quinta-feira, 30 de abril de 2009

La Haine, aka: Personagens literárias detestáveis


Realmente, há personagens (prefiro mesmo chamar-lhes pessoas) insuportáveis, odiosas, venenosas e terríveis. Personagens que povoam livros que adoramos e que nos põem o sistema nervoso acelerado, o coração a bater de raiva, de tão efectivamente más que são. Ou então, são apenas personagenzinhas deslavadas, coitadinhas, anódinas, que se tornam também insuportáveis por isso, pela sua desavergonhada falta de carisma.

Tenho uma relação amor-ódio com algumas destas personagens porque, se por um lado as detesto, por outro sei que a sua força odiosa é tão grande que vale a pena ler um livro só por causa disso, por causa deste poder envenenado. Aqui vai a listinha das personagens que me vêm imediatamente à cabeça por serem tão terríveis:


Daisy, Great Gatsby - esta Daisy teria sempre de encabeçar a minha lista. Adorando o Great Gatsby (livro e personagem), e simpatizando com este "poor son-of-a-bitch", detesto esta Daisy, pusilânime, obtusa, vaidosa, egocêntrica, manipuladora, falsamente frágil, egoísta, fraca, preguiçosa, burguesa, injustamente opulenta e confortável, que vive a vida tratando o pobre e querido Gatsby como um objecto pessoal. O problema não era Gatsby ser pobre, o problema é que a Daisy não estava para ter trabalho a apaixonar-se por ele, nem por ninguém, aliás.

No entanto, a Daisy serve para uma coisa, e que é revelar o talento de Fitzgerald, que descreve a intensidade subtil das suas personagens magistralmente. Mas a Daisy não deixa de ser uma indesculpável e terrível bitch, na minha opinião, e ainda por cima sob uma capa de inocência e docilidade terrivelmente cruel.

Vou passar à próxima personagem, que esta Daisy deixa-me alterada.


Frodo, Senhor dos Anéis - coitado do Frodo. Ele não é propriamente uma personagem que valha a pena "odiar", porque é demasiado bonzinho para isso, mas é tão deslavado que enerva um bocadinho. Não posso falar muito, porque li apenas o primeiro livro desta trilogia, e com muito esforço. Não sou grande fã do Senhor dos Anéis; no entanto, percebi rapidamente que o tal Aragon é que é o herói interessante, ao passo que Frodo é aquele tipo de personagem semelhante à falsa heroína do Psycho, que morre nos primeiros 15 minutos do filme e não interessa para nada, defraudando o público, que pensa que o filme vai ser sobre ela e que, portanto, ela não poderá morrer. O Frodo é a mesma coisa, a diferença é que ele nunca morre, anda sempre a palmilhar a Terra do Nunca ou Middle Earth ou lá como aquilo se chamava para destruir o anel, mas a gente esquece-se dele à mesma. Como personagem, sempre me enervou o Frodo ser tão fraquinho. Justiça seja feita ao filme, pelo menos acertaram com o actor para desempenhar este papel. Não imagino actor mais mole, mais irritantemente ingénuo, e mais anódino do que Elijah Wood, com os seus esbugalhados e fofinhos olhos azuis. É um ponto a favor do filme, terem conseguido um tão belo actor que respeita tanto a personagem, lá isso é verdade.


Juliana, Primo Basílio - sem comentários, não é? Uma das razões para O Primo Basílio ser, dos livros do Eça, o que menos vezes li prende-se precisamente com esta terrível e chantageadora Juliana, a criada malévola, viperina, biliosa, verde de inveja, poço de fel. A partir do momento em que a Juliana apanha as cartas da pobre Luísa (mas também, esta burguesinha arrasada de romance não devia estar a pensar bem, enviar cartas de amor adúltero pela criada!), deixo de conseguir ler o livro. Fico cheia de pena da Luísa e a tremer de raiva contra a velha, feia, insolente Juliana. Odiosa, sem dúvida.


Mrs Danvers, Rebecca - gosto muitíssimo deste livro. Li-o quando era pequena, e nessa altura a Rebecca tinha tudo o que eu queria numa história - amores, desamores, traições, muito mistério, e acima de tudo Inglaterra. Bastava-me. Bom, mas esta Mrs Danvers, a personificação da temível, omnipresente e até omnisciente governanta, é aterradora. Uma imutável e empedernida bruxa. É uma personagem estranha, próxima de um fantasma, e, na minha opinião, tão triste que se torna maléfica. A figura da governanta, de facto, tem muito que se lhe diga. Hei-de escrever sobre isso um dia, sem me esquecer das minhas queridas Brontë, que ganhavam a vida nessa actividade, e bem lhes custava. Mas, para rematar, esta Mrs Danvers é o azedume e a maldade em pessoa. Só por ela, vale a pena ler o livro.
E chego novamente à conclusão de que estas personagens maléficas, que odiamos, são realmente muito interessantes. O que seria da literatura sem elas, é a questão que eu levanto.

