terça-feira, 19 de outubro de 2010

Parasitas

No fim de semana que passou, ouvi na Antena3 uma parte de um programa interessante sobre o DocLisboa, em que Fernando Alvim entrevistava a senhora que escreveu o livro que saiu há pouco tempo sobre António Feio, e o realizador do documentário Os Lisboetas, o Sérgio Trefaut. A certa altura, Fernando Alvim diz qualquer coisa como "os documentários não precisam de subsídio", sendo que isso era uma vantagem que tinham relativamente à ficção. Sérgio Trefaut ficou bastante agastado com isto - disse que aquilo que na verdade subjazia a este tipo de comentários é a velha, triste mentalidade de que tudo o que seja artista é parasita e tem de viver de apoios estatais em vez de andar a trabalhar a sério; que só havia, no mundo, quatro países que conseguiam uma indústria cinematográfica independente dos tais subsídios públicos (EUA, Índia, Egipto e outro de que não me consigo mesmo lembrar); que na Europa, e em geral, não há documentários sem subsídios (ou pensava ele, Fernando Alvim, que o documentarista que seguiu Saramago por 15 países andava a ser sustentado pelo pai e pela mãe, perguntava Sérgio); lá pelo meio, ouvi nitidamente a expressão "atrasado mental", mas não consigo precisar nem garantir se Sérgio Trefaut chamou mesmo isto ao entrevistador, embora perceba inteiramente que tivesse vontade.
Já se sabe que, em tempos de crise, a chamada "cultura" é a primeira a sofrer profundamente, porque em geral as pessoas acham que é supérflua. Também se sabe, curiosamente, que a qualidade de vida das pessoas tem a ver, entre outras coisas, com o acesso que têm a teatro, música, dança, exposições, coisas que sejam aprazíveis, que façam pensar, descontrair, enfim, que nos dêem uma emoção. Se não há meios privados que garantam isto, mecenas ou patrocinadores ou o que seja, então tem de ser o Estado. Não estou a ver outra possibilidade. Percebo que seja contra subsídios para a cultura quem igualmente também acha que as pessoas não precisam verdadeiramente da mesma cultura para viver, e que esta não passa de um luxo que deve estar à disposição apenas daqueles que a podem ou querem pagar. Quem, porém, eventualmente partilhe da opinião de que a vida de qualquer cidadão não pode ser só reduções de salários, aumentos de IRS, orçamentos de estado aprovados ou chumbados, partidos políticos em espectáculos miseráveis, um parlamento com os pés para a cova e em geral um esfacelamento apagado e vil da democracia em geral, de tal forma que ouvir as notícias se torna algo quase abjecto, enfim, as pessoas que ainda querem alguma qualidade de vida para si e para os outros perceberão, penso eu, que os subsídios estatais serão, talvez, e por enquanto, a única forma de se conseguir que ainda haja filmes para ver, e peças de teatro, e bailados, e coisas assim bonitas em geral.
De modo que gostei bastante de ouvir Sérgio Trefaut e estou com ele e com todos os outros artistas. Não me consigo lembrar de nenhum artista que seja parasita, mas consigo lembrar-me de muitos parasitas que não são artistas, por exemplo. E contra esses ninguém resmunga. Portanto, o Estado deve pagar e calar, quanto a mim, que pago impostos e blá blá blá. 
Fim. 


2 comentários:

Petit Joe disse...

Eu consigo lembrar-me de muitos parasitas que não são artistas. Sem dúvida.
E consigo lembrar-me de muitos parasitas que são artistas.
E consigo lembrar-me também de muitos parasitas que são pseudo-artistas.

Rita F. disse...

É verdade, há parasitas em todo o lado, infelizmente.
Eu é que devo ter tido a sorte de nunca ter conhecido artistas parasitas. Todos os que conheci eram sérios no seu trabalho - o artista é um bom artista, já dizia o Diácono Remédios.
Como disse no post, todos os parasitas que conheci estavam bem longe de ser artistas, mas reconheço que o parasitismo é praga que afecta toda a gente, de todas as profissões. É pena.