quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Não quero pertencer a nenhum clube que me aceite como membro

No secundário havia o grupo dos que usavam calças de ganga de marca e dos que não usavam, mais espertos; dos que eram populares e dos que não eram, mais infelizes; dos que estudavam e dos que não estudavam; dos que faziam surf e dos que não faziam; dos que comiam na cantina e dos que não comiam; dos que eram bons a Matemática e dos que não eram (eu); dos que eram bons a línguas (eu) e dos que não eram; dos que eram indies, dos que eram indies-wannabes (eu) e dos que não eram nada; e assim por diante.
Disse uma vez a um amigo, já há anos, que tinha pena de não pertencer a nenhum grupo. Gostava de ter um grupo, pessoas com quem me identificasse. Nunca aconteceu, embora o meu amigo me tenha respondido que eu tinha um grupo, sim - era o grupo das pessoas que pensavam que não tinham nenhum grupo. Na altura, não vi grande sensatez nisto, mas reconheço agora que ele tinha toda a razão.
Esta coisa dos clubes aos quais pertencemos, e que não se limitam ao Benfica ou ao Sporting, permanecem na idade adulta. Acho até que já escrevi sobre isto muitas vezes. Por exemplo, agora, na minha idade avançada, há o clube dos casados e o clube dos solteiros e, de forma ainda mais proeminente, o clube dos que têm filhos e dos que não têm. Estes últimos ainda se subdividem em categorias diferentes, como por exemplo: clube dos que têm filhos, opção A: falar do Natal, dos próprios filhos e de tupperwares; opção B: manter os amigos que ainda têm, não falar sobre os filhos e tentar manter conversas interessantes; passemos ao clube dos que não têm filhos, opção A: falar de coisas interessantes que têm tempo para fazer (ler, ir ao cinema, passear, etc.); opção B: esquecer que os outros existem, pensar apenas no umbigo e viver numa ilusão egocêntrica que durante uns tempos tem piada mas que depois se torna, digamos que, ligeiramente insuportável.
Nenhum destes clubes é assim muito aprazível, ou por outra, ambos têm aspectos tremendamente positivos, mas acarretam também desvantagens muitíssimo negativas. O mais sensato é, de facto, escolher a opção do Groucho Marx (acho que era ele), que dizia que não queria pertencer a nenhum clube que o aceitasse como membro.
É precisamente este o clube que estou a considerar - aquele que não me quer aceitar como membro. O problema é que todos os clubes estão organizados para que, mais tarde ou mais cedo, com maior ou menor esforço, a gente acabe por lá ir parar. A sociedade vive disso.
Como dizia o sábio Kierkegaard, que explicou tudo o que havia a explicar, ou a pessoa sabe escolher bem, ou está tramada, e mesmo escolhendo bem ainda tem que prestar contas ao Grande, que nunca facilita as coisas. Tenho um certo interesse em saber que clube é que o velho Soren acabou por escolher, mas considerando que teve uma noiva toda gira e que a deixou sem mais nem menos, preferindo uma vida de tormento intelectual, e ai o meu pai, herege e blasfemo, e ai Deus, que é meu inimigo e assim e assado, não me parece que ele seja um grande exemplo da sua própria filosofia. Acabou por escolher mal, também.
Já estou como o outro do Trainspotting - escolho não escolher.

1 comentário:

C disse...

adorei e revi-me... acabei por deixar o grupo dos casados, para passar ao grupo dos estigmatizados... enfim... vida!
Gostei muito da partilha!

Lita