Bem, há tanta coisa de que eu gosto, ou aprecio muitíssimo, na língua portuguesa que às vezes até fico desorientada.
Dizer "desgracei-me", por exemplo, em vez de dizer "o dia correu-me mal".
Dizer "estou desgovernada" ao invés de "desnorteada". Embora "desnorteada" também tenha a sua graça.
No entanto, há duas coisas que, ultimamente, e puramente a nível pessoal, têm estado no topo "no que concerne" (expressão espectacular) ao potencial expressivo-cómico do português: o sufixo -ex e a expressão "mal qual é o mal?".
Dois breves exemplos para ilustrar cada uma destes encantadores recursos linguísticos:
"P'ra frentex". Uma pessoa ser pra frentex é, de facto, enfim, ser muito à frente. Mas a beleza do -ex (ex sufixo, que se for prefixo o caso muda mesmo de figura e deixa de ter tanta piada - arre, que o português consegue ser tramado com estas bizantinices todas. Olha, outra: bizantinice. Mas continuando, senão nunca mais saio daqui), dizia, a beleza do -ex é que pode ser aplicada a situações de vário tipo e de vária ordem. Ainda noutro dia perguntei ao meu pai, "então mas isso foi dito assim à vontade?", ao que o meu pai respondeu "assim, à vontadex, à frente de toda a gente!". Ri-me imenso com isto. É a beleza da nossa língua - quanto menos se espera, o português tem sempre qualquer pormenorzinho reservado para nos fazer rir. É uma espécie daquilo a que agora os restaurantes chamam "amuse bouche".
Quanto ao "qual é o mal" - há um filme de Woody Allen, "Deconstructing Harry", do qual gosto muito. O fime é sobre Harry, um escritor, e é entrecortado por histórias que ele escreveu. Numa dessas histórias, há uma senhora já idosa que, numa festa, e por via de uma amiga que ouviu de outra amiga que conhece não sei quem, descobre que o seu marido, com quem vive há décadas, teve outro casamento antes de se casar com ela, matou a primeira mulher e os filhos e comeu-os para não deixar provas. A senhora vai para casa muito agastada, irrita-se com o marido, serve-lhe o jantar com maus modos e quando o marido lhe pergunta o que se passa, ela grita-lhe que ele foi casado antes e que matou a mulher e os filhos e ainda os devorou e tudo. E chateia-o e chateia-o até que ele, que tem uma dor de cabeça e quer é jantar em paz, se vira para ela e exclama: "comi-os, pois foi! E qual é o mal?"
Não me lembro bem, mas acho que a senhora não tem resposta para isso. A beleza desta expressão é que não admite grande resposta. Uma pessoa encolhe os ombros e pergunta "qual é o mal?", genuinamente à espera que lhe expliquem, mas quem a acusa não lhe consegue bem explicar, porque está à espera que o tal "mal" seja óbvio e que a outra pessoa já perceba de antemão.
E pronto. Eu própria também não consigo explicar mais do que isto, e portanto vou parar, que sinto que o post está a descambar. Não ficou muito bem - mas qual é o mal?
2 comentários:
mas este post fez-me lembrar um filme em que ela era uma prof. universitária que vestia como uma megera, até a chegada de Jeff Bridges, 37 anos mais novo e a fazer um Erasmus.
Fez parte do despertar dele reparar na maneira como ela seleccionava a "perfect bite" equilibrando proteínas e carbonos na mesma garfada.
Este post tem tudo: gastronomie, cinema, amigas, linguística, família, é o "perfect read", tal como há "feel good movies", "feel good posts".
Mas continuo a achar que a Barbra encarna uma certa América profunda e republicana. Meio Paco Bandeira, a barbra é o Paco americano. Sendo que a Liza Minelli é o José Cid, e a Grace Slick é o Paulo Gonzo. Confusa? também eu...
Também não gosto nada dessa Barbra. "Não vou à bola" com ela, como se costuma dizer engraçadamente. Acho que vi esse filme com o Jeff Bridges e fiquei com pena, porque adoro o Jeff e o filme é uma bela bodega.
E aquele outro filme que ela fez com o Robert Redford que as pessoas adoram e que se chama não sei quê "como nós éramos" e onde ela canta aquele Memories? Vi cinco minutos desse filme e mudei de canal. Mas que pepineira.
Bom. Isto para dizer que não estou a ver a Grace Slick como Paulo Gonzo! É porque eu gosto imenso da Grace nos Jefferson Airplane. Mas é que gosto mesmo, e de Paulo Gonzo não gosto nada, iiiiic, portanto.
Enfim, cada um é como cada qual e gostos são gostos, como diplomaticamente também se diz.
Enviar um comentário