segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Respirar fundo, acalmar, respirar fundo, acalmar.

Nota rápida para dizer que já não suporto, mas é que já não suporto, ouvir portugueses a dizer que os outros portugueses andaram anos a viver como lordes, acima das suas possibilidades, e agora que paguem as favas. É que não suporto. Ainda hoje, quando fui ao cabeleireiro cortar o cabelo à Jean Seberg, e me entretinha com uma revista, levei com a Margarida Rebelo Pinto lá escarrapachada, empinada em saltos altos muito bem compostos, a dizer que já vendeu mais do que um milhão de livros e que o Natal lhe correu muito bem em vendas, deixando como "nota final" a justa, justíssima observação de que ah e tal, o português tem de deixar de viver como um lorde.
Eh pá. Eu não vou escrever muito porque fico de tal modo alterada que perco o parco poder de argumentação que tenho, mas gostava exactamente de saber de quem é que se está a falar quando se faz referência a este português que andou a viver que nem lorde. É ao português desempregado? É ao português que tem de pagar todos os anos os livros da escola dos filhos e só arranja dinheiro para isso se pedir ao banco? É ao português que ganha o salário mínimo? É ao português iletrado? É ao português que tem de escolher se compra comida ou medicamentos? É ao português que perdeu o emprego, é casado com outro português que também perdeu o emprego, e que agora não sabe como é que vai sustentar os filhos? É ao português que não consegue pagar renda? São estes portugueses todos, que são a maior parte dos portugueses, que andaram estes anos, obviamente, a viver de barriga cheia, a rir descaradamente da miséria dos outros enquanto se empanturravam, dizia, são estes portugueses que provocaram a crise e que têm agora de amargar? Pois, devem ser.
Mas quem sou eu para falar, se eu até vou ao cabeleireiro. Ando a viver que nem uma lady, rotunda, bojuda, de pança burguesa, a rir-me da miséria do país.
Respirar fundo... respirar fundo, que não me posso enervar. Amanhã é dia de trabalho. Sim, vou trabalhar porque não posso ficar em casa que nem uma lady, como fazia dantes. Dantes, quando eu era uma lady.
Respirar fundo. Respirar fundo. Acalmar. 
Sabe que mais, Srª D. Margarida Rebelo Pinto? Deixe a senhora de viver como um lorde. E aproveite e cale-se, mas é.
Boa noitinha.

Adenda: demorou algum tempo mas já percebi, ela estava a falar do Cavaco, coitado. Desculpe lá, sôdona Margarida. 

1 comentário:

Paula disse...

E se o português não vivesse como um lorde, como é que comprava os livrinhos da Tia Guiducha e lhe dava um Natal tão bom? Se bem que o português que lhe compra os livros é mais lorpa do que lorde...