segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Problemática do pijama e seus derivados

Tenho um problema com uma peça de roupa em particular, e que é "o" pijama. Nunca acerto com pijamas. Só os encontro grandes demais, ou pequenos demais, bonitos demais, ou feios demais, caros demais, ou baratos demais. Nunca encontro pijamas com conta, peso e medida. São sempre desmesurados. É um tormento. Passo noites em grande desconforto, ainda por cima agora, que está frio, o saco de água quente esfria, e lá fico eu apertada na camisolinha fina demais, ou a nadar no camisolão, tão distante da minha pele que não aquece.
No fundo, não era nada disto que eu queria falar. Queria apenas uma oportunidade para me referir a peças de roupa como no catálogo da La Redoute - "o" pijama, "a" bota, "a" camisola, "o" camisolão" e (esta é a minha preferida), "a calça".
Se há hábito linguístico que não me agrada é este último - dizer "a calça" ao invés de "as calças". Umas calças têm duas pernas. Eu acho que se deve dizer "as calças".
Para rematar e para concluir "o" post perfeitamente inútil, apenas relevar que eu, ao contrário de todas as outras pessoas que disso se queixam, gosto bastante de receber o pijama como prenda de Natal. Também não me importo se me oferecerem a quente pantufa. E já agora o fofo roupão. É isto.

Post clubístico


Sempre achei que Soren Kierkegaard era um homem com muitas coisas interessantes e acertadas sobre a vida, nomeadamente no que respeita à multidão e às massas. Segundo Kierkegaard, a verdade não está na multidão, mas sim no indivíduo - a multidão mente.
Humildemente, concordo com Kierkegaard. Concordo, mas com limites. Há alturas em que a multidão não mente, e tenho um exemplo muito claro - o jogo de ontem, Benfica vs Porto, no Estádio da Luz. Foi todo um ritual que muito aprecio - cachecol vermelho ao pescoço, estádio, "SLB, SLB, SLB" em uníssono, golo aos vinte e tal minutos, euforia, bife à Portugália no fim.
Quando estas actividades ritualísticas e em massa terminaram, e quando finalmente me vi livre da multidão, senti-me muito bem e muito reconfortada. Embora seja sempre fundamental regressar ao colo da nossa solidão, há momentos em que a multidão não mente. De vez em quando, lembra-se de dizer a verdade.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Rebelde ma non troppo, a bem da moral, ó faxavôr

No Reino Unido, há uma campanha, com grupo no facebook e tudo, que tenta que Killing in the Name, dos grande Rage Against the Machine, seja o número 1 de downloads do Natal, ao invés da cançãozita do palerma anódino qualquer que ganhou o X-Factor, convenientemente, nestas últimas semanas, em que anda tudo a gastar o salário em prendas.
Os Rage gravaram uma entrevista para a BBC, sessão onde também tocaram Killing in the Name, que já é dos anos 90. Acontece que esta música termina com um repetido "fuck you, I won't do what you tell me", rebeldia que a BBC considerou ser um bocadinho, digamos que , despropositada (segundo a tola da locutora, "nós tínhamos pedido à banda para não dizer isto!", pegando depois do seu chinelo de salto alto para lhes dar tau-tau). É assim, uns lutam pelo direito à ofensa, outros, como a estimada BBC, tentam poupar os nossos delicados ouvidos à dita ofensa.
De qualquer forma, os Rage Against the Machine já fizeram saber que ficam muito felizes por ter sido a sua música a escolhida para, de alguma forma, combater a piroseira comercialona e vazia que é a música "pop" dos dias de hoje, Mariahs Careys e quejandos (sinceramente, não me consigo lembrar de tipa com menos dignidade e valor para a música do que esta Mariah Carey. Consegue ser pior que a Celine Dion, outra cidadã de voz retinta cheia de fru-frus exagerados que até arrepiam de medo). Disse o guitarrista Tom Morello (que, a solo, tem um disquinho muito interessante, The Nightwatchman):

...the internet campaign "tapped into the silent majority of the people in the UK who are tired of being spoon-fed one schmaltzy ballad after another". (tirado daqui)

Não só no Reino Unido, diria eu. O que acontece é que, em Portugal, o top de singles e discos (mesmo o de downloads), que é o caso aqui, é indiferente a quase todos, ao passo que em Inglaterra ainda mantém a notoriedade, de modo que conseguir levar uma canção como Killing in the Name ao topo assume uma relevância que cá, provavelmente, não teria.
Apesar de os Rage Against serem também uma banda que precisa, e com certeza quer, promoção e dinheiro, nunca enriqueceram de forma absurda (tanto quanto sei), mantiveram sempre uma faceta clara de rebeldia e optaram por um percurso mais underground, menos exposto, do seu trabalho. Gostei de saber desta iniciativa de levar ao número 1 o Killing in the Name, com o seu veio quase violento, anti-Establishment, para derrotar nos tops a músiquinha anódina, produzida em série e empacotada, que normalmente se consome.
Espero que o Killing in the Name ganhe. Deixo aqui o vídeo de os Range censurados pela BBC. É apreciar.