Silêncio


Cheguei à conclusão de que a filosofia de café, ou filosofia barata, é das piores coisas da vida. É que é insuportável.

Não gosto muito de verdades. Não gosto muito de textos e pessoas que se levam tão a sério que pensam que têm que dizer verdades em sentenças e aforismos, e abençoar-nos com a sua inteligência.

O Kierkegaard, por exemplo, disse o que tinha a dizer sem chatear ninguém e sem assumir aquele tom sentencioso das pessoas que pensam que têm verdades para dizer. As verdades não servem para nada, e da verdade dos outros não preciso - pelo menos, não me parece.

Estou como Salvatore Rosa, neste auto-retrato de que gosto muitíssimo, em que o pintor mostra uma nota com o seguinte dizer - "reduz-te ao silêncio, a não ser que fales melhor de que o silêncio".

(isto também se aplica a mim e aqui ao bloguezito, eu sei, mas pronto, vivo com isso; além disso, também eu me calarei, qualquer dia).

Nota mental: habituar-me ao Facebook, habituar-me ao Facebook, habituar-me ao Facebook

Decididamente, não sou uma pessoa que deva estar no Facebook.
Não percebo para que é que aquilo serve, nem o que lá deverei escrever, nem se hei-de comentar no chamado "wall" dos outros, nem nada. Até agora, o que fiz foi aqueles quizzes paravalhões e pus os resultados no meu wall, com uns comentários meio idiotas. Pronto.
Prefiro ver os meus amigos a cores e ao vivo.
Prefiro ver os meus amigos que infelizmente estão longe também a cores e ao vivo, ou então mando um email e eles depois respondem. Não preciso do feisbuk.
O Facebook faz-me sentir uma Oliver Twist. O Oliver Twist olhava para os meninos à lareira, a comer frango assado, e ele ali a espreitar à janela, triste; eu, no Facebook, sou a mesma coisa. Ponho-me a olhar à janela para o facebook dos outros, com as suas fotografias, a sua repleta vida onde as coisas acontecem minuto a minuto, e eu ali especada, a ver. O Facebook está pensado para as pessoas se sentirem mal com a vida, para depois andarem a arranjar muitos amigos e conseguirem ter 528 amigos e dormirem descansadas, pois isso quer dizer que são boas pessoas.
Eu sou uma péssima pessoa, e por isso o Facebook não é para mim, e, tal como o Oliver Twist, vou espreitar à janela dos outros e ver os seus belos profiles no Facebook, e eu sem saber o que fazer ao meu, e a bílis cresce, e cresce, e cresce!
Não é saudável.

Gaja que devia fazer o meu estilo mas não faz: Tori Amos


Não gosto nada dela. Não tenho nada contra, mas não gosto.

A razão é clara: esta Tori fez um disco de covers, ou pelo menos fez muitas covers de muitas músicas de que eu gosto, cada uma pior que a outra. É que, ainda por cima, ela cobriu mesmo muitos indivíduos de quem gosto muitíssimo a sério, nomeadamente Leonard Cohen, Lloyd Cole e Purple Rain, do Prince (canção e não indivíduo, neste caso).

Famous Blue Raincoat, do grande e bonito Leonard, transforma-se numa coisa monótona e entediante na voz da Tori. Mesmo chata. O grande e bonito Leonard consegue aguentar a monotonia com aquela voz por vezes monocórdica, mas ele fá-lo bem; faz parte da música, não é aborrecido. Agora a Tori, meu Deus, que seca.

Quanto a Purple Rain, o grito final, que é a parte que eu mais gosto da canção, torna-se num miar de gato um tanto ou quanto insuportável na voz desta senhora, o que é uma imensa desilusão. Quando ouvi a versão de Purple Rain da Tori Amos, pensei que fosse uma brincadeira, de tão má a achei. A seca do costume, tudo muito paradinho e piano deslavado, e depois um miar de gato no fim. Mas no que é que ela estava a pensar?! Assassinar assim estas grandes músicas, sem respeito nenhum?

Isto levou-me a concluir que a Tori não sabe os seus limites, pois, se os soubesse, mostrava algum respeito, e pensava, "espera, eu antes de me pôr a cantar L. Cohen, vou ver se sou boa o suficiente para o fazer, de modo a conseguir uma cover original e bonita; antes de me pôr a cantar Purple Rain, vou ver se consigo uma versão bonita do fabuloso grito final"; mas não. Cantou e pronto.

Grande desilusão.

Não faz o meu estilo. Dou-lhe pontos pelo cabelo impecável, mas fico por aqui. De qualquer modo, deixo a tal versão do Prince, pode ser que alguém goste e que me faça mudar de opinião.







