terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Muito obrigadinho, muito obrigado


Há um disco mítico da minha infância que se chama Jardim Jaleco, de Carlos Mendes. (e que, indecentemente, e tanto quanto sei, nunca foi lançado em CD; infelizmente, o vinil que eu tinha, parafraseando o grande Herman, "viste-lo? Era o visteze-o").
O Jardim Jaleco era sobre uma ida ao jardim zoológico, conduzida pelo Guarda Ezequiel, e em que cada animal cantava a sua cantiga. Ainda hoje me recordo do Elefante D. Henrique que tinha um amigo que era cão e se chamava Diogo (insuperável), da Serpente Serafina, uma das minhas preferidas, mas, acima de tudo, o que recordo com muita saudade, à boa maneira portuguesa, é a música do crocodilo, o Casca-Grossa, que era fadista.
Esta musiquinha é de um humor imbatível, e só consigo perceber isto agora, com esta idade avançada que tenho. Na altura, como o crocodilo Casca Grossa era fadista e eu não gostava nada de fado, não apreciava muito o que ele cantava, embora soubesse a canção de cor. E ainda hoje sei, e por isso lhe acho tanta graça. O Casca-Grossa queixava-se de que as pessoas andavam atrás dele para fazer sapatos e malas com a sua bela pele, e ele, na mais apurada voz de Alfama, cheia de trejeitos, rematava com: "mas eu não me rendo, só pretendo a igualdade! Sou casca grossa, mas nunca pus a pata na poça!"
Lin-do. A "igualdade" e a "pata na poça" são demais para mim e ainda hoje me fazem rir desalmadamente ao recordar o crocodilo fadista. E o melhor ainda era mesmo no fim da canção, em que o público, igualmente à boa maneira portuguesa, se desfazia em palmas e gritos de "eh, fadista!", para receber do Casca-Grossa um sentido agradecimento: "muito obrigadinho, muito obrigado. Muito obrigadinho, muito obrigado". Foi o meu primeiro contacto com o humor conseguido através das frases feitas, das convenções da linguagem, e por isso continua bem presente na minha memória.
Acho que o Casca-Grossa e o Tal Canal são, ainda hoje, as grande fontes de humor que adoçam a minha vida (é piroso, mas é verdade). O que reforça uma teoria que eu tenho, que acalento e continuarei a acalentar, e que é: as crianças têm de ser expostas ao bom humor desde tenra idade, ainda que nem sempre o percebam ou achem graça. Eu não achava graça ao Casca-Grossa, e agora adoro. Também não percebia muito bem o Tal Canal (nem a Marilu eu conseguia compreender bem), e agora não passo sem a minha edição especial em DVD. Também não entendia nada, mas é que mesmo nada, do Flying Circus dos Monty Python que passava na RTP, e agora passo a vida no canal dos Monty Python no YouTube. É assim, a vida muda, os gostos discutem-se, e as referências que trazemos da infância acabam por ser fundamentais no nosso (bom) humor.
Saber rir é das coisas mais compensadoras que existe. Tão bom como o Côte D'Or Truffé Noir. Ou quase tão bom.

6 comentários:

Conde-Lírios disse...

ah, e também os The Goodies bem como o incomparável "Os amigos do Gaspar":-)

Rita F. disse...

"É tão bom uma amizade assim, ai faz tão bem saber em quem contar!" Lindo. Que boa memória. (sem falar do "sói-ó-tói" do Manjerico...)
:)

ecila disse...

Eu e a minha irma sabiamos as letras de cor, e cantavamos e riamos, muito bom :)

Rita F. disse...

Ecila, também ouvias o Jardim Jaleco? Então, és uma "fellow jaleca", ah ah! Lembras-te da tal canção do Casca-Grossa?

ecila disse...

Sou jacaré, assim é que é, e gosto do fado... parece que estou a ouvir o fadinho he he
Como boa "fellow jaleca" tenho o disco vinil em Portugal muito bem estimadinho (espero) :)

Rita F. disse...

"...mas tratam-me mal e roubam-me a pele para fazer calçado. Mas eu não me rendo, só pretendo a igualdade. Sou casca-grossa, mas nunca pus a pata na poça!
Muito obrigadinho, muito obrigado, muito obrigadinho, muito obrigado..."
Ai, ai. O meu vinil, infelizmente, perdeu-se entre as brumas da memória, embora eu dele ainda sinta a voz.