Descobri na Slate este mini-documentário bonito e triste sobre os perigos devastadores de enviar mensagens enquanto se conduz. No entanto, não é só sobre isso. Como diz um dos entrevistados, responsável pela morte de uma família, é sobre o poder da escolha. Escolher, tomar uma decisão e viver com as consequências.
Na maior parte das vezes, escolher é inofensivo, e ainda bem. Não conseguiríamos viver de outro modo. Mas também há escolhas que são apenas aparentemente inofensivas e mudam-nos a vida de um momento para o outro.
E hoje é tão fácil estarmos distraídos. Há tanta coisa para nos preencher a mente tão aparentemente inofensiva. Lembro-me de ver uma rapariga nova de auscultadores nos ouvidos, daqueles enormes e giros, da moda, a dar um passo em frente para atravessar a estrada. Acontece que ela estava em Londres, e acontece que estava em Tottenham Court Road, uma rua feia e suja em pleno centro da cidade, em plena hora de ponta. E acontece que alguém a puxa violentamente pela camisola e a obriga a recuar, deste modo evitando, por uma nesga, um enorme autocarro de dois andares que acelerava pela longa rua, já que os semáforos estavam a vermelho para os peões. Eu ia para o metro, nem sequer queria atravessar a porcaria da rua, mas ainda vi a rapariga a chorar, descontrolada, provavelmente a pensar no que seria dela se ninguém a tivesse ajudado. A alma caridosa que a tinha puxado já se tinha posto a milhas, suponho eu porque descargas emocionais são coisas pior que o pecado num sítio como Londres, e eu até percebo.
Esta rapariga também tomou uma decisão, também fez uma escolha. Escolheu pôr auscultadores, escolheu atravessar a rua. E alguém escolheu tomar atenção e ajudá-la.
Escolhemos sempre, mesmo quando parece que não, mesmo quando parece que estamos apenas a deixar que a vida passe e que não temos nada a ver com isso. Gostamos de chamar a isto coincidências, mas interrogo-me se as coincidências existem, ou se também elas são o resultado das nossas escolhas.
Sim, parece-me que escolhemos sempre. Mesmo quando a culpa não é nossa.
4 comentários:
:)
Eu acredito que escolhemos sempre, embora as escolhas possam ser muito condicionadas. E, por vezes, resultantes de condições terríveis e hostis. Mas são escolhas/opções. Lembro-me de ouvir alguém explicar que, frequentemente, em situações de ameaças graves, as pessoas que cedem a essas ameaças (ou seja, as vítimas) percepcionam as exigências do/a outro/a como o 'mal menor' para elas (se não o fizerem, as consequências serão - muito - piores do que fazer). Ou seja, o que o/a outro/a exige passa a ser o que nós desejamos.
(temo ter-me desviado um pouco do tema do teu post). Foi a minha escolha :)
Gostei muito deste texto. E tem um grande significado para mim, numa altura em que as escolhas nem sempre são fáceis. Mas na verdade, acho que nada acontece por acaso.
Cisca
istoaquiloeoutrascoisas.blogspot.com
Ceridwen, eu nem tinha pensado nisso, nessas situações horríveis e extremas em que as pessoas parecem ter tão pouca escolha. Talvez seja de facto injusto dizer que até essas pessoas tiveram escolha. quer dizer, tiveram - como dizes, acabam por escolher o mal menor, mesmo que esse mal menor seja imenso. Mas agora estou a pensar em situações terríveis, como a de algumas crianças que se vêem sem possibilidades nenhumas logo no início da sua pequenina vida, e penso se faz algum sentido falar de "escolha". Talvez a escolha seja um luxo. Sim, deve ser um luxo. Convenci-me disso agora.
Cisca, às vezes também penso que sim.Outras vezes, parece-me que não. Que raio de questão tão complicada.
Peço desculpa por só agora responder. Sim, Rita, acho que percebo a tua abordagem e concordo. Há situações em que não há escolha, p.e. no local e na família onde se nasce. Ou como te vestem ou alimentam quando tu não tens capacidade (seja física ou intelectual) para decidires ou fazeres valer a tua decisão. Eu posso decidir ir por uma rua, apesar de conhecer a sua perigosidade. Eu escolhi ir por ali, mas não escolhi ser violada ou assaltada, ou ainda, morta.
Sim, julgo que, frequentemente a escolha (e sobretudo as consequências resultantes das 'más escolhas') são um luxo permitido a poucos/as.
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