quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Livros que engatam

Este artigo da Slate é engraçado - o autor interroga-se de como serão as suas futuras possibilidades do chamado engate quando toda a gente se converter aos livros electrónicos, em grande detrimento do livro em papel; como se diz no título do artigo, deixamos de poder julgar as pessoas pela capa, o que causa problemas consideráveis quando estamos naqueles momentos de indecisão, "avanço ou não avanço", "digo ou não digo", e etc. Momentos, aliás, que já na sua essência se revestem de stress insuportável, stress esse que um bom livro, como tema de conversa, ajudaria a dissipar. Se nem sequer isso existe, o engate está condenado.
Devo dizer que me entristece. Entristece-me porque o meu sonho foi sempre ser alvo de uma interpelação daquelas super-intelectuais e com imenso nível no autocarro ou no metro. Acho que há uma certa magia em entrar na carruagem, sentarmo-nos no banco, e haver ali um tipo que, só por acaso, pode parecer-se com este outro indivíduo:

e, dizia, esse tal indíviduo dar-se ao trabalho de reparar no que estamos a ler, só depois olhar para o resto, e pensar, "bem, que criatura magnificente, a única no mundo que lê aquele livro, o livro que eu sempre quis ler e nunca consegui mas que agora vou com certeza acabar, que ser glorioso é este que adoça os meus olhos e que nunca mais vou esquecer, vou já entabular conversa e falar de coisas terrivelmente interessantes, exposições, arte, música, poesia".
E depois o indivíduo, que se parecer com este também está optimamente:
e, continuando, o indíviduo que a gente conhece no metro é culto, culto, giro, giro, já leu tudo o que havia para ler excepto, é claro, o livro que nós próprias estamos a ler, conhece os restaurantes todos, cozinha muito bem e não se importa nada de ser ele a cozinhar todos os dias sem excepção e lavar ele a louça. E que pena, pensamos nós, dada a sorte inacreditável de termos conhecido um elemento do sexo masculino deste calibre, já termos encontrado o nosso "tal", mas pronto, a vida é assim e há que fazer escolhas. Sorte macaca, se ao menos tivéssemos começado a ler o livro uns anitos mais cedo, mas pronto, vivendo e aprendendo.
E assim se vê como um livro pode perfeitamente transformar a nossa vida, radicalmente.
Vem este encadeado de parvoíces acompanhado de uma pergunta que levanto à minha própria consideração, e que é: quais são, então, os melhores livros para causar "a" impressão? Por exemplo, tenho para mim que o Guerra e Paz não é um desses livros. Não é, há que ter paciência. Se eu visse este indivíduo:


a ler o Guerra e Paz, talvez eventualmente desferisse uns olhares de soslaio, mas sinceramente, rapidamente me desinterassaria, porque ler o Guerra e Paz publicamente dá a ideia que, ou a pessoa o lê por obrigação para um qualquer curso, ou se está a esforçar demasiado. Preconceito? Será, mas a vida é assim, uma cruz muito grande a carregar. Já o Crime e Castigo - excelente opção. Livro fundamental, repleto de temas de conversa, personagem principal impressiva, nervosa, com um grande nome (Raskolnikov é de facto inesquecível), de modo que sim senhora. Crime e Castigo no metro está muito bem. No caso das raparigas, estou igualmente convencida que Sylvia Plath é sempre uma escolha muito segura e com margem de erro mínima ao nível de impressionar o outro. Melhor ainda - deixar o Ariel "esquecido" na mesinha de café, quando alguém lá vai a casa. Não me estou a lembrar de um efeito melhor do que este, embora alguns, de carácter mais implicante, possam considerar que não passa de um cliché. Eu acho que está óptimo, talvez apenas ultrapassado pelas Birthday Letters do Ted Hughes, que eu acho que é um livro com muita classe, acho, pronto. Metro, mesa de café, autocarro, vai bem em todo o lado e adapta-se a qualquer tipo de situação, devido à sua temática agridoce.