Dizer não ao feio

Depois de uma semana um tanto ou quanto desconcertante e muito dificultosa, em primeiro lugar devido ao muito trabalho, em segundo lugar devido à situação desconcertante com o tremor de terra (que me fez acordar espavorida, a pensar que era o Exorcista a sacudir-me a cama ("the power of Christ compels you! the power of Christ compels you!"), mas não, afinal era só um sismo. Aliás, foi isso mesmo que eu pensei - "ah, não é nada o Exorcista, é só um terramoto. Volta a dormir, que está tudo bem". E adormeci mesmo), dizia, depois desta semana, chego à conclusão de que o Natal é já para a semana e que os Pais-Natal nas varandas são terrivelmente feios. Por acaso, concordo com aquela campanha do Menino Jesus, bem mais bonito e fofinho, como se quer no Natal.
Toda esta problemática esteticamente reprovável do boneco do Pai-Natal pendurado na varanda fez-me lembrar outras coisas igualmente reprováveis, como roupa pendurada na janela. Tenho um único vizinho que faz isto, quando todas as outras pessoas secam a roupa na varanda, ou em casa, ou sei lá onde elas secam, secam nalgum lado que eu não sou obrigada a ver. Este vizinho, que ainda por cima não vive nos andares mais altos, deixa as cuecas todas ao léu, os lençóis de flanela, as camisolas, tudo ali despudoradamente exposto, a secar sem quaisquer pruridos. É extremamente feio.
O que me conduz a uma questão que decorre directamente desta. Toda a gente tem o direito de se ofender por tudo e por nada e, hoje em dia, toda a gente se habituou ao seu direito de ser ouvida e considerada na sua ofensa, ainda que esta seja completamente indiferente e não interesse a ninguém (nem ao tal Menino Jesus, rival do Pai Natal). Portanto, eu estou aqui para me insurgir e para me ofender contra aquilo que eu acho ser feio, esteticamente inaceitável, ofensivo para os meus pobres olhos.
Boneco do Pai-Natal na janela.
Roupa pendurada na janela.
Bebés com as orelhas furadas.
Bebés com pulseiras.
Bebés com qualquer tipo de jóia ou fita no cabelo (cabeça, porque cabelo eles não têm muito, ainda por cima).
Vivendas geminadas.
Jardins de vivendas com fontes, ou estátuas de meninas, meninos, leões, enfim, todo o tipo de estátua.
Descampados.
Prédios sem varandas.
Martim Moniz (a zona de Lisboa, não o senhor, coitado).
A voz do Eduardo de Sá (peço desculpa a quem tem este senhor em consideração, mas para mim não dá).
Eucaliptos vistos da autoestrada.
Salas com azulejo até meio da parede, e depois parede de estuque até cima.
Quadros da Última Ceia.
Aquelas caixas esquisitas que servem para guardar o pão e que as pessoas às vezes têm na cozinha.

Eu podia continuar. Mas é Natal e prefiro tentar algum optimismo.
No entanto, levanto a questão de lançar um abaixo-assinado contra a estética ofensiva, já que os nossos olhos merecem algum refrigério e motivos para sorrir.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Imperfeições.

Gosto de imperfeições. Acho que as imperfeições são ainda mais bonitas do que a perfeição, porque exigem atenção ao pormenor, exigem conhecimento atento de qualquer coisa ou de alguém.
Capelas Imperfeitas.
Dentes tortos.
Sinais.
Narizes grandes.
A Vénus de Milo sem braços.
Um olhar ligeiramente estrábico.
Cabelos quase espigados.
Pessoas quase gordas (gordura é formosura).
Singularidades de raparigas (louras ou não).
Corvos, desajeitados e anafados em terra, mas daquele negro brilhante quando voam.
A mão demasiadamente grande do discípulo à esquerda de Jesus Cristo, na Ceia em Emaús, de Caravaggio.
As unhas sujas de Baco, no quadro de Caravaggio.
Caravaggio é o pintor da imperfeição, para mim (eu, que sou assim super especialista em pintura). Adoro este indivíduo.


