terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A causa do pessimismo

Quando penso na vida em geral, e na minha em particular, chego à conclusão de que aquilo que me faz adoptar, quase inconscientemente, uma perspectiva algo desiludida e lúgubre face ao pacote casamento + filhos + monovolume + construir vivenda + mulher-a-dias (opção "cão" depende do tamanho do jardim e encargos financeiros acrescidos) não é o número de divórcios sempre em flecha, não são as histórias terríveis de casamentos que nasceram tortos e ainda mais tortos acabaram, não é o tédio de ver famílias inteiras em centros comerciais, não é ver criancinhas de quatro anos aos gritos, que ainda não comem com garfo e ainda dizem "proquê", para grande deleite dos adultos, que não as corrigem e as vão deixar cometer erro atrás de erro, alguns bem mais graves do que aqueles que respeitam à mera ortografia portuguesa, para o resto da vida. Não. Não é nada disto. Aquilo que me faz torcer o nariz, com algum receio, ao pacote casamento + extras (incluindo a opção "férias") explica-se com uma leitura muito antiga, de há muitos anos, e que é esta:



Querida Alice Vieira, que escreveu um livro para mim inesquecível, Viagem à Volta do Meu Nome, em que um rapaz chamado Abílio, que tem uma família só de Constanças, detesta tanto o nome próprio que decide passar a chamar-se Luís, partindo numa divertida e interessante viagem de auto-descoberta, dizia, a querida Alice Vieira, que eu ainda hoje adoro, que é ainda hoje das escritoras mais importantes do meu universo, a querida Alice Vieira conseguiu escrever este livro do El-Rei Tadinho, que goza descaradamente com os contos de fadas (os mesmos que eu tanto aprecio), desconstrói todos os lugares-comuns tão doces e fofinhos a que estamos habituados (mormente o "felizes para sempre"), e conseguiu assim, alegremente, destruir todas as expectativas que eu poderia acalentar de alguma felicidade doméstica.
Se eu tivesse lido El-Rei Tadinho mais tardiamente, com certeza apreciaria apenas o seu inesgotável humor, as situações caricatas e engraçadas, o grande jogo de referências e desconstrução face aos contos de fadas tradicionais. Como o li muito, muito pequena, aquilo que aprendi, com alguma angústia, é que as princesas (ou as fadas) louras e de olhos azuis casam com o rei (Tadinho, neste caso), mas depois não vivem felizes para sempre, nas lonjuras do seu castelo mágico, rodeadas por aias de vestidos compridos e gorduchos bebés de cabelo aos caracóis. Não - estas princesas casam-se, mas depois têm de lavar fraldas e limpar a casa, a mãe das princesas vive com elas e com o marido e faz sopa de feijão encarnado, o rei levanta-se todos os dias muito cedo para ir para o escritório, chega a casa cansado, o que faz na vida é trabalhar e ter filhos e mal tem tempo de prestar atenção ao resto.
De modo que aprendi, cedo de mais, uma lição que só deveria ter aprendido mais tarde, quando tivesse idade para perceber que os contos de fada são só ficção. Na idade em que deveria ainda aspirar a ser como a Bela Adormecida ou a Branca de Neve (embora sem a maçã), já eu sabia que lavar fraldas (hoje em dia são descartáveis, pronto; este problema está resolvido) e fazer sopa não é assim tão interessante. Pelo menos, o El-Rei Tadinho e respectiva esposa, a fada loura, não pareciam terrivelmente felizes. O "para sempre" passou-lhes ao lado. E este exemplo do casal infeliz, numa história para crianças, gerou um pessimismo em mim que não é muito agradável, mas que existe.
A Alice Vieira é responsável por grande parte do meu pessimismo, o que afecta seriamente a minha vida, e por isso, qualquer dia, ainda hei-de ajustar contas com esta senhora. Apesar de continuar a gostar muito dela. O que cria um dilema. O que, por sua vez, cria outro problema para eu resolver.
A minha vida é assim, só agruras.

6 comentários:

lenor disse...

Nós só fazemos, ou não fazemos, o que há para fazer sem ninguém nos mandar (ninguém nos mandar=sem nos sentirmos pressionados) por termos vontade de as fazer. Umas pessoas nascem com umas vontades, outras com outras, e depois pela vida fora lá se vão adaptando, ou não, ao que tem mesmo que ser e ao que não pode ser de maneira nenhuma.
Há pessoas que desde pequenas fazem sempre a cama, porque o natural para elas é fazer a cama, e outras que nunca a fazem, porque o natural para elas e não fazer a cama.
Pronto, Rita, já que assim é, deixa andar. E escreve, que o que escreves é bom de ler.
:)

lenor disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
lenor disse...

Eu disse o que disse porque o motivo da falta de vontade que presentemente mostras não pode ser só do livro que leste ainda muito pequena. Qual é o efeito que neste mundo terá só uma causa???

Conde-Lírios disse...

Pronto, lenor, não perguntes à Rita se quer causar contigo que ela atira-te com o peso todo da Alice Vieira para cima e olha que o efeito não deve ser bonito de ser ver:-)

lenor disse...

Eu sei que sou chata e enjoada, mas achas que exagerei, Conde? Tenham esperança que tenho uns dias melhorzinhos em que não se nota tanto.
:)

Rita F. disse...

Eh, eh, estes comentários estão bastante engraçados. :D