Tori Amos - Purple Rain (Live Prince Cover).mp3 -

Mad about the Boy (ou: não se deve sentir pena)


E como eu estava a dizer, o filme Sunset Boulevard é dos meus preferidos. Neste filme, uma velha e decadente actriz, Norma Desmond, aka Gloria Swanson as herself, uma pobre criatura bela e esquecida, deselegante e demente na sua velhice precoce, apaixona-se por um inútil, no entanto jovem, escritor. Este último não tem grande paciência para a fragilíssima Norma, mas vê-se reduzido à evidência de ter de a aturar, uma vez que nem dinheiro tem para pagar a renda e "gasoil" para o carro, ao passo que a actriz tem dinheiro a jorros, e não se importa nada de lhe pagar tudo e mais alguma coisa. De modo que o escritor passa a ser propriedade de Norma, que remédio tem ele. Ora, a Norma não se apercebe disto - como passa a vida sozinha e louca, aparece-lhe um jovem no fulgor da idade e ela deslumbra-se e arrebata-se. Compra-lhe tudo para lhe demonstrar o seu amor, e a certa altura oferece-lhe uma pequena cigarreira (é assim que se diz "caixa para guardar cigarros"?) de prata, oferecida por Cole Porter, com a seguinte inscrição: Mad About the Boy (que é, diga-se, uma canção de Cole Porter, que a Billie Holliday até cantou - cantou, não cantou? Acho que sim).

Bom. Esta oferta da cigarreira não é terrivelmente importante no filme, mas eu acho que quer dizer muita coisa. O amor desta Norma foi completamente desperdiçado no jovem escritor, que não a suporta, apesar de não ser má pessoa. Quando a Norma lhe dá a cigarreira, com a declaração de amor "Mad About the Boy", é quase uma humilhação. É daqueles momentos do filme que eu vejo e não consigo evitar ficar envergonhada pela Norma. Sinto-me mesmo mal.

Isto faz-me pensar que o amor, de facto, é um sentimento terrível. Se é recíproco, belas e queridas confissões como "Mad about the Boy", I love you e quejandos enchem-nos de alegria, de uma felicidade profundíssima, inacreditável. Mas alguém a quem não conseguimos corresponder vem com estas coisas, Mad about the Boy, I love you e quejandos, e sentimo-nos tão mal, tão envergonhados, não por nós, mas pelo outro - quase com pena. Sentir pena de alguém é uma coisa abjecta, é o pior sentimento que se pode ter, pior que o ódio, acho eu. Acho que não odeio ninguém, mas entre odiar alguém e ter pena, preferia odiar.

E, portanto, quando a Norma oferece o tal Mad About the Boy inscrito na linda cigarreira de prata ao escritor que não quer saber dela, sentimos pena da pobre actriz. Aliás, o filme está muito bem conseguido porque, entre outras coisas, o espectador apercebe-se perfeitamente de que aquilo que o tal escritor sente por Norma não é nada mais do que pena, pena, pena, apenas acentuada com presentes e dinheiro e cigarreiras e Coles Porters.

Grande filme, Sunset Boulevard. Espero nunca sentir pena de ninguém. Batam-me na cabeça se isso acontecer.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

A importancia dos acentos

Nao posso escrever muito, porque nao tenho um teclado decente, e nao gosto de escrever sem acentos, de modo que serei breve. Mas o que sei, o que sei de facto, 'e que o meu querido Leonard Cohen sera muitissimo apreciado por mim em Julho, no Pavilhao Atlantico, o que me enche de grande alegria. Nao sera muito intimista, mas Leonard Cohen 'e Leonard Cohen, o Trovador absoluto, o poeta, o grande.
E tambem dizer que cheguei a conclusao de que nao gosto nada de Cole Porter, e que no filme Sunset Boulevard a actriz demente, Gloria Swanson, oferece ao seu toy boy uma caixa para cigarros (esqueci-me do nome) com 'Mad about the boy' inscrito na prata, o que 'e piroso e pouco proprio, e se calhar era por isso que o toy boy nao gostava nada da Gloria e queria apenas o dinheiro dela. To be continued, at a later stage, quando voltar ao esplendor do meu teclado portugues.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

This is the end, of everything that stands, the end!

O fim das coisas, a mudança, enervam-me. Não lido nada bem com a mudança, especialmente se é para as coisas acabarem. Por exemplo, se estou na minha actividade preferida, que é tomar café, e se tenho a companhia de alguém, estou sempre a arranjar desculpas para a pessoa não se ir embora. A pessoa diz-me, imaginemos:

- Olha, gostei muito deste bocadinho, mas agora tenho de me ir embora.

E vou eu:

- Ah, e logo agora que eu tinha uma coisa importantíssima para discutir contigo!

- Ah, sim, o que era?

- Então, era aquilo, aquela coisa.

- Então mas é o quê? Não pode ficar para a próxima?

- Quer dizer, pode, mas ... era melhor ser agora.

- Oh pá, então mas é urgente? (olha para o relógio)

- Quer dizer, urgente não é... não é caso de vida ou morte, mas é muito importante (faço cara de preocupada, torço o nariz, assim como quem diz, 'se quiseres ir embora, vai, mas olha que o problema é teu')

- Pronto, diz lá.