A imperfeição é mesmo uma perfeição, não é? Eu acho que sim.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Pessoa-cão

Costuma dizer-se que há pessoas-cão e pessoas-gato, dependendo do animal de estimação que preferem.
Não tendo nada contra gatos, que têm a sua piada, eu gosto principalmente de cães. Deixo aqui dois exemplos de cães, um francês e outro português, sem os quais não gostava nada de ficar, pois são muito bons cães.




Que queridos.

Olá, o meu nome é Rita e sou viciada


Ainda por cima com mais do que idade para ter juízo. O que, lamentavelmente e como se demonstra, não tenho.
Que vergonha.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Arrumações


Vou hoje começar uma tarefa épica, e que é re-organizar e re-arrumar a minha estante. O problema é que, neste momento, a estante é um mar de incongruências que me enervam, porque não gosto de ver livros em locais onde eles não fazem sentido. Por exemplo, tenho o Livro de Cesário Verde junto de umas edições muito foleiras do Guerra e Paz, daquelas da Europa-América com uma fotografia na capa de uma série de televisão dos anos 80 manhosa, e provavelmente com o texto traduzido do francês. É atroz, é um desrespeito para o Cesário e além disso dificulta-me a vida, porque, apesar de a minha estante não ser assim tão grande, não consigo encontrar os livros que quero com a eficiência necessária (noutro dia, por exemplo, até pensei que tinha perdido a Filosofia da Alcova do grande Marquês de Sade, e eu que gosto tanto do Divino Marquês, apenas para descobrir que não, afinal estava para lá metido entre as irmãs Brontë e o Shakespeare - embora, pensando nisso, talvez até faça algum sentido. Tenho ideia de que o Marquês de Sade apreciaria as malucas das irmãzinhas Brontë, se as tivesse conhecido).
De modo que decidi mudar esta grave situação, começar de novo e re-organizar a estante. Sinto-me um verdadeiro John Cusack no Alta Fidelidade (no caso dele, eram discos), e estou agora a ponderar os critérios que deverão presidir à re-organização dos livros. John Cusack optou pelo critério autobiográfico, que, em princípio, vai ser o critério que eu vou seguir também. Em vez de arrumar livros por género literário, vou socializar com os meus livros e arrumá-los pela ordem em que eles entraram na minha vida. Parece-me uma coisa muito acertada, não obstante ter perdido e emprestado livros importantíssimos. Mas isso também faz parte dos livros, perderem-se, emprestarem-se, andarem de mão em mão como as pombinhas da Catrina.
Acho que vou deixar espaços vazios na estante para os livros que perdi. Não tenho pena, porque sei que eles andam por aí.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Com uns pós modernos nada complicados sentimo-nos realizados

Devo dizer que, não sendo uma pessoa assim de se dar, e nunca podendo, portanto, proceder ao engate nos termos em que o brilhante Variações o descreve ("um momento em que me dou, em que te dás" - pois, isto para mim não dá, mesmo), continuando, não sendo uma pessoa de me dar, esta minha característica anti-social horrível e triste transparece nas chamadas redes sociais, em que o conceito de "networking", talvez um daqueles que mais abomino e, confesso, pelo qual tenho até um certo desprezo, assume uma importância fundamental. Mormente no facebook.
Dantes não gostava do facebook, mas agora até gosto. Gosto especialmente da parte em que podemos pôr notas, porque eu nunca fui organizada o suficiente para ter um caderninho com poemas e textos de que gosto, e o facebook dá-me a oportunidade de o fazer, com a vantagem de que os amigos podem ver, comentar e discutir ideias comigo, se também gostarem, ou não, daquilo que eu publico lá. Gera-se uma espécie de converseta de café, que é das conversetas que eu mais aprecio nesta vida. No entanto, desconheço por completo as regras de etiqueta do facebook, o que é coisa que me agasta, porque eu, além de ser uma pessoa com a faceta horrível do anti-social, também tenho um bocado a mania de gostar de saber regras (comportamentais, linguísticas, de cortesia, etc.). É uma idiossincrasia minha. E o facebook deixa-me um bocado à nora, especialmente com pessoas que vejo menos na vida real e com quem acabo por me encontrar mais no mundo artificial do facebook. Há pessoas que eu acho uma simpatia no facebook, e com quem conversei mais na internet do que na vida real. Mas, na tal vida real, quando calha encontrar esta gente, verifico que a proximidade online não significa nada. Conhecer alguém online situa-se ali num estado intermédio estranhíssimo, uma espécie de limbo entre um perfeito desconhecido e um mero conhecido. De modo que eu nunca sei como agir . Trato as pessoas por tu? Não trato por tu? Elogio os posts e conversas interessantes do facebook e quejandos, ou finjo que nunca aconteceram, por revelarem uma intimidade que, na vida real, pura e simplesmente não existe? É tal e qual como na cançãozinha dos grandes GNR - "com os pós modernos nunca ganhamos, mas também nada investimos". De modo que estas pessoas do facebook, nas quais nada da minha vida se investe, a não ser algum tempo, mas eu sou uma pessoa com tempo, são uma espécie de seres virtuais, estranhos fantasmas cujo rosto muda à medida que as pessoas actualizam o perfil e mudam fotografias, e que têm sempre representações diferentes para mim (da mesma forma que eu tenho para elas, com certeza).
E nem vou entrar na complicada tarefa de adicionar amigos ou "cancelar" ou "desadicionar" amigos. Isto, então, é uma verdadeira estratégia, com os prós e contras que só os meandros do tal networking é que conseguem decifrar. Eu costumo ter muita vergonha para pedir às pessoas para serem minhas amigas. Parece que estou outra vez a viver os tempos do colégio, em que (isto passava-se no meu colégio, que talvez fosse um local bizarro; não sei como era noutras escolas), continuando, no meu colégio, as meninas (os rapazes eram mais despachados), se gostavam do vestido ou da boneca da outra, chegavam-se ao pé dela e diziam timidamente: "vamos ser amigas?". E era assim, adicionava-se logo ali uma amiguinha. Eu acho que o facebook também se processa de modo similar, e por isso refreio-me um bocadinho de fazer isto, pedir aos outros "queres ser meu amigo?" - acho, digamos que, intrusivo, embora saiba que não é. É cada vez mais normal.
Enfim. Sou um bocado conservadora. Mea culpa, muita expiação e arrependimento.
O que vale é que eu só tenho cinco amigos no facebook. Se tivesse mais, queria ver como era. Escrevia um tratado filosófico sobre estas temáticas interessantíssimas e mandava ao Eduardo de Sá, esse animal da psicologia, para ele dar a sua opinião. Que beleza que havia de sair dali.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Perdida