Para os rapazes, tenho mais dificuldade em falar em geral, porque apenas posso dizer o que me impressiona a mim. Normalmente, um Lorcazinho cai sempre bem, seja poesia, seja peça, seja ensaios sobre. Tudo o que meta Lorca, no caso dos homens, é usar e abusar, que é coisa de estilo, de leitor exigente. Ultimamente, a tendência concentra-se em Jorge de Sena, portanto não deve haver aqui medo de usar profusamente, e autores portugueses vão sempre bem. O Bukowski, o Kerouac, o Hunter S. Thompson, o ubíquo Philip Roth, para rapaz, sinceramente, é como o rissol e o croquete, começa a estar um bocadinho estafado, começa a cansar um bocadinho. Coisas novas, coisas frescas, é o que se quer - uma Carson McCullers; uma irmã Bronte (escolher uma de três); uma Daphne du Maurier; um Great Gatsby; um Trumanzinho Capote; eis aqui algumas tendências, que de velhas se fazem novas, que eu acho que os rapazes, para impressionar as indígenas, poderiam começar a prestar atenção.
Isto sou só eu a pensar. Quem tiver opções de bons livros para engate, é favor dizer, que esta temática apraz-me. Sem outro assunto, despeço-me atentamente.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Sinais de Fogo

Acabei de ler Sinais de Fogo, de Jorge de Sena, e tenho uma coisa a dizer - Jorge de Sena é O homem. Obrigada à minha querida S., que me ofereceu, pelo meu aniversário e num gesto de grande generosidade, a sua própria edição, numa altura em que, ainda por cima, Sinais de Fogo estava esgotado (que vergonha - agora já não está, sabias, S.? Queres que te ofereça pelos anos? Eh eh).
Bom. Como ultimamente a minha vida anda em período de, digamos que, entre a revolução e a modorra, que parece impossível mas é verdade, não tenho tido inspiração para escrever grande coisa, mas queria aqui dizer que Sinais de Fogo tem absolutamente de ser lido. Tem de.
E um livro assim, que chega até nós pela amizade e ainda por cima é glorioso, sabe mesmo bem. E quando o acabamos de ler à mesa do café, quando lá fora chovisca (ah, pois, que o calor de Portugal de que toda a gente se queixa não me tem chegado, e eu bem precisada dele estou), é mesmo perfeitinho.
O George Orwell escreveu sobre livros e cigarros. Eu gostaria de escrever sobre livros, cigarros e amigos, tudo à mesa dessa invenção indispensável que é "o café". Sim, porque, se formos a ver bem, o que é que eu tenho a menos que o George Orwell, não é? Nada, não é? Não precisam de responder, eu sei que todos concordam. [insert ironical emoticon]
Uma justificação mais profunda do poder de Sinais de Fogo vai ter de ficar para a próxima.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O Ilusionista (ligeiro spoiler)


Gostei muito deste filminho, como já tinha gostado das Triplettes. Quer dizer, não gostei exactamente da mesma forma. Adorei as Triplettes de Belleville, e do Ilusionista apenas gostei, porque é um filme muito terno, cheio de sensibilidade. Não vi o original de Tati, e devo dizer que também não me apetece muito ver. O Ilusionista é tão engraçado, tão bonito, tão doce que me encheu as medidas - e apenas pelo lindo poster podemos constatar que o que digo é verdade.

Só para dizer isto. Podia estar aqui a dissertar sobre a condição do artista e de uma coisa que se diz no filme ("os mágicos não existem"), mas não me apetece. Quem quiser que vá ver o filme em vez de andar a perder tempo a ver televisão, que faz muito bem.
Num brever percurso pelos jornais e revistas online, blogs e afins, fico convencidíssima de que o que as pessoas precisam é de ler mais e de baixar a sua pretensiosa e medíocre bola. E, já agora, de ver menos televisão.
Isto digo eu. Agora vou ali ver os últimos episódios do True Blood, que calhou perder.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Cantar a gente surda e endurecida