- Olha, já que vais ficar mais um bocadinho, não queres pedir mais um cafezinho?

E pronto, já são mais dez minutinhos ali empatados e, se eu conseguir ser extra-eficiente naquilo que faço e arranjar tema de conversa interessante, ficamos ali mais uma meia-hora, mas é.
Isto tudo para dizer que há montes de blogues de que eu gosto a acabar. O Nascer do Sol, o blog onde me aventurei nestas andanças blogosféricas, também acabou. Maior parte dos blogues que eu aqui tenho linkados acabaram. Está bonito. Qualquer dia, não tenho nada para ler aqui na blogoesfera e não vale a pena ter um blog, porque não há reciprocidade.
Que chatice, pá. Detesto quando as coisas acabam. Mania de andar a ouvir Doors e aquela música toda cool do "The End" e tal, e depois dá nisto.
Não estou muito bem-disposta.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Considerações sobre o guarda-chuva


A Inglaterra é um país de belíssimas contradições. Por um lado, em Londres, às 10 da noite, não há sítio para jantar, ou por outra, haver, há, mas a pessoa tem de se contentar com um hamburguer, ou um "kebab" a puxar ao manhoso. Por outro lado, caso nos aconteça qualquer coisa inesperada aos dentes, podemos sempre ir a uma clínica "24 hour dental care emergency clinic", a qualquer hora do dia ou da noite. Imaginemos que andamos à bulha e ficamos sem o dente da frente, por exemplo; não temos que nos preocupar, porque há quem nos resolva o problema, de modo que em Londres, uma coisa que já deixou de me incomodar é andar à batatada. Agora, comidinha da boa para acalentar o estômago se nos atrasamos e falhamos a hora sagrada do jantar às seis da tarde, isso é que é uma tragédia.
No entanto, há que louvar os ingleses. Chove a cântaros e por aí andam eles, nos seus intermináveis e verdes parques, no jogging ou a passear os cães. Nada da paranóia com guarda-chuvas como em Portugal. Os portugueses, aliás, têm uma relação com o seu guarda-chuva como nunca se viu. Cai um pinguinho e lá estamos nós, afincadamente a abrir os nossos grandes chapéus, orgulhosamente desafiando a bátega. Quem não tem guarda-chuva e se molha que nem um pinto, como a mim me aconteceu no outro dia, é olhado de lado. Vai ao café e toda a gente nos trata como um pobre sem-abrigo. Basta, até, o dia estar um bocadinho mais cinzento, e lá saem os portugueses, sempre tão prevenidos e pessimistas, a arrastar o guarda-chuva, a pedir, até, que chova, para que a sua prevenção seja compensada. No fundo, o nosso amor ao guarda-chuva é sinal inequívoco do nosso inamovível pessimismo - dia cinzento, chove de certeza.

Mas os ingleses, não. Desprezam chapéus de chuva. A chuva, para eles, não quer dizer nada. A nós, mete-nos medo. A eles, não. São mais bem dispostos.

Povo interessante.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

A competência cansa

Será que vale a pena perder tempo com coisas que são meramente "competentes"? Lembrei-me disto por dois motivos:

1) este post do LB n'O Nascer do Sol, em que designa, e quanto a mim bem, porque concordo inteiramente, The Dying Animal, de Philip Roth, como meramente competente (e por isso, limitado)

2) programa acerca dos melhores álbuns de sempre (isto é, desde 1981, desde que se criou a MTV) que passou ontem, precisamente, na MTV (pois é, eu sou daquelas pessoas que, no que à televisão respeita, tem um gosto muitíssimo apurado e intelectual). A discussão foi muito fraquinha, mas pronto, eu tenho tendência para gostar destes countdowns e para gostar também de ouvir gente a discutir música, ainda que a discussão seja sofrível.

Ora, muitos dos discos que foram mencionados neste programa não eram propriamente maus, mas meramente competentes, isto é, bem feitos, bem produzidos, bons músicos, cançõezinhas sólidas, letras profundas q.b., mas sem rasgos de brilhantismo. Eu aceito perfeitamente que me digam, "ah, mas nem tudo tem de ser brilhante, brilhantes só os Beatles, os outros fazem o que podem e já não é mau". Eu aceito este argumento. No entanto, a "competência" é uma qualidade nefasta, porque, não sendo a mediocridade, é extremamente entediante. Eu, sinceramente, não sei se prefiro odiar uma coisa por ser medíocre, ou encher-me de tédio com algo que é "competente". Se calhar até prefiro odiar, mas isso sou eu, que sou má pessoa. Admito que não seja assim com toda a gente.

