No Facebook, há um grupo que pede "o regresso da exibição regular de cinema na RTP2". Já apoiei, sugeri a amigos e assinei a petição. Concordo com o que se diz na mesma - se há um canal público, este não deve ser irresponsável e optar por programação generalista e descuidada só porque todos os outros canais privados o fazem.
Não queria, porém, dar aqui razão àqueles que se insurgem contra o facto de a RTP2 passar programas que só 0,00002% da população vê, e que assim não pode ser, porque é um canal "elitista". Em primeiro lugar, não vejo problema nenhum com o elitismo, e seria até bom que o país em geral fosse menos generalista e menos elitista. Sobre isso já escrevi, não vou repetir. Em segundo lugar, esta mania de que certos programas são para ser vistos por uma percentagem mínima de gente é um bocado ridícula. Qualquer pessoa prefere um programa bom, independentemente de todas as telenovelas e concursos que a TVI se lembre de passar. Não acredito que uma pessoa que comece a ver um filme do Hitchcock, por exemplo, passando depois para uma telenovela, não acabe por se aborrecer e mudar outra vez para o canal que está a dar Hitchcock. É só uma questão de ter ambos os programas igualmente acessíveis, em horário equivalente, com publicidade equivalente.
A ideia de que certas coisas são "difíceis" e não são para todos é perniciosa e mentirosa. Tudo aquilo que é bom é para todos - faz parte do facto de ser bom. O que é mau, pelo contrário, é que não é para todos. É apenas e só para os medíocres. A maior parte das pessoas pode não ser um génio, mas bolas, todos nós somos pelo menos normais. Eu sei bem o que dizem as sondagens, e as sondagens dizem que as pessoas vêem o telejornal da TVI, concursos e telenovelas. Ora, eu não acredito que esta gente toda seja medíocre. É um bocado absurdo pensar-se isso. As pessoas escolhem a televisão que vêem pelo que é mais fácil. Se se tornar o Hitchcock mais fácil (horário nobre, logo a seguir às notícias, por exemplo), as pessoas vêem, porque se divertem mais. Entre os Pássaros e as Tardes de Cocó ou da Júlia ou lá o que é, o que é que qualquer pessoa minimamente inteligente prefere? Os Pássaros, claro.
Ainda que a RTP2 passasse cinema só para os tais 0,00002% da população, eu continuaria a apoiar, porque qualquer canal do Estado tem de ter programas para todo o tipo de cidadãos, minorias ou não, elites ou não. Mas não me parece ser este o caso. Penso que se trata mais de dar às pessoas uma hipótese de escolha mais honesta - ora aqui têm as Tardes de Cocó e a telenovela Xixi na Cara, ou então um Hitchcockzinho, um Woody Allenzito, e assim por diante. Entre dejectos e Woody Allen, eu acho que as pessoas com algum grau de sanidade mental vão mais para o Woody Allen. E não penso que esteja a ser demasiadamente optimista, acho que é mesmo assim.
Portanto, sejamos realistas, exijamos (? que forma verbal esquisita) o impossível, tornemo-lo possível e toca a ter todo o Portugal a ver bom cinema, a horas decentes.
Eu tenho um sonho.
7 comentários:
Mas, mas, as pessoas têm mais escolhas do que ficar em casa a ver televisão! :(
Pois têm, e podem desligar a TV e pronto.
Mas uma vez que as pessoas vêem televisão e gostam de ver televisão, a própria televisão tem de lhes dar boas escolhas, que é para valer a pena.
Eu neste ponto sou de esquerda, concordo contigo e acho que a televisão pública é para garantir alternativa. Eu próprio mal vejo televisão, seja que canal for, mas para os meus impostos, gosto de pensar que pagam algo que o mercado livre não dá. Assim complementava-se tudo. É por isso que me custa compreender uma televisão pública que alinha num trash completo às vezes. Quanto aos filmes, as saudades que tenho do 5 noites, 5 filmes. Foi uma época de luxo! Uma semana de filmes de Bergman! Uma semana de filmes do Kurosawa! Uma semana de filmes do Woody Allen! Hoje com as boxes do Meo e Zon, era fácil meter tudo a gravar... não sei, se calhar o pessoal que vende DVDs tem medo disso.
Isso é tão verdade!
O meu namorado, que não é parvo nenhum mas também não é nenhum "intelectualóide" (um normal, portanto), ficou inesperadamente fascinado com o Trono de Sangue do Kurosawa e com O Sétimo Selo do Bergman.
Acho que isso mostra bem que o que tem qualidade pode, sim senhora, agradar à população em geral - desde que passe a horas decentes e haja abertura por parte das pessoas para verem!
Ora fico contente em saber que há quem concorde.
É assinar a petiçãozinha, é assinar.
E sim, os 5 noites 5 filmes eram um luxo! Nessa altura, a pessoa nem sabia a sorte que tinha... a própria TVI, quando começou, tinha o "Lauro Dérmio" a escolher filmes e eram muitíssimo bons. Depois foi a derrocada total.
Enfim.
Vou discordar ligeiramente e com a continuação do texto a deriva vai aumentando até no fim discordar completamente.
Porque é que as pessoas preferem uma novela, a Júlia aos Gritos, a Catarina Com Sinal & Outros a um bom filme?
Há várias razões, primeiro porque não conseguem ou não sabem entender um filme complexo e para muitos até o Chuck Norris o é.
Depois porque chegam a casa cansados, aborrecidos sem tempo e preferem, diria que são mesmo obrigados, a consumir qualquer coisinha que já venha mastigada como a farinha Amparo e não podem gastar tempo e energias ou (coloque o final do último parágrafo).
Terceiro porque se forem mulheres com Habitante (este termo tirei de um outro blog) em casa têm que no mesmo tempo que vêm a telenovela fazer pelo menos mais três coisas, arrumar a loiça, ver os deveres de escola dos garotos, dar um jeito na dispensa, preparar as coisas para o dia seguinte, passar um bocadinho a ferro e caríssimas ver ainda o Sétimo Selo (a propósito não te esqueças de amanhã passar pelos correios para pagar a conta do gás)parece-me demais.
Além disso a telenovela pode até perder-se um dia que não se perde nada.
Até se ganha.
Fado Alexandrino: Ahahah! O que me ri a imaginar a dona de casa a passar a ferro enquanto via o Sétimo Selo :D
Percebo o que dizes, e também concordo que há certas alturas em que apetece pôr o cérebro ao lado (eu também não vejo só filmes e séries ditas intelectuais ;)).
Mas pode haver um meio termo e aproveitar um momento de descontracção para ver algo diferente, em vez de ir sempre para o que é fácil.
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