quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Say thank you

Descobri hoje que existe uma coisa, um "movimento", à falta de outra palavra, designado por "pós-feminismo". Eu tendo a desconfiar de tudo o que vem colado ao prefixo "pós", e este novo "pós" que descobri não foge à regra (de me fazer desconfiada, quero eu dizer).
Talvez se deva apenas à minha ignorância, já que ainda não conseguir ler muito sobre isto. As informações da sempre utilíssima Wikipedia não me deixam, porém, muito descansada (negritos meus):


Sim, eu gosto de pensar que o feminismo conseguiu já grandes avanços na emancipação da mulher e na conquista da igualdade de direitos, pelo menos no mundo ocidental. Pelo menos, já podemos conduzir um carro, viajar sem autorização dos pais ou do marido, divorciarmo-nos. Contudo, as mulheres continuam em geral a ganhar menos do que os homens pelo mesmo trabalho, continuam a ser prejudicadas na maternidade a que têm direito (contratos não renovados depois da licença, empregadores relutantes em contratar mulheres em idade fértil, não vão elas desatar a ter filhos), continuam sujeitas a piropos indecentes na rua e a aprender que isto tudo faz parte da cultura, que é de aceitar e nunca de responder, continuam vítimas de violência doméstica em números assustadores, continuam vítimas de preconceitos vitorianos, criminosos, face à sua sexualidade, ou às imagens estereotipadas sobre a sua sexualidade. E isto tudo, apenas no mundo ocidental - se falarmos na situação das mulheres do Sudão, da Arábia Saudita, sei lá eu, nunca mais saímos daqui. 
Portanto, faz-me um bocadinho de impressão que alguém (principalmente se esse alguém é uma mulher) vir dizer que o feminismo já fez muito para reduzir o sexismo, e estamos agora prontas para passar para a fase do "pós". Um bocadinho de impressão, só. É que eu não acho nada que a fase do "pós" esteja sequer iminente. Se alguém tem problema com a palavra "feminismo", porque é muito radical, ou muito extrema, e não se quer meter nessas cavalgadas, tenho muita pena. O problema é deles, e infelizmente delas. O feminismo, para mim, faz sentido, e é uma palavra, um conceito, uma noção que recuso deixar de utilizar, em que recuso deixar de pensar. Podemos discutir que feminismo é este - não será o de Valerie Solanis, mas também nunca foi, verdade se diga.
Ouvi há alguns anos uma feminista inglesa (não me lembro do nome dela, mas se a vir sei quem é) queixar-se, agastada, porque verificava que as miúdas dos dias de hoje não gostavam do feminismo e criticavam as pessoas da sua geração (a geração dessa velha feminista) por serem muito radicais e por terem andado a queimar soutiens. E dizia a velha feminista - nós lutámos por vocês. Say thank you, dizia ela, enervada. 
Por mim, agradeço desde já e continuarei a agradecer sempre às sufragettes, aos anos 60 e à queima de soutiens e a todas as feministas dos dias de hoje que defendem a igualdade e lutam, da forma que consideram adequada, para que todas as mulheres possam levar a vida que entendem, ao lado dos seus homens ou sem eles, se assim o desejarem. Como quiserem. 
Thank you.

5 comentários:

D.S. disse...

Como diz a descrição da Wikipédia, o pós-feminismo não tem uma definição consensual e muita gente emprega a palavra de forma errada. Mas na grande maioria das vezes que se vê a palavra em artigos de media/blogs/comentários é exatamente com essa intenção que descreves no texto: a de que já passamos o tempo em que o feminismo era necessário.

A palavra no mundo académico tem um significado bastante diferente e sem essa veia de desprezo pelo passado e a cegueira da necessidade do feminismo no presente. Pós-feminismo é a ideia que não faz sentido pensar apenas na dicotomia homem/mulher mas sim analisar de que forma é que diferentes características como a religião, a raça, a sexualidade ou a classe tornam a vida de uma mulher mais ou menos difícil. Por exemplo, a experiência e os obstáculos que uma mulher branca, heterossexual de classe média enfrenta são diferentes das que uma mulher muçulmana enfrentará, ou das que uma mulher lésbica enfrentará. É a chamada "intersectionality".

