terça-feira, 15 de setembro de 2009

A importância da pastilha Gorila


As maravilhosas férias de Verão, maravilhosas sobretudo por serem férias, e que já acabaram, embora eu não esteja minimamente preparada para outro ano de trabalho devido a uma preguiça intrínseca, deram-me um tempo precioso para me embrenhar em alguma da literatura norte-americana que queria pôr em dia, nomeadamente sulista; infelizmente, e porque o tempo não é infinito e porque fiz outras coisas nas férias além de ler, só me embrenhei até aos joelhos e não da cabeça aos pés, mas enfim, embrenhar-me até aos joelhos rendeu o suficiente para ler Truman Capote (magnífico primeiro romance, sobre o qual escrevi abaixo) e, fundamental e finalmente, O Som e a Fúria, de William Faulkner.
É impossível não admirar este livro. É também impossível não o considerar dificílimo de ler, pelo menos quando o lemos pela primeira vez. As primeiras narrativas são um teste à capacidade do leitor de conseguir agregar narrativas e torná-las discursos inteligíveis - e sim, eu já sabia, antes mesmo de começar a ler, que a primeira narrativa provinha do doce e abandonado Benjy, atrasado mental. O que torna, porém, este Som e Fúria magnífico é a forma como recompensa o leitor. Quando a leitura se aprofunda, e toda a história, triste e desiludida, começa finalmente a fazer sentido, é quase uma epifania. É como se nos estivessem a dar uma pastilha Gorila, um chupa-chupa, um Epá, qualquer coisa que comprove e premeie o nosso esforço. E, a partir daí, podemos verdadeiramente apreciar a escrita furiosa.
Gosto de livros que recompensam o leitor. A principal razão de gostar tanto de Lobo Antunes foi, precisamente, a sensação de revelação que sentia ao ler aquela narrativa fragmentada e finalmente chegar ao ponto de agregação total, em que todas as personagens e toda a história começam finalmente a fazer sentido. Cada livro de Lobo Antunes era uma corrida ansiosa para ganhar a pastilha Gorila, e como sabia bem mastigar a pastilha depois de a termos merecido...
Falo de Lobo Antunes porque quem, como eu, o leu antes de ler Faulkner, reconhece imediata e claramente a influência do segundo sobre o primeiro. Faulkner é a matriz a que Lobo Antunes foi beber, o que, aliás, este escritor nunca negou. No entanto, o último livro que li de Lobo, Não Entres Tão Depressa..., não me deu nenhuma pastilha Gorila, o que me entristeceu bastante. Pela primeira vez, senti que a escrita densa, hermética, as personagens isoladas e fechadas em si nunca se abriram e se tornaram claras como a água, como acontecera nos romances anteriores que eu lera. A escrita hermética permaneceu exactamente isso, hermética, um muro à minha frente, e por mais que admire a complexidade da escrita de Lobo, isso não me faz necessariamente gostar de um livro que se recusa a abrir. Ou talvez seja eu que não o saiba abrir.
Enfim. Isto para dizer que, na escrita e na leitura, tal como no jardim infantil, a pastilha Gorila é fundamental.

1 comentário:

Cathy Oh disse...

Se gostaste do Sound and the Fury, recomendo-te o As I Lay Dying também do Faulkner.
Ainda não me iniciei em lides de Lobo Antunes, mas como já li Faulkner... :P

Um Beijinho*