sexta-feira, 23 de outubro de 2009

As minhas aventuras na burocracia portuguesa


Fui tirar o chamado cartão de cidadão, aquele super-cartão que é trezentos em um - a partir de agorar, pode concentrar todas as gloriosas burocracias da sua vida num único cartão! Não compre carteiras anafadas com divisórias para muitos cartões, que tem de enfiar no bolso e depois faz figura de parvo com o bolso a rebentar pelas costuras - isso é coisa do passado. Compre apenas uma prática e pequenina carteira para levar o seu único cartão, o único cartão de que alguma vez vai precisar, o Cartão do Cidadão - o cartão que é prático como você.
Era nisto que eu estava a pensar quando fui tirar o tal cartão. Estava delirante. Cheguei à pomposa "Conservatório do Registo Civil" e tirei uma senha toda profissional, que dizia cartão de cidadão - pedido (não levantamente/cancelamento, outra das opções). Fui para uma maquineta automática e absolutamente pós-moderna, onde:
1- me mediram (e, com grande pena minha, descontaram logo os centímetros extra dos saltos, embora eu tivesse pedido para não alterar nada)
2- me pesaram e viram se eu estava em período fértil
3- fizeram um scan à pupila
4 - tiraram, sem me sujar os dedos, as impressões digitais dos dois dedos indicadores
5 - digitalizaram a minha assinatura
6 - apontaram se eu era canhota ou não, porque se fosse teria de ir para uma "sala especial".
(destes pontos, apenas três estão correctos. Eu não saberia dizer, mas agora que já pedi o cartão, posso afirmar que apenas os pontos 1, 4 e 5 estão correctos. ).
Acontece que eu vou viajar no Natal. Acontece que a parva da easyjet, que é normalmente a minha opção em termos de transportadores aéreas, agora pede, para se fazer a reserva, não só número do BI, mas também validade do mesmo BI, facto que apenas poderei saber quando tiver o cartão, de onde se depreende que preciso do cartão em minha posse para poder fazer a reserva quanto antes para depois não pagar balúrdios pelo bilhete. De modo que disse à senhora que queria pedir o super-cartão com urgência, já a pensar que ia ter de pagar mil taxas e sobretaxas extra, mas pronto.
- Não - foi a resposta.
Não se pode pedir o super-cartão com urgência, tem de se esperar um período no mínimo de 15 dias, "dizem eles", segundo me informou a funcionária.
- Então e qual é o período máximo? - perguntei eu, numa lógica, que me parece acertada, de que se há um período mínimo, também haverá um máximo.
- Ah, máximo não há.
- Porquê?
- Porque isto passa por vários serviços e nós não podemos estar a assegurar nada. Se atrasar nas Finanças, ou na Segurança Social, não sabemos quando vem. Por exemplo, tivemos um cartão que demorou uma semana e outro que desde Agosto ainda não veio.
- Desde Agosto? Então a pessoa pode estar desde Agosto sem BI?!
- Pode. Nós não conseguimos dizer.
- Mas o que lhe estou a perguntar é se há um período médio durante o qual se verifica que a maioria dos cartões costuma chegar.
- O período médio, eles dizem que é 15 dias.
Tive de me rir. Acabava de constatar que me tinha encetado um diálogo com esta espécime de quem ouvimos falar nos jornais designada por "burocrata" e que, consequentemente, o meu problema não seria resolvido. Haveria, sim, a possibilidade de um BI provisório no Areeiro, levando este e aquele papel, e mais outra maningância qualquer.
Por mim, vou tirar o passaporte, que parece que demora uma semana, mas é.
E alegremente aguardo o super-cartão, super cómodo e fácil e prático e leve na carteira, trezentas informações todas concentradas numa só, enquanto ele, o cartão, inicia o seu, certamente vagaroso, percurso pelas seguranças sociais, e depois passa para as finanças, e depois para hospitais e centros de saúde, quem sabe até pelas rodoviárias nacionais e TAPs deste país, até entrar, com toda a pompa, em minha posse.

Sem comentários: