segunda-feira, 12 de outubro de 2009

As viagens de Kant


Uma das coisas irritantes do chamado "processo de socialização", ou "processo civilizacional", Bom Selvagem, Norbert Elias e isso, é termos de morder a língua quando alguém diz uma coisa tão estúpida que dá vontade de rir ou, quando somos más pessoas e quiçá violentas, como eu, de lhes bater.
Dizia uma pessoa que conheço mas com quem não tenho, felizmente, de manter uma relação de amizade, que a vantagem de quem provém de um país grande é que o pensamento também se torna grande. Desta forma assim automática.
É verdade que uma das coisas que me atrai em países como os Estados Unidos, por exemplo, é a concepção de espaço que lá se deve ter, uma coisa imensa, a perder de vista, um fôlego maior. Gostava de saber qual a sensação de poder pegar no carro e conduzir centenas de quilómetros por dia, ver milhentas coisas e paisagens diferentes e respirar atmosferas diferentes num território que pertence sempre ao mesmo país. Basta, até, ir a Espanha, para perceber que a forma como conceptualizamos o espaço pode, efectivamente, ser bastante distinta dependendo do país onde crescemos. E, de facto, nos EUA tudo parece em ponto grande, os carros, os arranha-céus, até a comida. Talvez isso advenha do espaço imenso a que estão habituados.
Mas dizer que pensar em grande é predicado de quem vem de um país grande é absurdo. Aliás, o que é de facto impressionante em certos indivíduos é a grandeza do seu génio, independentemente da pequenez do seu país, da sua cidade, da sua casa. Não era na cidade do Kant que as pessoas acertavam o relógio de cada vez que ele regressava da universidade, tão regular, pequenina e certinha era a sua rotina? Kant nunca viajou muito. Mas isso nunca impediu o seu génio de, como dizia Fernando Pessoa, viajar e perder países - apenas não o fez fisicamente.
Poder estar fisicamente presente noutros países e noutras culturas é um privilégio. Mas viajar verdadeiramente, viajam as mentes grandes. Mesmo que nunca saiam do seu país.
E era isto que eu gostaria de ter dito à tal pessoa que me bombardeou com a barbaridade que disse, que quem vem de um país grande pensa sempre em grande, mas o tal processo-de-socialização-civilizacional reprimiu os meus instintos violentos e obrigou-me a morder a língua. Tenho de ser menos bem-educada.

2 comentários:

Pôncio Vileda disse...

Pois... mas ainda prefiro o Gauguin.

Rita F. disse...

Esse teve sorte, viajou de todas as formas possíveis. Não se limitou à cabecinha. Mas nem todos têm essa sorte.