Voltando à questão da competência. Os discos que se discutiram neste programa da MTV, que vale o que vale, não eram maus - Joshua Tree dos U2, Automatic for the People, dos REM. Mas também não são bons-bons-bons, não têm grandes rasgos de brilhantismo, pois não? São competentes, pronto. São discos feitos para o comum dos mortais ouvir e pensar, "ora aqui está música como deve ser, nem muito avant-garde, nem muito pimba, mesmo na medida certa". Pelo menos, é o que me parece, e peço desculpa desde já se estou a ofender alguém, porque sei que há acérrimos seguidores de U2, e de REM também, e que estas bandas têm grande reputação e tal e coisa, mas enfim, não consigo escapar a este sentimento de que a competência é chata, fria, mecânica. Se compararmos Joshua Tree e Automatic... com outros álbuns mencionados no programa, por exemplo Thriller ou Purple Rain, podemos dizer que estes últimos são melhores do que os primeiros? Provavelmene, não. Mas o Thriller e o Purple Rain, talvez por serem menos perfeitos, mais pirosos, mais estridentes e garridos, têm algumas pérolas que ficam connosco e que gostamos de voltar a ouvir, ao passo que coisas como With or Without You, All I want is you ou Night Swimming (esta, em particular, é muito bonitinha) são lindas, perfeitinhas, sem dúvida alguma, mas e depois? A única coisa que me ocorre fazer depois de apreciar a audição destas três músicas, que dou aqui a título de exemplo, e das quais gosto, é encolher os ombros; aquilo que me apetece fazer depois de ouvir o Purple Rain do Prince, por exemplo, é voltar a ouvir aquele grito que ele dá no fim a acompanhar o solo de guitarra. Está giro, o que é que eu hei-de fazer.

O mesmo se passa com certos escritores, ou com certos livros. Há certos livros meramente competentes, que lemos, reconhecemos a (eventualmente grande) qualidade, mas acaba ali. Só me consigo lembrar do Dying Animal que o Lourenço refere no Nascer do Sol, mas há outros, com certeza, tipo Lídia Jorge ou isso. Bonitinho, arranjadinho, sim senhora, mas às vezes a grande marca da imperfeição é que dá o interesse , o "drama", à vida.

Já alguém escreveu sobre a beleza da imperfeição. Não me consigo lembrar quem, o quê. Mas quem quer que seja, concordo com ele/ela. A imperfeição consegue ser uma coisa muito bonita.

terça-feira, 7 de abril de 2009

One, two, Freddy's coming for you


Venho por este meio dar conta, denunciar, até, a discriminação de que sou alvo por gostar muito de filmes de terror. Vou "elencar" (palavra maravilhosa) os focos discriminatórios que todos os dias me atingem:

- insultos constantes ao meu gosto cinematográfico ("um nojo", é o que me dizem)

- isolamento social como se fosse leprosa (nunca ninguém quer vir ao cinema comigo para ver um filmito de terror; nunca ninguém toca à minha campainha para me acompanhar num DVDzito)

- olhares paternalistas e sobranceiros quando se fala de filmes ("pois, o filme é muito mau, mas a Rita gostou porque ela gosta de gore, ela tem este mau gosto, ela é horrível, nem sei como é que sou amiga/o dela, pensando bem, vou deixar de ser")

- conselhos constantes, que eu não pedi, sobre como me tornar melhor cidadã, passando todos eles por deixar de gostar do chamado gore (do qual, aliás, não gosto assim tanto).

E por aí fora. Podia elencar mais coisas, mas não o vou fazer. Elencar cansa. Queria só uma desculpa para voltar a usar "elencar". É uma palavra curiosa, "elencar". Tinha um professor que dizia que "elencar" e "no que concerne" nunca se deviam usar por serem muitíssimo pirosos.

Mas voltando ao tema aqui do post. Segundo tenho observado, há um grande preconceito contra o género do terror por parte de muitas pessoas que gostam de cinema, e arrisco-me a dizer que será porque a maioria dos filmes de terror a que temos acesso não prestarem, de facto. E quando digo que não prestam não é pelo sangue a jorros, pelos gritos, pelos esgares desvairados, pelo gore (isto pode fazer parte do filme, e não o torna mau, quanto a mim); não prestam porque são estúpidos, têm maus actores e histórias paupérrimas. Mas o bom cinema de terror, aquele que, além do gore, do sangue e dos gritos (e não "apesar" do gore, do sangue e dos gritos), consegue provocar um medo avassalador, é do melhor que há. É difícil conseguir uma ficção que provoque medo. Eu, pelo menos, acho que deve ser muito difícil conseguir que a audiência (o espectador, e também o leitor) sinta verdadeiramente medo (não estou a falar de uns quantos sustos aqui e ali, que é o que a maioria dos Saws e restantes blockbusters de terror fazem; estou a falar dessa emoção mais profunda que é o medo). É relativamente mais fácil, no sentido em que é muito mais comum, conseguir a comoção e a ternura, mas o medo está a outro nível.

