terça-feira, 28 de junho de 2011

Admirável mundo "aplicado"

Há um novo "app", muito revolucionário e isso, que é a Waste Land ( não Wasteland) com tudo o que se possa imaginar: notas, comentários, três pessoas diferentes a lerem o poema, até as notas originais de Ezra Pound, "il miglior fabbro". A imprensa anglo'saxónica toda comentou isto, procurem se assim o entenderem, mas não vale a pena estar eu aqui a pôr os links. Continuando. Discute-se a maravilha deste "app", ah, ajuda tanto a compreender o texto, ah, ajuda o leitor a mergulhar nas profundezas do poema, que as tem; eu diria até, no caso de Waste Land, mais do que profundezas são entranhas, e assim e assado. E discute-se também (a minha fonte é o Times, mas o Guardian diz a mesma coisa; mais uma vez, por favor procurem se tiverem paciência e interesse) o futuro do "pbook", que eu aprendi ser "physical book", versus "ebook", tão mais avançado e cheio de potencialidades. Resta dizer que este app também inclui um pequeno pormenor, que é o poema Waste Land propriamente dito. Uma coisinha de nada.
O livro físico e as editoras poderão ver o seu futuro dificultado - menos gente a comprar "pbooks", mais leitores interessados nas potencialidades dos apps e hiperligações e quejandos, fundamentalmente mais autores que se auto-publicam e põem o texto à venda nos kindles ou coisa que o valha, tornando as velhas editoras e os livros físicos absolutamente redundantes. Diz o Times que o que poderá safar as editoras é apenas e só o peso da autoridade, porque na net eu não tenho o selo de qualidade que vem incluído no preço de um Faber&Faber, Penguin, Pergaminho Editora, Oficina do Livro (estes dois últimos são a brincar).
Não tendo iphone nem ipad nem outra qualquer "tablete", nem kindle nem blackberry, limitando-me ao velhinho telemóvel normalíssimo que faz e recebe chamadas, não posso avaliar a maravilha que é este app da Waste Land; acredito que trabalhe muito bem e seja fascinante, oferecendo efectivamente hipóteses de explorar o texto a quem estiver interessado nisso. E quem estiver interessado nisso tem de, primeiro, ler o texto. Ler. Essa actividade tão primordial e imemorial e da idade da pedra. Não partilhei do entusiasmo com que o Times falava deste "app" não porque não tenho tabletes ou iphones ou quejandos, mas sim porque estes impulsos galvanizados com que abraçamos as novas tecnologias tendem, por vezes, a esquecer que a base, a basezinha, é anciã, imutável, pouco avançada quando comparada com o admirável mundo novo dos "apps". A basezinha é saber ler, e isto é já dizer muito '- saber ler a Waste Land é dificílimo, e a quem não souber ler este poema pouco servirá, direi eu, as notas do "miglior fabbro". Não que a aplicação não seja fascinante - com certeza que é, e tem uma coisa importante, que é a possibilidade de ouvir Waste Land. Acho que resultará em cheio, porque é um poema que se percebe melhor dito (pelo menos, determinados excertos funcionam bem melhor recitados, com diferentes vozes e sotaques). Mas, em última instância, quem explorará este "app", ou "apps" similares, será quem já estará motivado para isso - quem já "leu" o texto. E, para quem já leu o texto, este app da Waste Land será com certeza um enorme divertimento, mas não traz nada de novo. Quem não leu, também não vai querer saber. Digo eu, sem ter tido acesso nenhum à aplicação.
Termino com o que estou a tentar dizer desde o início deste post, que raio, nunca consigo ser sucinta: o que traz algo de novo é ler. Nenhuma aplicação do mundo ensina a ler, e duvido que consiga, até, mudar radicalmente o acto de ler. Poderá acentuar o entretenimento da leitura, mas de resto duvido que transforme as coisas de forma fundamental. Ler, algo que a humanidade faz há alguns milhares de anos, isso sim. Isso transforma. O resto são apenas pormenores.

(Pronto, segue um videozito abaixo a explicar a maravilha. Seduz, lá isso é verdade).


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