sexta-feira, 24 de junho de 2011

Vergonha envergonhada

A nossa atitude face à pobreza e às divisões sociais dependem muito do sítio onde vivemos. Em Portugal, toda a gente tem vergonha de ser pobre, insiste-se nesta ideia de que não há classe social porque somos todos classe média, e passamos a vida a tentar esconder alegremente (nos dias que correm, não tão alegremente) a falta de opulência na conta bancária.
Em Inglaterra, a vergonha face à pobreza não grassa como em Portugal. Não quer dizer que não haja, claro, mas enfim, quem é pobre, é pobre, pronto. Basta ver televisão no Reino Unido para nos apercerbermos disto. As telenovelas são sempre acerca de pessoas, se não pobres, pelo menos da chamada "working class"; há até uma série muito popular e gira, Shameless, em que as personagens são todas pobretanas, e não se faz disso nenhuma tragédia. Curiosamente, a mesma série foi recentemente adaptada aos Estados Unidos, com o William H. Macy no papel principal, e as diferenças são óbvias - tudo muito mais polido, mais limpinho, mais decente. Nada da pobreza esquálida da série inglesa, que mesmo assim dá para transformar em comédia. A crítica no Guardian até se queixava de que os dentes dos actores da série americana são bons demais, e que logo aí a série falha, acrescentando-se:
Não se está aqui a falar apenas de dinheiro, de ter muito ou pouco do dito. Há diferenças culturais e de estilos de vida muito marcadas. Até mais ou menos aos anos 80, no Reino Unido, ser working class era motivo de orgulho, era  uma vida que presumia determinados valores culturais diferentes da "middle class" e, obviamente, da "upper class". Agora, com o fenómeno do crédito e do centro comercial como catedral, penso que as coisas mudaram, mas de qualquer modo, não há em Inglaterra (falo neste país porque é o exemplo que eu conheço melhor) o desejo desesperado que em Portugal temos de esconder dificuldades, de embarcar em carros, férias no estrangeiro, roupa, sapatos, malas, ski, nordeste brasileiro, acima de tudo carros, acho eu. Não que eu tenha algo contra gastar dinheiro. Mas gastar dinheiro apenas para se provar alguma coisa, desesperadamente, faz alguma impressão.
Tristemente, estes tempos de crise vieram desmascarar todas as nossas ilusões. E tenho pena, a sério que tenho. 

2 comentários:

RBM disse...

Esqueceste-te dos telemóveis. Fora isso, impecável.

Rita F. disse...

Ah, pois é! Telemóveis! Toda a gente em Portugal decidiu comprar um iphone, pelo que consigo observar.
Impressionante.