segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Different Class

Olha, afinal vou escrever mais qualquer coisa sobre Oscars e filmes, sim.
Sou uma pessoa que vive numa cidade onde se tem pouco contacto com multiplicidade étnica, pelo menos se compararmos com um sítio como Londres, por exemplo. Isso faz de mim alguém que, por mais que tente, é sempre um bocado entupida no que diz respeito a questões de variedade étnica e assim. No entanto, até eu noto certos exageros que irritam um tanto ou quanto, e entre esses exageros contam-se certos filmes que não pecam necessariamente por pouco multiculturalismo - pecam fundamentalmente por uma hegemonia notória ao nível de estilos de vida ou classe social. Não estamos apenas a falar de filmes exclusivamente compostos por actores brancos, destinados provavelmente a um público branco; estamos a falar de filmes compostos por actores não só brancos, como também lourinhos, de olhos claros, anglo-protestantes, os típicos "wasps" de alta burguesia. Consigo lembrar-me de dois exemplos flagrantes - aquela comédia com a Meryl Streep e o Alec Baldwin do ano passado, It's Complicated, em que toda a gente é tão flagrantemente branquinha e endinheirada que nos entra olhos adentro; curiosamente, a única morenaça deste filme, com um ar mais exótico e mais "estrangeiro", é a boazona que roubou o marido à Meryl Streep. Super-giro, este pormenor.
O outro exemplo de que me lembro é o recente The Kids Are All Right, que entretém, mas que também é tão polidinho, tão burguesinho, que é impossível não reparar nisto. Pode ser um filme sobre lésbicas, mas não faz dele um filme especialmente interessante ou original. Talvez a ideia seja mesmo essa - demonstrar como um casal gay pode ser tão desinteressante, convencional e instalado como  qualquer outro casal heterossexual, branco, classe média alta. É o único substracto sociológico que eu estou mais ou menos a identificar, porque de outra forma o filme não tem grande graça. Há alguns pormenores neste filme que são tão indelevelmente marcados pelo factor "classe" que, mais uma vez, somos obrigados a reparar neles - o facto de Julianne Moore , a certa altura, despedir um pobre jardineiro mexicano, velhote e simpático, sem motivo nenhum, e isto ser apresentado como uma coisa normal; a mesma Julianne Moore, a certa altura, usa uma Tshirt que diz "Licée Français Los Angeles". Uma pessoa só se pode rir com isto - no caso de haver dúvidas, o cliché ficou esclarecidíssimo. Mas, como digo, é possível que isto tenha sido tudo feito de propósito, e que o filme seja precisamente uma inteira paródia a um certo estilo de vida que, à partida, é considerado "alternativo", mas que na verdade não é. Não sei, a minha vã filosofia não alcança.
Num artigo muito interessante que se lê aqui, discute-se o facto de, no cinema americano, as questões de classe serem hoje em dia o que antigamente eram as questões de raça. Muito possivelmente, isto faz sentido. Estranhamente, a sensação que às vezes tenho é que podemos progredir muitíssimo ao nível de  liberdade, igualdade, fraternidade para que, como se diz num outro grande filme, tudo fique na mesma. É pena, mas eu devo estar errada, e espero bem que sim.

3 comentários:

Anónimo disse...

Interessante. Outro aspecto que noto: as próprias famosas negras andam a "embranquecer-se". A última notícia da Beyonce gira em torno dela estar branca, que está. Não sei o que fez mas a pele, que já vinha a ficar clara, está mesmo clara e ela, ainda para mais loira e com cabelo lisa está igual a uma mulher branca. Não se trata de photoshop porque é uma foto de paparazzi e acho "incorrecto" que passem essa imagem para os mais novos. Trata-se de uma mulher de sucesso, com talento, não percebo o porquê da mudança de tom de pele. Vergonha?! Acho preocupante. Tal como acho preocupante as mulheres brancas de LA que querem ser todas iguais: botox, implantes, etc. Acho que a indústria de Hollywood é muito mais que isso.

Rita Maria disse...

Muito, muito interessante, até mais a tua análise que o texto. Mas eu acho que é mais preguiça narrativa: se há um pobre, o espectador sabe que deve interpretar tudo à luz dessa pobreza. Até com a classe média se dá o mesmo. Só o rico, jovem, branco e bonito funciona como tabula rasa.

Rita F. disse...

Eu também tenho notado isso, que há uma tendência para unificar tudo no mesmo tom de pele, mesmo cabelo, etc. Acho uma grande pena e pobreza de espírito (espírito estético, já para não falar no outro).

Rita Maria, concordo plenamente. De facto, esse estereótipo de que fala funciona como tabula rasa - o resto são acrescentos que lá estão para que, propositadamente, reparemos neles.