Não sendo, com muita pena minha, especialista em filmes de terror, aquilo que eu gosto neste género é a forma como nos faz lidar com o medo e com o obscuro de uma forma racional. Escrevi uma vez no Nascer do Sol que, por mais ridículo que pareça, um dos filmes mais educativos que vi quando era pequena foi o primeiro Pesadelo em Elm Street (não dormi uma semana; vi-o à socapa sem a minha mãe saber, claro, e paguei bem caro, e com muita insónia, o meu atrevimento), em que se descobre, no fim, que Freddy Krueger, o temível assassino calcinado, é uma ficção que só consegue espalhar o mal enquanto acreditarmos nele; se deixarmos de acreditar, ele deixa de existir e não nos pode fazer mal, isto é, quando percebemos que é tudo a fingir, ultrapassamos o medo. É por isso que gosto de sentir muito medo com filmes de terror e ver sempre mais e mais, num constante jogo de resistência, em que me obrigo a pensar "isto não existe, isto não existe". Assim, consigo aproveitar o filme, passar um bom bocado a vê-lo, e a ultrapassar os meus medos e fantasmas. Mais pedagógico que isto, não há.

Pais, deixem os vossos filhos ver filmes de terror, é o que tenho a dizer.

E pronto, é esta a minha clamorosa defesa do terror.

Criptonite


A minha relação com a comida não é pacífica porque, se por um lado adoro comer (tornar-me anoréctica ou bulímica é uma impossibilidade lógica), por outro detesto cozinhar e pensar, sequer, em comida para cozinhar. Tudo aquilo em que toco tem o efeito contrário ao toque de Midas - não reluz como ouro, mas torna-se, antes, numa massa deslavada e sem brilho. Sem qualquer gosto, por mais sal ou especiarias que acrescente. Tenho uma criptonite intrínseca no que a comida crua respeita, e uma capacidade tremenda para retirar, por artes mágicas, o sabor a qualquer especialidade culinária.

Ainda no outro dia, por exemplo, comi num restaurantezinho uma deliciosa e simples saladinha de espinafres, tomate e courgettes. Uma coisa simples mas que me soube muito bem. Pensei, "vou fazer isto em casa, afinal não há aqui nada que possa correr mal". Ai não que não havia. Primeiro, rodelas de courgette a mais, tantas que enjoavam. Depois, vinagre a mais; lembrei-me que seria muito bom exagerar no balsâmico, afinal é o vinagre da moda, e depois juntar pimenta e orégãos, de modo que o que resultou foi uma mistela de espinafre ensopado em vinagre, courgette carregada de coisas verdes acastanhadas que eram os orégãos também ensopados em vinagre, e os tomates igualmente em mísero estado. Não se aproveitou nada. As minhas mãos dão cabo até de uma simples salada.

Visto isto, estou absolutamente convencida de que possuo uma criptonite avassaladora, que afectará não só o Super-Homem, mas também a comida que tento cozinhar e, já agora, a tecnologia que tento usar, como já antes escrevi. Não é bom viver assim, sinto-me sempre tão limitada. Vejo as pessoas a comer bem, a viver melhor com os seus belos gadgets, os seus telemóveis, os seus Meos, os seus plasmas, os seus carros que não se estampam, e a exibir todas estas coisas como reconfortantes símbolos da sua integração na chamada "sociedade". Ora, eu sinto-me um tanto um quanto excluída, devido a esta tal criptonite que é uma barreira à minha interacção com a chamada "sociedade", não consigo cozinhar bem, todas as máquinas e maquinetas que tenho se estragam, não as sei pôr a funcionar, nunca estou informada dos planos dos telemóveis com chamadas mais baratas, ando sempre a pagar mais do que os outros por tudo, pelo menos é o que me dizem, e depois sinto-me mal, eu que devia estar sempre tão informada, tão informada como os outros todos.

Mas não estou. É assim, a vida é assim.

De modo que a minha conclusão de hoje é que eu percebo muito bem o Super-Homem, estou muito solidária com ele, e penso que é recíproco.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

I grow old. I shall wear the bottom of my trousers rolled. - parte II


Hoje é segunda-feira, não é?

É.

A Páscoa está quase aí, e eu começo a perder a noção do tempo, e mais, como dizia o querido T.S., I grow old. I shall wear the bottom of my trousers rolled.

E ter um jardim e um cão e quem sabe crianças, que vão bem com o jardim e com o cão.

Fazer papa Cerelac e guisados, e quem sabe começar a gostar de ensopado de borrego.

De certeza que o querido TS pensou nisto tudo, quando escreveu I grow old. I shall wear the bottom of my trousers rolled.

Nisto tudo e muito mais.

