quinta-feira, 2 de junho de 2011

Gostava de ser canalizadora

Descobri que o neto do James Joyce é canalizador e foi há pouco tempo arranjar umas torneiras a casa de uns amigos meus. Parece que dantes era professor de Inglês, mas compreensivelmente desiludiu-se com a profissão e decidiu que seria bem mais feliz a arranjar canos. E parece que sim, que é mais feliz.
Noutro dia, ouvi falar de um académico que decidiu deixar a vida na universidade, que não o levava a lado nenhum sem ser a preocupações com publicação de artigo indiferente atrás de artigo indiferente, para ser piloto de aviões. Também parece que é mais feliz. 
Uma amiga minha vai casar-se com um indivíduo que também foi professor e, a certa altura, decidiu largar tudo para ganhar a vida a construir casas em árvores, como aquela do Bart Simpson, mas bem mais bonitas. É imensamente mais feliz. 
Quando falava destes casos num jantar de amigos, houve alguém que se pôs a dizer, "ah, é uma visão da vida muito romântica, é como aquela história daquele tal que decidiu tornar-se sem-abrigo e faz mais dinheiro a pedir esmola do que num emprego normal, e portanto acha que compensa". As pessoas vêm logo com a história do sem-abrigo quando ouvem falar de gente que consegue fazer algo mais com a vida do que perder tempo em empregos que não levam a lado nenhum.
Não acho que haja qualquer romantismo na vida errante de um vagabundo. O On the Road do Kerouac não é muito romântico; o Down and Out in Paris and in London do Orwell é terrível. Não é possível ter de pedir esmola e ser livre ou feliz, penso eu. Custa-me aceitar que há quem peça esmola porque o escolheu - não me parece plausível. Parece-me, no entanto, plausível escolher outros caminhos, independentes e afastados das convenções sociais. Eu, por exemplo, se fosse neta do James Joyce, nunca teria tido coragem para me tornar canalizadora, com receio dos olhares de desdenho ou pena que me lançariam - ah, coitada, neta de quem é e não consegue melhor. Mas o que é isto do "melhor"? É dinheiro? É a aprovação dos outros (dos outros quem?)? Ou é sentirmos que, de uma forma ou de outra, a nossa vida alcançou, finalmente, alguma coerência?
Como eu sou uma pessoa que, à semelhança do meu semelhante, dependo do olhar que os outros lançam sobre mim, talvez nunca me consiga tornar canalizadora. Com grande pena minha. Mas, bolas, há que admirar quem o faz. O James Joyce está, com certeza, orgulhoso.

3 comentários:

Beatrix Kiddo disse...

gostei

e a Dree Hemingway, que surpresa das surpresas...e modelo!

Rita F. disse...

E que bonita que ela é.

mm disse...

Sobre mendigos que quiseram ser mendigos aconselho vivamente o "mendigos e Altivos" do Albert Cossery, editado pela Antígona.