Vejo semelhanças n'Os Maias e n'O Ano da Morte de Ricardo Reis. Quanto mais penso neles, mais semelhanças vejo. Até chego a pensar no Ano da Morte como Os Maias em prosa poética. O contraste está precisamente aqui, na poesia que é a prosa do Ano da Morte e na narrativa realista, propositadamente viva e absolutamente novelística, dos Maias.
Ambos são livros, histórias, sobre Portugal. Ambos têm como conclusão fundamental uma posição muito clara sobre a chamada "portugalidade". Ambos representam uma possível mudança nesta entidade estranha que é a "portugalidade"por via de duas personagens masculinas estrangeiradas, distintas da massa de Lisboa, iniciadoras da história - Ricardo Reis, recém chegado do Brasil, Carlos da Maia, recém-chegado das suas muitas viagens por países civilizados e cosmopolitas. Por ambas as obras perpassa um cinismo quase existencial. A diferença é que, no Ano da Morte, o cinismo está em Ricardo Reis, a personagem, e nos Maias o cinismo provém do narrador, interveniente nos comentários impiedosos, duros, entristecidos, que lança sobre os enredos e as personagens. Chega-se a ter pena das personagens e quase do pobre país, levado ao extremo do ridículo naquele delirante, medíocre, cruelmente engraçado sarau da Trindade. N'Os Maias, o narrador nunca cede, ou por outra, cede apenas no final - sei que o final dos Maias é visto com grande pessimismo, o país perdido, e a sua única esperança, o superior Carlos da Maia, reduzido ao dandy rico e inútil, mas eu penso que há, no término desta obra, um folgo vivaz de esperança, de algo melhor que ainda pode acontecer. "Ainda o apanhamos, ainda o apanhamos" - João da Ega e Carlos ainda poderão fazer alguma coisa pela sombria estátua de Camões, outra esperança perdida que eles talvez possam resgatar da apagada e vil tristeza.
O final do Ano da Morte é, quanto a mim, parecidíssimo, com a importante diferença, porém, de não deixar grande espaço para o optimismo. Ricardo Reis falha do princípio ao fim, deixando tudo perdido na inconsequência. Versos, poesias, o amor de uma boa mulher, como Adrian Mole definia a sua Pandora (referência despropositada, esta, mas lembrei-me dela), possíveis contestações políticas anti-fascistas, anti-pidescas, tudo cai em derrocada.
No fundo, talvez Os Maias o O Ano da Morte me pareçam semelhantes porque há neles uma relação íntima com Portugal que se estabelece através de personagens que parecem tão vencedoras e que, em última instância, perdem. E, como padroeiro de toda esta reflexão literária e quase interventiva sobre o país, como grande impulsionador do pensamento sobre o mal-estar português, estarão muitas pessoas de que eu não faço ideia, mas está com toda a certeza Camões e a desilusão que cristaliza nos Lusíadas e nos seus lamentos profundos sobre o desconcerto do mundo. Ouvi uma vez alguém dizer que Camões representava o lado solar da literatura portuguesa, ao passo que Pessoa materializava o lado lunar. Não concordo nada (humildemente, acrescento, que fica sempre bem). O lado negro, pessimista, de Camões, e que é inultrapassável e sublime, é fundador deste tal mal-estar, que depois resulta nos Maias, resulta no Ano da Morte, resulta no pensamento de Eduardo Lourenço e o irrealismo prodigioso com que nos define, resulta até em Sinais de Fogo, esta glória do romance português, de Jorge de Sena, que estou agora a ler, e que teria de bom grado introduzido neste post se já o tivesse terminado.
Bom. Quer dizer, isto é só a minha opinião.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Cartões