Mas bom, isto das vagas e do pós não é consensual mesmo no mundo académico por isso é um bocado confuso para nós leigos :)

Essa feminista inglesa deve ter sido a mesma que uma vez afirmou zangada que às mulheres que dizem muito peremptórias que "eu cá não sou feminista!" devia-lhes ser retirados todos os direitos conquistados por esse grupo que desprezam tanto: deixarem de poder votar, de ter propriedade, ter que pedir autorização para viajar ao papá ou ao marido, não poderem usar pílula ou outros contracetivos. Um bocadinho drástico mas entendo de onde vem a indignação destas mulheres que tanto lutaram e levam agora com ingratidão de quem nasceu já com todos estes direitos adquiridos. No entanto, não concordo quando se transforma isto numa luta de gerações, do género que as raparigas mais novas são umas desmioladas e não querem saber de feminismo para nada. O feminismo nunca foi um movimento mainstream, e nem quando as feministas da segunda vaga andavam a queimar sutiãs tinham o apoio da grande maioria das mulheres. Não acho que a aceitação seja melhor ou pior hoje em dia.

Se ainda não tiveres adormecido depois do comentário gigante, quero agradecer o post. Não é todos os dias que me deparo com uma discussão sobre feminismo na blogosfera portuguesa :)

Rita F. disse...

D.S., eu é que agradeço o excelente comentário! Thank you! :)

Essa ideia da "intersectionality" faz todo o sentido. De facto, parece-me que há muito a ganhar ao perceber que a luta do feminismo não pode estar apenas centrada na mulher ocidental de classe média (o que, penso, foi uma crítica apontada aos feminismos de "primeira" e "segunda" vaga, mas posso ter interpretado mal), e que há que adaptar os desafios e as batalhas a travar aos contextos culturais específicos das mulheres de partes do mundo diferentes, com backgrounds diferentes, de classes sociais diferentes. Sim, faz todo o sentido.
Também me parece uma perda de tempo, e uma grande pena, entrar em conflitos geracionais, e essa ideia de retirar todos os direitos conquistados às miúdas que dizem que não são feministas é um bocadinho triste. Mas a senhora enervou-se, pronto. :D A propósito, não sei se estamos a falar da mesma feminista, porque realmente não sei o nome dela (vi-a na TV, daí só me lembrar da cara); o que sei efectivamente é que não era a Germaine Greer (é o nome que me vem sempre à mente quando penso em "feminismo" e "inglês").
Obrigada novamente pelo comentário tão relevante.

Anónimo disse...

Séries como o Sexo e a Cidade, entre outras variantes patéticas, são o resultado dessa corrente. Associada a ela está a ideia perniciosa de que as mulheres conquistaram o controlo sobre os seus corpos e identidades e que, portanto, o feminismo se tornou irrelevante.

Adoro os seus textos.

Anónimo disse...

Deixo aqui uma obra teórica bastante esclarecedora sobre o assunto, mas há muitas mais:

http://www.amazon.co.uk/Aftermath-Feminism-Culture-Representation-Identity/dp/0761970622

Rita F. disse...

Anónimo, pois é, o Sexo e a Cidade... há grandes discussões sobre isso. Se lhe disser que não vejo a série, estaria a mentir. Há alturas em que penso que é completamente inofensiva, outras em que penso que é terrível. O problema que vejo na série não é centrar-se em mulheres que se definem pelos homens com quem dormem. Essa é a parte telenovelística que eu acho inofensiva. O problema é que as mulheres, no SATC, definem-se pelos artigos de luxo que podem comprar. Isso é que é iiiic!, mas apenas na minha opinião, claro. Então eu sou menos mulher se não estoirar o ordenado num par de Louboutins, porque não posso, porque não faço disso prioridade, porque não quero? Na série, toda a mulher que não gasta o dinheiro primeiro em roupa e sapatos e só depois em comida e casa, é uma grande desleixada feia. ?!
Enfim, esta é a minha maior crítica à série, mas como digo, eu vejo a série e tenho de admitir que me rio muito com certos diálogos. Mas não acho que isso faça de mim menos feminista. :)Até acho que a série tem certos aspectos positivos (agora estou a pensar em quais e não me consigo lembrar, mas ainda no outro dia me lembrei).