terça-feira, 29 de setembro de 2009

Conhece o teu inimigo

Hoje, vinha no carro a ouvir a versão de Abandono do Projecto Amália Hoje, e vinha também a pensar em várias coisas, desencadeadas principalmente pelo refrão (por teu livre pensamento, foram-te longe encerrar, tão longe que o meu lamento não te consegue alcançar - é um poema de estarrecer). Enfim, vinha a pensar na opressão, na ditadura e em inimigos e no facto de que ter um inimigo não é algo que se deseje, mas o que se pode desejar, sim, é conhecer o rosto do nosso inimigo, no caso de o termos. E é impossível não termos inimigos na vida, infelizmente - na geração anterior à minha, seria provavelmente a ditadura. As ditaduras são indefensáveis, e nunca me passaria pela cabeça escrever o que quer que fosse a favor de de um autoritarismo ditatorial mas, no entanto, quem lutava contra a ditadura lutava contra um rosto definido e bem conhecido, um alvo identificável. A minha geração tem dezenas de inimigos, todos eles sem rosto, todos eles mais escondidos e vagos, e portanto mais difíceis de atingir. O desemprego será, talvez, um dos mais claros inimigos das pessoas da minha idade, e das mais novas também. Porém, escondem-se por trás do desemprego uma série de inimigos, esses sim absolutamente ocultos e disseminados por todo o lado, de tal forma que é difícil lutar contra eles. Por exemplo, se eu um dia ficar desempregada, não duvido que haja imediatamente alguém que não só me diga que a culpa é inteiramente minha, como me apelide de preguiçosa e "subsídio-dependente" se tiver de recorrer ao subsídio de desemprego. Para certas pessoas, os responsáveis pelo desemprego são sempre os próprios desempregados, que, portanto, são os seus próprios inimigos e o caso morre ali, não havendo necessidade de se ir à procurar de restantes culpados.
Deixemos, porém, estes complicados raciocínios. Será talvez mais fácil concentrarmo-nos nos poucos inimigos aos quais conseguimos atribuir um rosto, uma identificação. Ao ler notícias escabrosas como esta, restam-me poucas dúvidas sobre a identidade desses inimigos. E, ao constatar o "pacote de medidas" implementadas para resolver a questão dos suicídios, as minhas dúvidas dissipam-se ainda mais.
E o meu lamento não pode, de facto, alcançar nada.


Sem comentários: