sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

E ao pó voltaremos

Comecei a gostar de Rita Hayworth em pequena, porque tinha o mesmo nome do que eu. Lembro-me de que gostava muito dos cabelos dela, ruivos e bem ondulados. Mais tarde, soube que tinha, como se diz, encetado todos os esforços para se tornar estrela de cinema - aprendeu a colocar a voz, teve aulas de dicção, sujeitou-se à depilação da altura para se livrar dos cabelos que lhe encurtavam a testa e ficar com um sobrolho mais livre e alto, mais saxónico, como exigia Hollywood (e provavelmente ainda exige).
Curiosamente, nunca vi Gilda. O único filme que vi até hoje com a Rita Hayworth foi o Lady of Shangai,  com o Orson Wells, e que adorei. 
No entanto, a memória mais viva que tenho dela não é propriamente um filme, mas um artigo que li, devia ser ainda mesmo muito pequena - era um artigo de uma revista que descrevia a vida da actriz e que retratava com algum pormenor a sua velhice (na altura, ela ainda estava viva). A única fotografia que a reportagem tinha era, precisamente, a de uma envelhecida Hayworth de mãos dadas com a filha, que aprendi ser a "Princesa" Yasmin (devo dizer que, na altura, o facto de Rita Hayworth ter uma filha princesa, o que claramente indicava um casamento com um príncipe, me pareceu consolo suficiente para a velhice de qualquer pessoa, actriz reformada ou não, mas eu na altura era assim, muito a puxar ao superficial - tentei combater esta maleita à medida que fui crescendo).  No tal artigo, dizia-se então, de forma muito indignada, que Rita Hayworth tinha deixado de fazer filmes pela única e simples razão de se ter tornado velha, e que Hollywood usava e abusava de jovens mulheres talentosas para depois as deitar fora, e que havia sempre trabalho para actores idosos, para actrizes idosas é que não. Eram rejeitadas, injustamente esquecidas - aka Norma Desmond.
Aquilo fez-me muita impressão. Mas como é que a Rita Hayworth, casada com um príncipe, mãe de uma princesa, podia ser descrita naqueles termos, como uma renegada, uma desempregada falhada, uma pessoa esquecida por antigos amigos, amantes, enfim, pelo mundo inteiro? Era triste, mas parece que era verdade, como é também triste a famosa frase proferida por Hayworth e já repetida até à exaustão - "os homens vão para a cama com a Gilda e acordam comigo". Desilusão.
Estas histórias de actrizes esquecidas, Glorias Swansons, Ritas Hayworths, Garbos, a própria Bette Davies com aqueles olhos, aquela voz deliciosamente maldosa., são tanto mais trágicas quanto mais forte e exagerada é a mitologia que as rodeia - os olhos, a voz, os cabelos, o rosto, a presença, o filme em que ela fazia disto e daquilo e que foi visto por milhões de pessoas, uma iconografia montada para impressionar o indígena e que já não funciona quando se envelhece. 
Passando rapidamente à conclusão, que este post está a custar a escrever - rejeitados somos nós todos, de uma forma ou de outra, e, tal como uma actriz de Hollywood precisa que o público a adore para ganhar a vida, as pessoas mais normais também precisam do amor do mundo para sobreviver. O que acontece é que figuras como as de Rita Hayworth acabam por encarnar o próprio sofrimento da rejeição, ao terem de passar por um processo mais ou menos público de decadência, desalento, derrota.
Houve um fotógrafo cruel, Ted Leyson, que se dedicou a seguir a envelhecida Garbo pelas ruas de Nova Iorque, tirando-lhe fotografias à sucapa (ou talvez não tão à sucapa):



E ela que só queria estar sozinha. 

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