Os meus vizinhos mudaram, há pouco tempo, a porta de entrada e o tapete. Isto quer dizer que eu saio do elevador e vejo uma porta desconhecida, um tapete desconhecido e, à míngua de outros elementos de identificação, fico sem saber se aquele é mesmo o meu andar ou se, por acaso, me enganei no botão do elevador e saí no andar errado. Fico ali parada, a interrogar-me se hei-de meter a chave à porta e ter a sorte de ser mesmo a minha porta, ou se tento arrombar a porta de outra pessoa, que depois pode chamar a polícia e é uma chatice.
O caso tornou-se ainda mais grave quando pintaram os prédios do meu bairro todos de igual. Agora, fico à nora para saber qual é o meu prédio. Noutro dia, entrei num edifício que parecia o meu, com um elevador que parecia o meu, e subi para o meu andar. Pus a chave à porta, abri-a, mas quando entrei no apartamento pensei que a minha casa tinha sido invadida por extraterrestres. Da cozinha saía um cheirinho reconfortante de carne assada. Na sala, a televisão mostrava desenhos animados. A estante, em vez de livros, tinha bibelots e fotografias de criança. Havia brinquedos espalhados pelo chão por todo o lado. Da cozinha saiu um homem gorducho, com barriga de cerveja, mais ou menos da minha idade mas meio careca, que me sorriu, disse estar a fazer o jantar e que o miúdo precisava de ir tomar banho. Naquilo que era o meu escritório já não havia escritório nenhum, mas antes um mimoso quartinho de criança, com uma cama coberta por um edredon fofinho onde um menino pequeno brincava com um peluche qualquer.
Percebi logo que me tinha enganado na casa, suspirei de alívio e fugi dali a sete pés. Quando ia a fugir, com todos os meus sete pés, e até oito se os tivesse, vi entrar no prédio uma senhora mais ou menos da minha idade, sem barriga de cerveja mas com franja de cabeleireiro. Voltei a suspirar de alívio. Ainda me enganei umas quantas vezes até dar com a minha porta, mas finalmente encontrei-a. Não tenho nenhum edredon fofinho nem hábito de fazer carne assada, mas ao menos na minha casa, sei com o que posso contar. Tenho é de a conseguir encontrar.

