Este artigo da Slate é engraçado - o autor interroga-se de como serão as suas futuras possibilidades do chamado engate quando toda a gente se converter aos livros electrónicos, em grande detrimento do livro em papel; como se diz no título do artigo, deixamos de poder julgar as pessoas pela capa, o que causa problemas consideráveis quando estamos naqueles momentos de indecisão, "avanço ou não avanço", "digo ou não digo", e etc. Momentos, aliás, que já na sua essência se revestem de stress insuportável, stress esse que um bom livro, como tema de conversa, ajudaria a dissipar. Se nem sequer isso existe, o engate está condenado.
Devo dizer que me entristece. Entristece-me porque o meu sonho foi sempre ser alvo de uma interpelação daquelas super-intelectuais e com imenso nível no autocarro ou no metro. Acho que há uma certa magia em entrar na carruagem, sentarmo-nos no banco, e haver ali um tipo que, só por acaso, pode parecer-se com este outro indivíduo:
e, dizia, esse tal indíviduo dar-se ao trabalho de reparar no que estamos a ler, só depois olhar para o resto, e pensar, "bem, que criatura magnificente, a única no mundo que lê aquele livro, o livro que eu sempre quis ler e nunca consegui mas que agora vou com certeza acabar, que ser glorioso é este que adoça os meus olhos e que nunca mais vou esquecer, vou já entabular conversa e falar de coisas terrivelmente interessantes, exposições, arte, música, poesia".
E depois o indivíduo, que se parecer com este também está optimamente:
e, continuando, o indíviduo que a gente conhece no metro é culto, culto, giro, giro, já leu tudo o que havia para ler excepto, é claro, o livro que nós próprias estamos a ler, conhece os restaurantes todos, cozinha muito bem e não se importa nada de ser ele a cozinhar todos os dias sem excepção e lavar ele a louça. E que pena, pensamos nós, dada a sorte inacreditável de termos conhecido um elemento do sexo masculino deste calibre, já termos encontrado o nosso "tal", mas pronto, a vida é assim e há que fazer escolhas. Sorte macaca, se ao menos tivéssemos começado a ler o livro uns anitos mais cedo, mas pronto, vivendo e aprendendo.E assim se vê como um livro pode perfeitamente transformar a nossa vida, radicalmente.
Vem este encadeado de parvoíces acompanhado de uma pergunta que levanto à minha própria consideração, e que é: quais são, então, os melhores livros para causar "a" impressão? Por exemplo, tenho para mim que o Guerra e Paz não é um desses livros. Não é, há que ter paciência. Se eu visse este indivíduo:
a ler o Guerra e Paz, talvez eventualmente desferisse uns olhares de soslaio, mas sinceramente, rapidamente me desinterassaria, porque ler o Guerra e Paz publicamente dá a ideia que, ou a pessoa o lê por obrigação para um qualquer curso, ou se está a esforçar demasiado. Preconceito? Será, mas a vida é assim, uma cruz muito grande a carregar. Já o Crime e Castigo - excelente opção. Livro fundamental, repleto de temas de conversa, personagem principal impressiva, nervosa, com um grande nome (Raskolnikov é de facto inesquecível), de modo que sim senhora. Crime e Castigo no metro está muito bem. No caso das raparigas, estou igualmente convencida que Sylvia Plath é sempre uma escolha muito segura e com margem de erro mínima ao nível de impressionar o outro. Melhor ainda - deixar o Ariel "esquecido" na mesinha de café, quando alguém lá vai a casa. Não me estou a lembrar de um efeito melhor do que este, embora alguns, de carácter mais implicante, possam considerar que não passa de um cliché. Eu acho que está óptimo, talvez apenas ultrapassado pelas Birthday Letters do Ted Hughes, que eu acho que é um livro com muita classe, acho, pronto. Metro, mesa de café, autocarro, vai bem em todo o lado e adapta-se a qualquer tipo de situação, devido à sua temática agridoce.