As segundas-feiras custam tanto a passar.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

João Gobern

Ouvi ontem uma entrevista a João Gobern na Radar, e gostei bastante, em primeiro lugar porque costumo gostar do que João Gobern diz (ouço afincadamente as suas crónicas na Antena 1, a não ser quando não estou acordada a essa hora, ou quando o João está doente, o que de vez em quando acontece, e eu percebo, porque se eu tivesse todos os dias de estar a produzir àquela infame hora matutina, também ficaria doente muitas vezes, quiçá todos os dias), e em segundo lugar porque, para não destoar, ontem concordei com tudo o que João Gobern disse na entrevista (a parte que ouvi; não ouvi até ao fim). Ao que mais prestei atenção foi quando se falou no desaparecimento do Sete e de como não tinha havido, até hoje, uma verdadeira tentativa de fazer sair um jornal equivalente, e mais, como até hoje nem sequer voltou a existir jornalismo daquele calibre em Portugal. João Gobern deu como exemplo uma edição temática do Sete sobre o terceiro Padrinho, em que esmiuçavam o filme de uma ponta à outra, faziam o historial das personagens mais ínfimas e dos actores todos, o seu papel no enredo e na família, etc. De facto, não sei de nenhuma publicação em Portugal que, hoje em dia, se desse ao trabalho de fazer isso, a não ser que publicasse um artigozinho traduzido e pronto a comer de uma outra revista estrangeira.

Em relação a cinema e música (não vou falar de livros; há a revista LER, o Jornal de Letras que, enfim, sempre são qualquer coisa), as publicações em Portugal são paupérrimas (a não ser que haja por aí uma que eu não conheço, o que admito ser possível), o que é uma tristeza. Adorava ter uma revista com boa investigação e, acima de tudo, bem escrita, acerca de filmes, bandas e música, uma revista que não tivesse medo de dizer mal quando é para dizer mal nem de dizer bem quando é para dizer bem, ao contrário do que em geral me parece acontecer com a crítica portuguesa, em que a gente já adivinha que filmes é que vão ter boas ou más críticas, e porquê, antes sequer de ir ler as ditas críticas. Depois, gostava de poder contar com uma publicação que se centrasse na sua própria investigação e conseguisse fazer reportagens autónomas de jeito, em vez de andar a traduzir coisas de revistas estrangeiras, o que se torna pior quando não se indica que é uma tradução, e se assume que o público português é estúpido, pouco exigente e não vai perceber. Isto entristece-me, porque gostava que, na imprensa portuguesa, houvesse debates engraçados, estimulantes e que nos fizessem saber mais sobre cinema, sobre música, sobre coisas que nos fazem bem e que alegram a nossa vida, e não há.

Talvez esteja a ser injusta, e ande por aí uma maravilhosa publicação que corresponda a todos os requisitos e muito mais. Talvez.

E, já agora, deixo um apelo à Radar (que, diga-se, em termos de estações de rádio, ainda bem que existe e que é uma verdadeira salvação) para pôr o Fala Com Ela com João Canijo em podcast, que quando passou não ouvi e queria tanto ouvir, tanto, tanto. Vejam lá isso, ó pessoal da Radar, se faz favor, obrigadinha.

Pilha Duracel


Vale muito, muito, muitíssimo a pena, este espectáculo, o que não surpreende, porque normalmente a Cornucópia arrasa. Só hoje descobri que A Tempestade sobe à cena no Teatro do Bairro Alto como parte de um ciclo apropriadamente chamado "A Caverna do Mágico" e convenientemente iniciado com a peça de Pirandello "Os Gigantes da Montanha", que também tive a sorte de ver, e que é um ciclo dedicado às relações da arte com a vida, ou à reflexão sobre o Teatro como forma de conhecer e transformar a realidade, como se explica no site da Cornucópia. Portanto, é aproveitar e ir ver, que é um grande espectáculo.

O que me deslumbra sempre é a maravilha do texto de Shakespeare. Dura, dura, e dura e não há tempo que consiga causar erosão, embora para isso também tenha ajudado a excelente tradução. A mim, pelo menos, pareceu-me muitíssimo boa, apesar de já ter lido A Tempestade há não sei quantos anos e não me lembrar bem do texto. Lembro-me, porém, que é um texto com deslumbres tais como o lindo "we are such stuff as dreams are made on" e o discurso final de Prospero, em que a ilusão do teatro e da ficção se confunde com a vida, e em que Prospero se dirige directamente à audiência, pedindo a redenção do aplauso, que acaba por servir os dois lados - As you from crimes would pardon'd be, let your indulgence set me free.

Resta-me averiguar a questão da Miranda, que na peça está muito ingenuazinha e pequenina, e eu tinha ideia de ser uma personagem mais intelectualmente forte, mais independente e conhecedora, na peça.

De resto, lin-do.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Já tenho muitos anos, que os fiz por Janeiro, madrinha casai-me com Leonard Gaiteiro


Penso, às vezes, numa coisa muitíssimo importante e realista que é: se tivesse de escolher entre Corto Maltese e Leonard Cohen, quem escolheria?

O meu homem de sonho é Corto Maltese, mas, por razões óbvias, não é o meu namorado de sonho.

O meu namorado de sonho é Leonard Cohen (e também homem de sonho a seguir ao Corto, mas, uma vez que o L. Cohen envelhece e o Corto não, enfim, o Corto aqui tem vantagem, não é, não posso fazer nada). Este homem é o meu namorado de sonho. Bonito (que dizer, não é propriamente bonito, o Leonard; é melhor ainda, diria eu, é o chamado "interessante"), inteligente, voz calma e profunda, canta bem, sensível, poeta, politicamente empenhado, do lado certo da história, bonito, de certeza que é bem-educado, bonito, já disse bonito, não já?