Muito obrigadinho, muito obrigado


Há um disco mítico da minha infância que se chama Jardim Jaleco, de Carlos Mendes. (e que, indecentemente, e tanto quanto sei, nunca foi lançado em CD; infelizmente, o vinil que eu tinha, parafraseando o grande Herman, "viste-lo? Era o visteze-o").
O Jardim Jaleco era sobre uma ida ao jardim zoológico, conduzida pelo Guarda Ezequiel, e em que cada animal cantava a sua cantiga. Ainda hoje me recordo do Elefante D. Henrique que tinha um amigo que era cão e se chamava Diogo (insuperável), da Serpente Serafina, uma das minhas preferidas, mas, acima de tudo, o que recordo com muita saudade, à boa maneira portuguesa, é a música do crocodilo, o Casca-Grossa, que era fadista.
Esta musiquinha é de um humor imbatível, e só consigo perceber isto agora, com esta idade avançada que tenho. Na altura, como o crocodilo Casca Grossa era fadista e eu não gostava nada de fado, não apreciava muito o que ele cantava, embora soubesse a canção de cor. E ainda hoje sei, e por isso lhe acho tanta graça. O Casca-Grossa queixava-se de que as pessoas andavam atrás dele para fazer sapatos e malas com a sua bela pele, e ele, na mais apurada voz de Alfama, cheia de trejeitos, rematava com: "mas eu não me rendo, só pretendo a igualdade! Sou casca grossa, mas nunca pus a pata na poça!"
Lin-do. A "igualdade" e a "pata na poça" são demais para mim e ainda hoje me fazem rir desalmadamente ao recordar o crocodilo fadista. E o melhor ainda era mesmo no fim da canção, em que o público, igualmente à boa maneira portuguesa, se desfazia em palmas e gritos de "eh, fadista!", para receber do Casca-Grossa um sentido agradecimento: "muito obrigadinho, muito obrigado. Muito obrigadinho, muito obrigado". Foi o meu primeiro contacto com o humor conseguido através das frases feitas, das convenções da linguagem, e por isso continua bem presente na minha memória.
Acho que o Casca-Grossa e o Tal Canal são, ainda hoje, as grande fontes de humor que adoçam a minha vida (é piroso, mas é verdade). O que reforça uma teoria que eu tenho, que acalento e continuarei a acalentar, e que é: as crianças têm de ser expostas ao bom humor desde tenra idade, ainda que nem sempre o percebam ou achem graça. Eu não achava graça ao Casca-Grossa, e agora adoro. Também não percebia muito bem o Tal Canal (nem a Marilu eu conseguia compreender bem), e agora não passo sem a minha edição especial em DVD. Também não entendia nada, mas é que mesmo nada, do Flying Circus dos Monty Python que passava na RTP, e agora passo a vida no canal dos Monty Python no YouTube. É assim, a vida muda, os gostos discutem-se, e as referências que trazemos da infância acabam por ser fundamentais no nosso (bom) humor.
Saber rir é das coisas mais compensadoras que existe. Tão bom como o Côte D'Or Truffé Noir. Ou quase tão bom.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Shakespeare dá jeito: all the world's a stage and all the men and women merely players


Queria escrever sobre Synecdoche, New York, o filme de Charlie Kaufman que vi há pouco tempo, mas acho que não consigo. Gostei muito do filme, mas não sei bem porquê. É um filme triste sobre um indivíduo solitário, egocêntrico, feio, incapaz de cumprir o seu desígnio artístico. Não é, verdadeiramente, um artista, é um diletante que se esforça, até aos limites do possível e da depressão, para conseguir criar algo. Porém, nunca consegue. A sua vida é absolutamente infrutífera - de tal modo que, apesar de ter duas filhas, não tem com elas qualquer relação de amor ou proximidade. É um deserto estéril, sem relações humanas profundas que consigam medrar.
É um filme algo deprimente, portanto. Contudo, é também um filme doce, engraçado e inteligente, com um enredado de ficção dentro da ficção que nunca mais acaba e que delicia o espectador, ocupado que fica a tentar perceber aquilo tudo.
Os filmes escritos por Charlie Kaufman centram-se sempre na questão das fronteiras entre a realidade e a ficção e onde é que essas fronteiras se estabelecem. Este Sinédoque leva esta questão até ao limite e quase afirma que não há fronteira nenhuma, que a realidade e a ficção são, em última instância, a mesma coisa. É interessante pensar sobre isto porque, também no limite, a nossa vida é sempre uma ficção vivida pelas várias "personas" que criamos para representar esta ou aquela situação, uma sucessão de duplos de nós próprios que vamos criando a cada momento, para nos adaptarmos ao que nos é exigido pelo exterior. De modo que a nossa identidade não é mais do que isso, uma série de máscaras que nos convêm em contextos diferentes, e que, quando as retiramos, vemos que afinal não está lá nenhum rosto oculto, só mesmo a máscara.
Que bodega de post. Mas queria mesmo escrever sobre Sinédoque, Nova Iorque, e não consigo melhor que isto. O filme é superiormente e infinitamente melhor do que parece descrito por mim, prometo (e também é melhor do que o trailer, que deixo abaixo mas que não ilustra a qualidadezinha do filme).
(e dizer também que os actores são todos bons, bons, bons, competentíssimos Philip Seymour Hoffman e Samantha Morton, e os outros também vão nada mal)

sábado, 5 de dezembro de 2009

Qual é coisa, qual é ela?

