domingo, 12 de junho de 2011

O dilema dos Habsburgo

Em Language and Solitude, o pensador Ernest Gellner descreve o "dilema dos Habsburgo" como o princípio que estabelece que qualquer cultura ou civilização é tanto mais defendida pelas pessoas quanto mais perdida está no tempo. Peço desculpa pela frase enxovalhada - não me estou a fazer entender. Por exemplo, olhamos com reverência para as pirâmides do Egipto porque o esplendor da civilização egípcia já morreu. Os excessos fashionistas da Maria Antonieta (não aquela frase do "então que comam bolinhos", porque parece que nunca a proferiu) são encarados com doçura e graça porque a desgraçada também já morreu, e o mesmo se aplicará aos Romanov ou aos Habsburgo - daí o dilema dos Habsburgo. 
Tudo o que já não conseguimos recuperar, tendemos a querer mais e mais e mais, ou pelo menos a catapultar imediatamente para um imponente pedestal. Há pessoas que dizem que não vivem no passado, que só pensam é no futuro, mas isso é um tanto ou quanto impossível. Vivemos todos no passado, e daí o sorriso melado que nos assoma aos lábios quando ouvimos falar do Dartacão, da música do Pó de Arroz, do Milo, das bolas de berlim com creme na praia, e em geral tudo o que o Nuno Markl inclui naquele livro tão giro da Caderneta de Cromos. Gosto muito deste livro, mas nunca ninguém me ofereceu e eu também nunca comprei. Que pena. 
D. Duarte, nos belíssimos textos que escreveu, compilados no Leal Conselheiro, fala das "saudades do que não se cumpriu" - aqueles momentos do passado em que quase que poderia ser, quase conseguimos, e que de repente se avolumam e passam a significar tanto na nossa vida, como os Habsburgo que nunca mais voltarão (por acaso, nunca simpatizei muito com os Habsburgo, mas agora não interessa). E diz ele, o querido D. Duarte: 

E porque sobresta lembrança, que traz suydade, muitos encorrem em pecado, e desordenança da voontade, lembrandolhes por vista dhomees e molheres casadas, cantygas, cheiros, algumas pessoas com que ouveram algumas folganças quaaes não devyam, e por ello lhes vem o desejo de voltar a tal estado e conversaçom, nom havendo arrependimento do mal que fezerom, mas ham desprazer do que nom compryram. 

Desprazer do que não cumprimos. Custa carregar este fardo, caraças.

2 comentários:

josépacheco disse...

extarordinário post, apesar do estremecimento que nos faz sentir, perante o fardo que nos faz olhar de frente...

zozô disse...

:) Muito bom.