sábado, 26 de setembro de 2009

O absurdo desejo de chorar


Lembro-me, às vezes, talvez muitas, talvez demais, dos doces versos de Cesário e do seu "absurdo desejo de sofrer". Acho que compreendo Cesário, porque sou, às vezes, talvez muitas, talvez demais, assaltada por um absurdo desejo de chorar, motivado sabe-se lá porquê. Uma pessoa solitária, com as calças puxadas até meio da barriga, com um cinto inútil, sozinha, triste e feia, no intervalo de um concerto, que depois sai do espectáculo e caminha vagarosamente pela rua deserta e que, por qualquer razão, parece a encarnação mais irredutível e quase cruel da solidão - é um exemplo.
Ou então um senhor velhote, muito curvado, numa daquelas retrosarias muito antigas, com um sorriso no rosto, a atender as pessoas de calças, chinelos e camisola interior. A gente pensa que entrou na loja e que, por qualquer razão estranha e inaudita, o surpreendemos a vestir-se, mas não, é mesmo assim, é aquela a roupa que ele usa. E, na montra, há toalhas e peúgas e pijamas de homem de corte antiquado, que ostentam pequenos cartões que informam "Êste pijama é para quem pesar mais de 66 quilos" e "côr da moda. muito bonita." (a cor um beje chumbo, a lembrar hospital), e entretanto aos pés do pijama estão cintas e cuecas de senhora, umas às bolinhas de várias cores, e há outro cartãozinho, numa letra muito desenhada à menino de escola, que diz: "as cuecas da Mariquinhas, que as usava sempre às pintinhas". E dentro da loja continua o senhor curvado, sorridente, de camisola interior de alças, a dizer que nunca falha um voto, umas eleições. E a distância entre isto e o mundo maquilhado, das luzes artificiais, da boa-educação afectada e cortante dos cortes ingleses e das avenidas parece tão profunda, e os cortes ingleses todos onde vamos fazer compras parecem tão estúpidos.
Ou então é um pequeno gesto, como ir a uma loja comprar um objecto pequenino e insignificante, um lápis talvez, um bloco-notas, daquelas lojas onde se entra por acaso, e a senhora velhota que nos atende, de repente e porque pensa que estamos a olhar para o lado entretidos com qualquer coisa, ajeita com dedos esperançosos, como quem espera resolver um problema rapidamente, a cabeleira na cabeça pequenina, percebendo nós, pela primeira vez, que ela usa peruca, mas que isso não dá vontade de rir. Não dá mesmo vontade nenhuma de rir.
E portanto, de vez em quando, lembro-me de Cesário, e sinto um absurdo desejo de chorar, motivado sabe-se lá porquê.

2 comentários:

Zorze disse...

Peço desde já imensa desculpa por estragar a intensidade poética deste post.
Mas é que às vezes sinto um absurdo desejo de chonar.

Rita F. disse...

:D
Também eu, e tão forte que ele é, o desejo de chonar, e que inconveniente (normalmente, arrasa-me a caminho do trabalho, o desejo de chonar).
Ó Zorze, olha que a minha intenção não era nada criar "intensidade poética". Se é assim que este post está, então está mal escrito, escrevi tudo mal, não era nada disso que queria escrever.
Pronto.