Dói-me a barriga.
Tanto tenho vontade de rir muito, como de chorar.
Tenho saudades de tudo, mas depois forço-me a ficar completamente indiferente.
Quero que o telefone toque, mas se toca fico nervosíssima.
Dói-me a cabeça.
Durmo mal.
Acordo sobressaltada.
Dou por mim a sorrir, feita parva, ao ver as bochechinhas coradas das crianças, mas apenas porque me lembram daquela canção dos Rolling Stones que reza it is the evening of the day, I sit and watch the children play, smiling faces I can see, but not for me, I sit and watch as tears go by.
Acho que este mundo é o melhor dos mundos possíveis.
Acho que este mundo é o pior dos mundos possíveis, cinco minutos depois.

Adivinha: estou apaixonada ou tenho uma depressão?
(Venha o diabo e escolha)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A tentação da preguiça

Tenho tosse.
Tenho o nariz a pingar.
Até tive de sair da Zara e tudo, que o pó da roupa atacou de tal forma o meu pobre narizinho que foi só fungar até desistir das compras.
Ah, a tentação, a tentação de confundir os sintomas de uma simples constipaçãozita provocada pelas infindas asmas e renites alérgicas que me acometem, a mim, pobre tísicazinha, e começar a dizer por aí que tenho gripe A, e pobre de mim, que terei de ficar em casa imenso tempo, sem poder trabalhar de forma nenhuma, a começar hoje e a acabar na sexta-feira da próxima semana...

A vida dos outros

Acho que, no fundo, no fundo, as pessoas querem sempre dizer-nos a vida toda delas. Já que não podem aparecer nas revistas, consolam-se com os incautos que vão apanhando e sobre quem poderão despejar todo um mundo de informação que não interessa para nada ao receptor, mas que contribui para que o emissor se sinta tremendamente importante.
Cheguei a esta conclusão ao observar as pessoas que falam ao telemóvel em viagens de autocarro ou comboio., coisa que eu adoro fazer, porque, subrepticiamente, sim, tenho um interesse desfasado na vida do cidadão comum. E há cidadãos que, para meu deleite, fazem questão de desfiar toda a sua vida, personalidade, gostos e embirrações aos gritos, para informar não só o desgraçado do outro lado da linha que tem de os ouvir, mas também toda a audiência composta pelas pessoas que se encontram no dito autocarro ou carruagem de comboio.
Exemplificando.
Uma vez, num comboio a transbordar, com o ar condicionado avariado, a rapariga ruiva, meio vesga, que se sentou à minha frente, pegou no telemóvel e não descolou de lá o ouvido até chegarmos ao destino. É importante dizer que o comboio era descendente, como muitos comboios são, e que não ia de Queluz à Cruz Quebrada, mas fazia antes o percurso de uma cidade do norte de Inglaterra até Londres. A viagem demorou horas, período de tempo que chegou e sobejou (adoro este verbo) para que eu me inteirasse do seguinte:
a rapariga vivia no norte e ia a Londres passar o fim-de-semana com um amigo, para ver se espairecia, porque o namorado, que se chamava Lee, a tinha deixado; este namorado tinha um irmão chamado Steve, que estava do lado da rapariga e não percebia porque é que o Lee tinha abandonado a rapariga, que era boa rapariga e não tinha nada de mal; aliás, ela e o Lee até já viviam juntos há três anos, e ela inclusivamente tinha deixado o namorado da altura, o Stanley, para ficar com o Lee. Ora, este Lee não era bom da cabeça, porque não só tinha, lá está, abandonado a rapariga, como tinha ido viver com a mãe desempregada que vivia em Blackpool; a rapariga não entendia o que é o que Lee tinha a fazer em Blackpool, que é sítio sem futuro nenhum, e porque é que tinha decidido ir viver com a mãe, que estava desempregada e não tinha dinheiro para o sustentar. O próprio Lee não tinha dinheiro, e ela, raparia ruiva vesga, é que o tinha sustentado aquele tempo todo, para agora estar para ali abandonada por dá cá aquela palha; por isso, ia para Londres descontrair, que aquela história toda estava a dar-lhe cabo da cabeça, mas o amigo que estava à espera dela em Londres era apenas um amigo e nada mais, já que ela estava farta de homens, era cada um pior que o outro, e de agora em diante só ia mas era prestar atenção a mulheres, que se calhar como lésbica tinha mais sorte.
Saí do comboio e a rapariga seguiu à minha frente. Não vi ninguém à espera dela. Afastei-me para o metro e ainda me virei para trás. Vi-a especada, a olhar não sei para onde, sozinha. Coitadita.
Noutro dia, no autocarro, ia uma senhora igualmente entretida a falar ao telemóvel. Estava a falar com uma amiga. Esta amiga tinha um filho. Este filho tinha uma namorada. O mesmo filho também tinha um carro, mas não tinha casa, nem estudos, nem desejo de ter estudos, nem emprego a sério, e ainda vivia com os pais. Isto porque não tinha estímulo para sair de casa, porque a namorada não queria casar com ele. A senhora do telemóvel aconselhou a amiga do outro lado da linha que dissesse ao filho para acabar com a namorada, porque esta última era uma abusadora, que queria andar de carro até arranjar outro rapaz melhor de quem ela gostasse, altura em que terminaria todo o namoro como o filho da senhora do outro lado da linha. O filho que poupasse tristeza e gasolina e acabasse já com a tal rapariga.
Ontem, ao almoço, as duas raparigas que se sentaram ao pé de mim a bebericar uma sopa e um café estavam a discutir a problemática do amante de uma delas. Este amante tinha uma companheira com quem vivia, mas sabia que ela era "má-rês", de modo que não confiava nela, isto é, não punha a casa em nome dela nem tinha filhos dela, mas tinha uma filha, isso sim, de uma outra; esta outra também não era boa pessoa, e a filha parece que era como a mãe, de modo que o amante da rapariga que estava a almoçar ao meu lado, desgraçado como era, tinha sido forçado a aventurar-se no mundo do affair extra-conjugal, namorando clandestinamente com a rapariga que se sentava ao meu lado. Segundo esta, o amante gostava dela e queria ficar com ela, porque nela sim, ele podia enfim confiar, mas a questão é que a companheira era uma bruxa e não o deixava em paz, e ele não sabia bem como descalçar a bota. A amiga da rapariga, que também estava a almoçar ao meu lado, disse que aquilo era tudo "doentio". Apeteceu-me pôr ali um "like", como no facebook.
A vida dos outros cansa muito. E é assim, levamos com ela todos os dias, despudoradamente. Se a rapariga do comboio, a senhora do autocarro, e a rapariga do almoço, algum dia gozarem de 15 minutos (ou até mesmo só 5, que chegam bem) de fama, aposto que até fotocopiam o BI para que o mundo o estude atentamente.
Feitios.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Come chocolates, pequena, come chocolates