Tenho uma visão frequente, que é eu estar sentada no sofá e o L. Cohen à guitarra a compor canções para mim, a dizer que eu lhe dou chá e laranjas da China, a dizer que eu sou o Steve McQueen e ele é o Rin-Tin-Tin, porque rima e é engraçado, a perguntar-me "do you need to hold a leash to be a lady?", e eu a responder, "não!", a dar-me uma linda gabardina azul para eu vestir todos os dias em que chova. Que famosa gabardina (ou gabardine?) azul que o Leonard me daria.

O Leonard é um trovador. Nunca me vou recompor de ter perdido o seu concerto em Lisboa, nunca, nunca, nunca. Ainda nem o conheci, e já tenho o coração partido. Se calhar, não é bom sinal.










Hey, Thats No Way to Say Goodbye - Leonard Cohen

Bem.

As finanças agora contactam a gente (gosto de usar "a gente" como verdadeiro pronome em vez dos clíticos, acho muito cómico) por email.
Bem. Estou impressionadíssima. Também devem ter recebido um Magalhães, ah ah ah ah! Esta piada era mesmo só para mim, para gratificação pessoal, portanto quem ler, se fizer o favor de ignorar, eu agradeço.
A minha pergunta é: estes emails das finanças são para acreditar ou é treta? Quer dizer, a gente recebe um email, mas depois acontece qualquer coisa, vai-se à elegante repartição com uma cópia (um "print", como agora se diz) do email, e depois dizem-nos, "ah, não, nós não andamos aí a mandar emails para os contribuintes, acha que não temos mais nada para fazer, então recebe um email das finanças e acha mesmo, acha mesmo, vivendo em Portugal, que é para acreditar?!, deve estar a gozar comigo, bem podia ter arranjado desculpa menos esfarrapada, se faz favor vai abrir os cordões à bolsa e é já".
De modo que não sei. Recebi um email das finanças e, se por um lado estou tentada a acreditar, por outro também estou tentada a não o fazer. Tanta decisão, tão pouco tempo.
Mais alguém recebe emails das finanças, ou sou só eu?

A rapariga que não sabe contar histórias


O que eu queria fazer hoje aqui no blog era contar qualquer coisa, uma história, uma anedota, que fizesse rir. Que fizesse rir mesmo, que fizesse as pessoas voltar ao post para ler outra vez e para se rirem. Mas não consigo, nem nunca conseguirei. Eu sou daquelas pessoas que não sabe contar histórias. Mesmo que a narrativa vá encarrilada, chega a parte do fim e estrago sempre tudo, ou pior, nunca encontro nenhum fim. E por isso não conto histórias, muito menos histórias que façam rir, dada a importância fundamental da punchline (sim, eu sei, os Monty Python desprezavam-na, mas eu não sou propriamente os Monthy Python, não é, não me posso dar ao luxo de contar anedotas sem punchline e esperar que as pessoas achem graça), dizia, dada a importância da punchline, e dado a minha enorme incompetência para fins, opto por não contar histórias.

É, então, por não saber contar histórias que adoro que me contem histórias a mim. Acho que ainda hoje a melhor forma de resolver as minhas insónias seria ter novamente a minha mãe à cabeceira a contar-me uma história. A minha mãe sabe as melhores histórias do mundo. Uma vez que a idade adulta dificulta que se adormeça com a voz da mãe a contar histórias, comecei a despertar para a beleza da narrativa não-ficcional, e para géneros como a crónica, ou romances "arraçados" como o In Cold Blood ou o magnífico Adivinhas de Pedro e Inês, da Agustina (que se calhar não pode ser designado por romance, mas eu designo, porque sou dada a designações. Gosto de não só designar, como de conjugar o verbo designar), enfim, a escrita que exige que pensemos noutras coisas que não consistam apenas em contar uma história. Com grande pena minha, eu não sei contar histórias. E digo isto com tristeza, porque um dos livros que eu gostava mais de ler quando era pequena chamava-se, precisamene, "O senhor que não sabia contar histórias", de Carlos Pinhão, e eu adorava gozar com esta personagem, dizendo, de mim para mim, de forma absolutamente sobranceira "o senhor não sabe contar histórias, como é que é possível não se saber contar histórias, eh eh!". Era tão giro, este livro.

E aqui estou eu, anos depois, sem saber contar uma história. E, mais do que isso, a sujeitar-me a olhares estranhos e caretas quando peço que me contem uma história. Às vezes, gostava de estar a falar com alguém e que esse alguém, pura e simplesmente, me dissesse, "agora vou contar-te uma história, uma história a sério, cheia de coisas que acontecem e peripécias", e ficaríamos ali, à mesa de café, eu a ouvir a história, o alguém a contar.

Uma história à mesa de café - que bonito.

Estou lamechas, hoje.