Para os rapazes, tenho mais dificuldade em falar em geral, porque apenas posso dizer o que me impressiona a mim. Normalmente, um Lorcazinho cai sempre bem, seja poesia, seja peça, seja ensaios sobre. Tudo o que meta Lorca, no caso dos homens, é usar e abusar, que é coisa de estilo, de leitor exigente. Ultimamente, a tendência concentra-se em Jorge de Sena, portanto não deve haver aqui medo de usar profusamente, e autores portugueses vão sempre bem. O Bukowski, o Kerouac, o Hunter S. Thompson, o ubíquo Philip Roth, para rapaz, sinceramente, é como o rissol e o croquete, começa a estar um bocadinho estafado, começa a cansar um bocadinho. Coisas novas, coisas frescas, é o que se quer - uma Carson McCullers; uma irmã Bronte (escolher uma de três); uma Daphne du Maurier; um Great Gatsby; um Trumanzinho Capote; eis aqui algumas tendências, que de velhas se fazem novas, que eu acho que os rapazes, para impressionar as indígenas, poderiam começar a prestar atenção.
Isto sou só eu a pensar. Quem tiver opções de bons livros para engate, é favor dizer, que esta temática apraz-me. Sem outro assunto, despeço-me atentamente.
12 comentários:
O Amante de Lady Chatterley, do DH Lawrence.
os últimos 4 que li foram roth e de facto eu estranhei a falta de olhares insinuantes...e ainda me faltam mais dois roth.
felizmente há sempre mais trumanzitos (para além dos evidentes) para voltar a estar em forma e atraente...
Um post a brincar sobre um assunto muito sério.
O comentário vai ser feito aqui numa primeira parte e uma segunda parte seguirá, talvez, no meu blog (teaser).
Um dos hábitos dos homens nos comboios suburbanos depois de olharem para a senhora ou menina é olharem para o tamanho do decote e altura da saia (este último olhar hoje com quase todas de calças é quase uma raridade)e logo em seguida para o livro que está a ler.
O livro bem como o telemóvel se o estiverem a usar diz tudo.
Acontece é que as senhoras/meninas não sabem comportar-se com o livro.
Façam favor de ler e aprender.
Primeiro que tudo nunca mas mesmo nunca devem ler o livro sofregamente sem levantar os olhos do mesmo de paragem inicial ao destino.
Técnica 1 - Depois de três ou quatro páginas, parar, levantar o olhar compondo um aspecto pensativo, dar uma olhadela ao banco da frente e á coxia e virar-se para a janela.
É fatal, desde que esteja a ler um do Coelho ou se for num comboio de 1º e 2º classe um do Nicholas Sparks.
Técnica 2 - Atenção que esta parte é muito importante. Ao parar de ler deixar sempre a capa para cima e colocar cuidadosamente os dedos de modo a não esconder o título. Suspirar.
Esta parte é definitiva e já me faz seguir uma ou outra senhora até conseguir ler a lombada (do livro).
Técnica 3 - Nunca levar um livro tipo tijolo. O macho ibérico pensará logo que assim vai ter que fazer todas as tarefas domésticas que aquilo vai levar uma pipa de tempo a ler e até pode servir em caso de discussão como arma de arremesso.
Técnica 4 - No regresso nunca ler o mesmo livro e nunca ler nenhuma coisa com aspecto de trabalho (um exemplo é o Código Penal que algumas arrgh" lêem). O melhor é um livrinho da Taschen quanto mais esotérico melhor. Uma ideia é a Arte Abstracta, um arquitecto desconhecido e com um nome esquisito, enfim estão a ver a ideia.
Técnica 5 - Quando dominar as anteriores levar um livro em língua estrangeira, se for em sânscrito melhor. É quase impossível que apareça alguém que a saiba.
Técnica 6 - TVGuia e revistas esqueça a nao ser que seja o The New Yorker, mas esta só deve usar no Alfa pendular.
Boa sorte, espero convite para o casório.