Comida saudável, que bom, legumes bio, muita sopinha, sumos naturais, pão integral, cenouras e courgettes. É sempre assim que eu me alimento.
Excepto quando está sol, porque apetece mais gelados.
Excepto quando chove, porque fico triste e apetece chocolate.
Excepto nos dias de semana, quando tenho de ir trabalhar e apetece comer pão branquinho e croissants, para consolar.
Excepto quando me convidam para jantar, atraindo-me de forma quase desonesta com:




Atracção fatalíssima.
Mas de resto, sempre comidinha saudável, iogurtes naturais, beringelas, que bom.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A causa do pessimismo

Quando penso na vida em geral, e na minha em particular, chego à conclusão de que aquilo que me faz adoptar, quase inconscientemente, uma perspectiva algo desiludida e lúgubre face ao pacote casamento + filhos + monovolume + construir vivenda + mulher-a-dias (opção "cão" depende do tamanho do jardim e encargos financeiros acrescidos) não é o número de divórcios sempre em flecha, não são as histórias terríveis de casamentos que nasceram tortos e ainda mais tortos acabaram, não é o tédio de ver famílias inteiras em centros comerciais, não é ver criancinhas de quatro anos aos gritos, que ainda não comem com garfo e ainda dizem "proquê", para grande deleite dos adultos, que não as corrigem e as vão deixar cometer erro atrás de erro, alguns bem mais graves do que aqueles que respeitam à mera ortografia portuguesa, para o resto da vida. Não. Não é nada disto. Aquilo que me faz torcer o nariz, com algum receio, ao pacote casamento + extras (incluindo a opção "férias") explica-se com uma leitura muito antiga, de há muitos anos, e que é esta:



