quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O passado é um país estrangeiro, e ainda bem

Uma vez, quando teria mais ou menos quinze anos, um amigo dos meus pais fez-me aquela conversa do costume, "então a escola, tens boas notas, gostas?", e etc., e eu disse que sim, que gostava muito, principalmente por causa dos amigos.
"Dos amigos?!", perguntou ele, subitamente muito espantado. Dos amigos, sim, respondi eu. E porque é que os amigos são tão importantes?, voltou ele a perguntar. E eu fiz o palavreado do costume, "porque conversamos, discutimos coisas, apoiamo-nos se estamos a passar fases más, eu-adoro-os-meus-amigos-vão-ser-meus-amigos-para-sempre". Ele olhou para mim e, pausadamente, disse, "uma coisa é ter amigos, outra coisa é viver através dos amigos. Às vezes, não é bom termos amigos assim tão fortes. Arriscamo-nos a ver o mundo através dos olhos deles". 
Ele era daquelas pessoas que fazia afirmações destas, que nos deixavam a pensar, e depois voltava a falar das coisas mais normais possíveis, de modo que a conversa acabou mas eu fiquei ali a matutar naquilo. 
Na fase da adolescência, os amigos assumem um papel desmesuradamente grande na nossa vida. É ir para todo o lado com os amigos, telefonar aos amigos, saber o que os amigos estão a fazer, de quem gostam, de quem não gostam, sentir que o mundo é nosso. A mim nunca me tinha parecido que via o mundo através dos olhos dos amigos, mas comecei a pensar que isso era uma possibilidade. E ainda acho que é.
É claro que a solução não é não ter amigos, nem este post se destina a desvalorizar a amizade. Aquelas amizades que nós sentimos que são para a vida são imprescindíveis, essenciais, necessárias. Apenas me parece que, às vezes, aquilo a que chamamos amizade não é bem amizade, talvez seja apenas necessidade de não estarmos sozinhos. Depois os anos passam, e verificamos que aquelas pessoas, de quem pensávamos precisar tanto, não têm nada em comum connosco, pior - nunca tiveram. Os momentos partilhados na intensidade da adolescência eram apenas motivados por alguém que tinha necessidade de falar e de se fazer ouvir e por alguém que tinha necessidade de ouvir ou de se sentir útil (e vice-versa). 
E porém, eu tenho a sorte de ter mantido grandes amizades vindas da adolescência; sei que não vivo sem elas, e isto porque não sinto que essas pessoas, minhas amigas há tantos anos, queiram impor uma qualquer visão do mundo só porque é dessa forma que se sentem melhor. Somos amigos porque gostamos uns dos outros, pronto.
Tive, também, a tristeza  de verificar que, por mais esforço que faça, a magia já não se dá com outros por quem tinha afeição há alguns anos. De modo que deixo de fazer esforço e verifico que vivemos mesmo em mundos diferentes. Win some, lose some, como se diz em estrangeiro. E ainda bem que as coisas se tornam claras, porque às vezes temos de perceber que não é só porque conhecemos alguém há anos que vamos formar uma aliança que dure para sempre, embora às vezes se ande ali a insistir sem ter pés para andar, e que as pessoas que conhecemos há menos tempo, na idade adulta, são mais próximas de nós e essas sim, essas vão ficar para sempre. E isto sabe tão bem. 
O Go-Between começa com uma frase que se tornou antológica, talvez por ser tão verdadeira, e que eu ando sempre a citar, para dar ar de esperta: "the past is a foreign country. They do things differently there". A vantagem dos países estrangeiros é que a gente não tem que os visitar se não quiser. 

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