Realmente, há personagens (prefiro mesmo chamar-lhes pessoas) insuportáveis, odiosas, venenosas e terríveis. Personagens que povoam livros que adoramos e que nos põem o sistema nervoso acelerado, o coração a bater de raiva, de tão efectivamente más que são. Ou então, são apenas personagenzinhas deslavadas, coitadinhas, anódinas, que se tornam também insuportáveis por isso, pela sua desavergonhada falta de carisma.
Tenho uma relação amor-ódio com algumas destas personagens porque, se por um lado as detesto, por outro sei que a sua força odiosa é tão grande que vale a pena ler um livro só por causa disso, por causa deste poder envenenado. Aqui vai a listinha das personagens que me vêm imediatamente à cabeça por serem tão terríveis:
Daisy, Great Gatsby - esta Daisy teria sempre de encabeçar a minha lista. Adorando o Great Gatsby (livro e personagem), e simpatizando com este "poor son-of-a-bitch", detesto esta Daisy, pusilânime, obtusa, vaidosa, egocêntrica, manipuladora, falsamente frágil, egoísta, fraca, preguiçosa, burguesa, injustamente opulenta e confortável, que vive a vida tratando o pobre e querido Gatsby como um objecto pessoal. O problema não era Gatsby ser pobre, o problema é que a Daisy não estava para ter trabalho a apaixonar-se por ele, nem por ninguém, aliás.
No entanto, a Daisy serve para uma coisa, e que é revelar o talento de Fitzgerald, que descreve a intensidade subtil das suas personagens magistralmente. Mas a Daisy não deixa de ser uma indesculpável e terrível bitch, na minha opinião, e ainda por cima sob uma capa de inocência e docilidade terrivelmente cruel.
Vou passar à próxima personagem, que esta Daisy deixa-me alterada.
Frodo, Senhor dos Anéis - coitado do Frodo. Ele não é propriamente uma personagem que valha a pena "odiar", porque é demasiado bonzinho para isso, mas é tão deslavado que enerva um bocadinho. Não posso falar muito, porque li apenas o primeiro livro desta trilogia, e com muito esforço. Não sou grande fã do Senhor dos Anéis; no entanto, percebi rapidamente que o tal Aragon é que é o herói interessante, ao passo que Frodo é aquele tipo de personagem semelhante à falsa heroína do Psycho, que morre nos primeiros 15 minutos do filme e não interessa para nada, defraudando o público, que pensa que o filme vai ser sobre ela e que, portanto, ela não poderá morrer. O Frodo é a mesma coisa, a diferença é que ele nunca morre, anda sempre a palmilhar a Terra do Nunca ou Middle Earth ou lá como aquilo se chamava para destruir o anel, mas a gente esquece-se dele à mesma. Como personagem, sempre me enervou o Frodo ser tão fraquinho. Justiça seja feita ao filme, pelo menos acertaram com o actor para desempenhar este papel. Não imagino actor mais mole, mais irritantemente ingénuo, e mais anódino do que Elijah Wood, com os seus esbugalhados e fofinhos olhos azuis. É um ponto a favor do filme, terem conseguido um tão belo actor que respeita tanto a personagem, lá isso é verdade.
Juliana, Primo Basílio - sem comentários, não é? Uma das razões para O Primo Basílio ser, dos livros do Eça, o que menos vezes li prende-se precisamente com esta terrível e chantageadora Juliana, a criada malévola, viperina, biliosa, verde de inveja, poço de fel. A partir do momento em que a Juliana apanha as cartas da pobre Luísa (mas também, esta burguesinha arrasada de romance não devia estar a pensar bem, enviar cartas de amor adúltero pela criada!), deixo de conseguir ler o livro. Fico cheia de pena da Luísa e a tremer de raiva contra a velha, feia, insolente Juliana. Odiosa, sem dúvida.
Mrs Danvers, Rebecca - gosto muitíssimo deste livro. Li-o quando era pequena, e nessa altura a Rebecca tinha tudo o que eu queria numa história - amores, desamores, traições, muito mistério, e acima de tudo Inglaterra. Bastava-me. Bom, mas esta Mrs Danvers, a personificação da temível, omnipresente e até omnisciente governanta, é aterradora. Uma imutável e empedernida bruxa. É uma personagem estranha, próxima de um fantasma, e, na minha opinião, tão triste que se torna maléfica. A figura da governanta, de facto, tem muito que se lhe diga. Hei-de escrever sobre isso um dia, sem me esquecer das minhas queridas Brontë, que ganhavam a vida nessa actividade, e bem lhes custava. Mas, para rematar, esta Mrs Danvers é o azedume e a maldade em pessoa. Só por ela, vale a pena ler o livro.
E chego novamente à conclusão de que estas personagens maléficas, que odiamos, são realmente muito interessantes. O que seria da literatura sem elas, é a questão que eu levanto.