Na minha desorganização, que ainda não me permitiu despachar pequenas pontas soltas de trabalho e gozar de férias como deve ser, tive de pedir à minha mãe, que felizmente tem paciência para as minhas parvoíces, para me enviar um cartão de que precisava e que me tinha esquecido a quilómetros de distância de onde agora me encontro. A minha mãe lá conseguiu encontrar a porcaria do cartão, enterrado que estava no meio de tantos outros cartões que nunca uso.
Tenho a carteira cheia destes bocados de plástico e, interessantemente, penso sempre que sou daquelas pessoas que se recusa a ter cartões. Não tenho nem um cartão de supermercado, por exemplo, e isto por mais que os supermercados me tenham tentado quebrar com veladas ameaças melífluas ("olhe que sem cartão fica sem desconto nos brinquedos... olhe que sem cartão fica sem pontos para as tupperwares e tachos e panelas e quejandos... olhe que sem cartão ainda lhe damos um pontapé... olhe que sem cartão coisas terríveis podem acontecer...", e etc.).
Também evito ter cartões de lojas, mas tenho. Esqueço-me que os tenho, nunca os uso e perco os descontos todos.
Acho que esta mania de ter cartões, na ilusão estúpida de que se vai poupar dinheiro, quando na verdade apenas engordamos os bolsos do dono do estabelecimento que nos quer "fidelizar", é a mesma coisa que roubar coisas dos quartos de hotel, no falso convencimento de que um dia nos vão ser úteis. Qual é a utilidade de trazer os sabonetinhos, escovinhas de dentes, chinelinhos, há até quem surripie roupões, se depois aquilo só vai atafulhar a casa, nunca é usado e acabamos por deitar tudo fora. E não poupámos dinheiro nenhum nem a nossa vida melhorou por causa disso.
Esta coisa de acumular cartões a bem da economiazinha doméstica, do amealhar, do poupar dinheirinho é tão inútil. Uma vez conheci um casal que tinha uma mercearia. Nunca saíam dali, estavam sempre ali, Domingos e tudo, e o Audi brutal e preto que tinham a reluzir à porta estava sempre estacionado no mesmo sítio. A bem do dinheirinho. Que gente tão patética.
Os cartões também são assim, patéticos. É impossível gastar dinheiro e poupá-lo ao mesmo tempo. Se vivemos numa rede de infindos estabeleciimentos comerciais e empresas cujo o único objectivo é ficar com o nosso dinheiro, é bom que, pelo menos, tenhamos a consciência disso.
Ainda hoje não posso com Audis.

Copycats

Na Radar, estão neste momento a fazer uma pergunta que visa saber qual a canção-versão que é infinitamente superior à canção original.

Há muitas covers que são superiores, quanto a mim. Porém, a maior parte delas será, provavelmente, inferior, nada acrescentando a um original que ou é tão bom que já não admite mais nada, ou é tão indiferente que nada o salva. Por exemplo, qual é a piada de fazer uma versão de qualquer uma das músicas dos Colplay? Já toda a gente é dada à dormência quando os ouve. Uma versão destas cançõezinhas só servirá, com certeza, para aprofundar o tédio, que já não é pouco.

Porém, aquilo em que eu vislumbro alguma piada é quando o original é ostensivamente mau, mas depois alguém se lembra de fazer uma versão que acaba por ser boa ou, pelo menos, admissível. É o que me parece acontecer com a versão dos Travis da Britney Spears, Hit Me Baby One More Time. A canção sai tão bem disfarçada que quase parece boa. Acho este exemplo muito engraçado.

É também interessante pensar na cópia que ultrapassa o original. Acontece às vezes, tal como a velha questão do discípulo que ultrapassa o mestre, sendo isso um elogio à qualidade do mestre. É claro que a versão dos Travis está longe destas conversas de café, mas enfim. Estava só a pensar, coisa que ultimamente tenho feito pouco.



Descubra as diferenças


As diferenças são simples e escassas: a primeira figura na lista dos Mais Bem Vestidos da Vanity Fair de 2010, e a segunda, a ter existido de todo, e nada indica que não terá existido, foi retratada no século XVI, podendo hoje contemplar-se todo o seu esplendor na National Gallery. Tem tudo isto muita graça e muito pouco interesse, é um facto.
A Vanity Fair deveria, quem sabe, poupar-se mais ao ridículo e estudar a sua historiazinha da pintura.