domingo, 12 de dezembro de 2010

Eu sou eu, não sou o outro e também não me agrada o intermédio

Não me importo muito com isto do individualismo. Até gosto bastante. As pessoas queixam-se, ah, vivemos numa sociedade tão individualista, mas na verdade o que devem querer dizer é egoísta, que é uma coisa diferente; o individualismo não é nada mau, até é bastante positivo, foi aquilo que nos deu os Direitos do Homem, os direitos humanos em geral, talvez até os controversos direitos naturais, foi aquilo que os Românticos advogaram, o Eu em todo o lado, reflectido por todo o lado, isto para não falar do querido Kierkegaard e da verdade que está no indivíduo, e enfim, uma série de name-droppings giros que a pessoa podia estar para aqui a enumerar para reforçar, e até dignificar, a questão do individualismo, mas penso que isto chega.
 Lembrei-me disto devido ao Zelig, filme do Woody Allen que vi há pouco tempo (atenção: SPOILERS), em que a personagem Leonard Zelig quer de tal modo agradar aos outros que se transforma naquilo que eles são - se fala com um médico, comporta-se como um médico, se fala com um chinês, transforma-se lentamente em chinês, se fala com uma pessoa gorda, ganha peso, e assim por diante. Passa a vida nisto, até que uma psiquiatra empenhada o consegue curar tão eficazmente que a emenda é pior que o soneto, como se diz, e Zelig passa a não admitir que discordem dele nem por um minuto, chegando até a agredir quem lhe diz que está bom tempo quando ele, Zelig, considera que não está.
E mais uma vez se verifica que Woody Allen tem muita razão - o que é isto de se ser "um indivíduo", quando é inevitável vivermos rodeados por pessoas e termos de lhes agradar? E não vale a pena pensar que somos independentes, que fazemos o que queremos, que quem não gosta paciência, porque a verdade é que é impossível viver sem ceder, sem fazer com que gostem de nós - não se trata apenas de evitar conflitos; há alturas em que queremos, ou precisamos absolutamente, de agradar aos outros. É uma imposição, uma terrível exigência, da chamada "sociedade".
Acho que o Kant explicava isto (pois é, eu disse que este post era só name-dropping pretensioso, portanto) com aquela metáfora das árvores, que para crescer têm de crescer direitinhas, no seu pequeno espaço, mas ao mesmo tempo têm de respeitar o espaço uma das outras, porque se quiserem interferir no espaço  alheio crescem todas tortas, com os ramos todos entrelaçados e é uma confusão. Sinceramente, não sei se é bem isto que o Kant diz, mas é assim que me lembro. No fundo, é tudo uma questão de encontrar equilíbrio, equilíbrio esse que se aplica tanto ao Zelig, como às árvores, como a mim, que é o que interessa aqui, já que é este um post individualista, e em geral um blog individualista também. E isto do equilibrio entre o chamado individualismo, que me apraz, e a sociedade, que já não me apraz assim tanto no sentido que implica a gente andar a pensar noutras coisas que aborrecem, é muito mais complicado do que se possa pensar. Zelig, por exemplo, deixou de ser um réptil subserviente para se tornar uma pessoa, pensava ele, de grande personalidade, de tal modo que não conseguia, a certa altura, estar ao pé de ninguém.
Não tenho conclusão nenhuma para isto. É a tal questão de o inferno serem os outros, com a qual concordo em geral, e também a outra questão de não podermos viver com os outros nem sem eles. E pronto, à luz desta problemática andamos nós todos os dias a tentar acertar nas manobras como num tabuleiro de xadrez, tentando, a todo o momento, não meter a pata na poça e ser, sei lá, e porque é Natal, um bocadinho mais felizes.

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