhar para ti - o gordo até tinha bochechas rosadas e tudo. Parecia da quinta do Tio Manel.
- E nunca te esqueças que a formação em todas as áreas do saber é muito importante, porque hoje em dia ler e escrever não chega, e ... - a mulher do meio começou com um grande discurso, mas eu não estive para a ouvir. Dei meia volta e fui-me embora.
E foi assim que a vida me despediu.
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