Se fosse só a Troika a esventrar a Grécia, haveria ainda uma porta aberta. Mas a Grécia mata-se a si própria, numa onde de corrupção imparável, em que políticos perdem a vergonha na cara que provavelmente nunca tiveram e em que os cidadãos, como se vê pela notícia acima, embrenham-se na cobardia mais brutal que existe, aquela que impunemente lhes permite violentar estrangeiros, imigrantes, pobres e desprotegidos.
A Aurora Dourada, na Grécia, reúne cerca de 10% dos votos, o que lhe confere mais ou menos 20 assentos parlamentares (figuras aproximadas, não sei os números certinhos). É uma enormidade para um partido que não deveria sequer existir, ou que se devia confinar a um grupo reduzido de lunáticos de quem as pessoas normais fazem troça. Mas estas "pessoas normais" são as mesmas que, nos dias de hoje, na Grécia, afirmam descontraidamente que há estrangeiros demais em Atenas - é tão cansativo...
Por falar em Atenas, cidade em que já estive várias vezes, e que visitei novamente este Verão - nota-se que as coisas mudaram, e o que me fez notar que piores dias virão não foi propriamente lojas fechadas em catadupa, bombas de gasolina abandonadas onde sem-abrigos desamparados se refugiavam, mas sim um pequeno incidente que presenciei no eléctrico. Uma senhora polaca, com o filho pela mão, quer entrar no eléctrico com a bicicleta da criança, e o condutor impede-a, porque tem ordens estritas para não deixar entrar bicicletas aos Domingos. Não houve uma cena de gritos, nem o condutor foi particularmente mal-educado, mas a verdade é que se ficou ali algum tempo, a senhora a insistir, e o condutor a recusar a bicicleta. De repente, levanta-se um passageiro, que não tinha nada a ver com aquilo, e dirige-se directamente à senhora dizendo "a senhora é uma convidada na Grécia, não é daqui, portanto não pode desrespeitar as leis deste país que não é o seu".
Há uma cena no magnífico filme de Bob Fosse, Cabaret, em que um camisola castanha vai, precisamente, ao cabaret, e é escorraçado dali para fora, elemento indesejado, escumalha com que ninguém quer conviver. Um dos artistas até troça de Hitler, fazendo a saudação nazi e colocando um dedo abaixo do nariz, na tentativa de imitar o bigodinho ridículo, e com isto conseguindo risada geral.
O mesmo filme acaba com um mar de gente num piquenique, ou numa espécie de "pub", não me lembro bem, a aplaudir um menino lourinho, da juventude hitleriana ou coisa parecida, em que todos se levantam e, de pé, fazem a saudação nazi. Tenebroso.
E lembro-me sempre desta cena quando me lembro da Grécia, a minha querida Grécia, que, como diria a nossa Sophia, parece agora um país que se mata lentamente.
Não é normal que a Aurora Dourada tenha 20 lugares no Parlamento, não é normal que o padeiro grego tenha espancado o seu empregado egípcio quase até à morte e tenha contado com a complacência da polícia. E também não é normal que as pessoas normais, como nós, como todos os gregos, achem que isto é normal.
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