Querida Alice Vieira, que escreveu um livro para mim inesquecível, Viagem à Volta do Meu Nome, em que um rapaz chamado Abílio, que tem uma família só de Constanças, detesta tanto o nome próprio que decide passar a chamar-se Luís, partindo numa divertida e interessante viagem de auto-descoberta, dizia, a querida Alice Vieira, que eu ainda hoje adoro, que é ainda hoje das escritoras mais importantes do meu universo, a querida Alice Vieira conseguiu escrever este livro do El-Rei Tadinho, que goza descaradamente com os contos de fadas (os mesmos que eu tanto aprecio), desconstrói todos os lugares-comuns tão doces e fofinhos a que estamos habituados (mormente o "felizes para sempre"), e conseguiu assim, alegremente, destruir todas as expectativas que eu poderia acalentar de alguma felicidade doméstica.
Se eu tivesse lido El-Rei Tadinho mais tardiamente, com certeza apreciaria apenas o seu inesgotável humor, as situações caricatas e engraçadas, o grande jogo de referências e desconstrução face aos contos de fadas tradicionais. Como o li muito, muito pequena, aquilo que aprendi, com alguma angústia, é que as princesas (ou as fadas) louras e de olhos azuis casam com o rei (Tadinho, neste caso), mas depois não vivem felizes para sempre, nas lonjuras do seu castelo mágico, rodeadas por aias de vestidos compridos e gorduchos bebés de cabelo aos caracóis. Não - estas princesas casam-se, mas depois têm de lavar fraldas e limpar a casa, a mãe das princesas vive com elas e com o marido e faz sopa de feijão encarnado, o rei levanta-se todos os dias muito cedo para ir para o escritório, chega a casa cansado, o que faz na vida é trabalhar e ter filhos e mal tem tempo de prestar atenção ao resto.
De modo que aprendi, cedo de mais, uma lição que só deveria ter aprendido mais tarde, quando tivesse idade para perceber que os contos de fada são só ficção. Na idade em que deveria ainda aspirar a ser como a Bela Adormecida ou a Branca de Neve (embora sem a maçã), já eu sabia que lavar fraldas (hoje em dia são descartáveis, pronto; este problema está resolvido) e fazer sopa não é assim tão interessante. Pelo menos, o El-Rei Tadinho e respectiva esposa, a fada loura, não pareciam terrivelmente felizes. O "para sempre" passou-lhes ao lado. E este exemplo do casal infeliz, numa história para crianças, gerou um pessimismo em mim que não é muito agradável, mas que existe.
A Alice Vieira é responsável por grande parte do meu pessimismo, o que afecta seriamente a minha vida, e por isso, qualquer dia, ainda hei-de ajustar contas com esta senhora. Apesar de continuar a gostar muito dela. O que cria um dilema. O que, por sua vez, cria outro problema para eu resolver.
A minha vida é assim, só agruras.

Era uma vez

Gosto de contos de fadas, de princesas, de monstros, dragões, mafarricos, bruxas más, feiticeiras, maçãs envenenadas, castelos, masmorras, príncipes encantados, reis, rainhas, encantamentos, poções mágicas, caldeirões, sapatinhos de cristal, abóboras, carruagens, bailes, vestidos compridos, caixões de cristal, anões (e porém, não gosto particularmente de Gandalfs, Terras do Nunca ou Médias ou o que seja, anéis, hobbits; não sei porquê, mas comigo este universo não resulta).
Gosto, enfim, de mundos puramente ficcionais, ilimitados. E por isso gosto muito do universo de dois indivíduos, que acho bastante semelhantes, Tim Burton e Edward Gorey. O primeiro é sobejamente conhecido, o segundo também, mas como é mais velho e não fez filmes, fala-se menos dele (além disso, também já morreu). Gorey tem livrinhos maravilhosos, de um humor lúgubre e macabro, repletos de ilustrações deliciosas, de figuras delgadas e delicadas, em cenários estranhíssimos. Tem coisas terríveis, e no entanto irresistivelmente engraçadas, como estas:



Acho que dá para perceber sobre o que trata este livro, The Gashlycrumb Tinies. Tem outras coisas tristes, quase tragicómicas, ou ainda ilustrações que não servem para nada nem dizem nada, a não ser a brincadeira, ou o nonsense pelo nonsense, como estas:


Lin-do.

Lembro-me de que Jim Henson tinha um programa, há muitos anos, chamado o Contador de Histórias, em que John Hurt se sentava à lareira e, todos os episódios, contava um conto diferente, recheado de tudo aquilo a que se tem direito nos contos de fadas: bruxas, dragões, heróis, reis, princesas, etc. Eu adorava este programa, que aliava a riqueza narrativa ao encanto da imagem. E é o que faz gente como Tim Burton e Edward Gorey. Dão mais fantasias à nossa fantasia. Gosto bastante, no fundo era só para dizer isto.