Por acaso, o Casanova está a ler o Guerra e Paz e está a adorar, o que não é costume nele. Tenho de ler isso (também sempre fugi desse mastodonte). Eu diria que um bom livro para engate é ter uma t-shirt dos strokes, comigo resulta.
Por acaso costumo trazer sempre na carteira um livro de bolso, neste momento Oscar Wilde - O retrato de Doryan Gray - será apelativo? ;-)
Fado, obrigada pelas dicas!
Eu ficaria muito curiosa se alguém estivesse com algum livro de Fernando Pessoa. Na verdade é meu sonho sempre foi poder partilhar a leitura do Livro do Desassossego com alguém tão profundo quanto este livro!
Não sei nada sobre livros para engate, mas conheço o poder de engate que um escritor bonito tem: faz-nos ler o jornal em que aparece na capa, comprar o livro, ler o livro numa tarde/noite, descobrir que vai dar uma sessão de autógrafos, fazer uma viagem de 2 horas para ir a essa sessão e aprender uma nova língua. E não, o livro nem era nada do outro mundo.
Oscar Wilde - O retrato de Doryan Gray - será apelativo? ;-)
Depende.
Toda a gente sabe que o Oscar foi gay logo a primeira ideia que vai dar é que é lésbica.
Lastimo, é assim mesmo.
Como pelo blog vejo que é ultra romântica pode começar pelo Kundera, talvez A Imortalidade condiz muito bem com um saia/casaco.
Se quer dar um ar moderno decidido que vai lindamente com jeans e um camiseiro ligeiramente aberto então, Perseguida de P. C. Cast, Kristin Cast.
Agora tiro e queda é In Cold Blood do Capote, aqui pode juntar a última Revista Única do Expresso que deixará no regaço com as pernas cruzadas no limite de senhora bem, ou seja quatro centímetros à vista.
Boa sorte.
num futuro perto de si, bastará adotar um nickname literário, ligar o wifi das tablets e começar a adivinhar quem é quem.
ou isso ou stickers com mensagem nas costas das tablets.
Bem Fado... acho que vou ter de repensar a estratégia! ;-)
Mas a lista que tenho para ler a seguir é de clássicos (Vitor Hugo, Tchékhov, Dostoiévski), por isso entre passar por lésbica ou por intelectualóide,acho que qualquer um deles afuguenta rapidamente um possível candidato!
Não ia comentar, mas ao terminar a leitura dos instrutivos comentários (não que eu, bem casada e de vetusta idade precise) deparei-me com a palavra de verificação: beket. Assim mesmo, em minúscula e com falta de um «c» e de um «t», mas percebi que era uma mensagem que aqui partilho convosco: tentem Beckett!
Só para agradecer aos leitoores os interessantes comentários, que isto pela primeira vez chegou aos 10 comentários.
Ora um grande bem haja, e continuemos a singrar nesta importante reflexão.
Maravilhoso tema de conversa. Lorca (que nunca li) parece-me, de facto, um nome óptimo para chamar as atenções de machos, fêmeas e afins. Pessoalmente fujo de pessoas que estão a ler Roth, não por ter algo contra ele, mas porque - lá está, boa observação - é o croquete da literatura do séc. XXI (rissol não, que eu adoro rissóis). Bukowski igualmente.
Um livro que cai muitíssimo bem é o Espuma dos dias. Um livro ligeiramente alien, mas não demasiado, romântico e surreal, mas não demasiado. Uma escolha perfeita (e um livro maravilhoso).
Tchékhov é outra escolha perfeita. Não é qualquer um que lê Tchékhov, bem visto.
Lembro Murakami como péssima opção (embora eu até aprecie o que li). Saramago também não vai nada bem nos dias que correm. Os germânicos calham sempre muitíssimo bem: Büchner, Kleist, Schnitzler, Fontane. E por falar em Fontane, cara Rita, deixe-me recomendar-lhe o Effi Briest, creio que apreciará, não sei.
Shakespeare também vai bem, mas tem que ser uma peça menos conhecida. Das mais populares, Hamlet, sem dúvida.
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