segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Brideshead Revisited e considerações inconclusivas

Com isto tudo e com a bandeira ao contrário, esqueci-me de dizer que já acabei de ler Brideshead Revisited, obra que recomendo. E porquê?
A princípio, e apesar de se tratar de um livro muitíssimo bem escrito, a historiazinha irritava-me um tanto ou quanto. A personagem de Sebastian como Rei-Sol, toda aquela atmosfera de deslumbre e fascínio pela aristocracia, parecia-me pouco interessante, de tal forma que comecei a pensar que, se era para ler um sonho húmido sobre a aristocracia inglesa, conseguia o mesmo efeito a ver o Downton Abbey ou coisa que o valha. E porém, convém que não nos deixemos enganar pelas erróneas primeiras impressões (as minhas primeiras impressões são quase sempre erróneas, mal informadas e desleixadas), e ainda bem que levei o mote a sério e persisti na leitura do livrinho, já que este se veio a revelar como o oposto (quase o oposto, vá) daquilo que eu pensava. 
Na verdade, quanto mais penso em Brideshead, mais o encaro como um relato bastante desiludido de um admirável mundo prometido que não encerra mais do que desilusões e mentiras. E esta conclusão baseia-se em coisas várias - o destino do pobre Sebastian que, de tão acre face à magnificência insuportável da família, prefere encafuar-se num mosteiro longínquo, desterrado, bêbedo, alvo de pena e caridade; Cordelia, tristonha, solitária; Julia, tomada de tanta religião e aristocracia que recusa uma história de amor que talvez lhe trouxesse alguma felicidade; o capitão Charles Ryder, o narrador que, por se ter metido com gente acima daquilo que a sua vã filosofia conseguia alcançar, termina, nas suas próprias palavras, sem filhos, sem casamento, sem amor, sem nada; o patriarca dos aristocratas Flyte, que percorre a Europa com a amante em constante fuga da esposa legítima, e que no fim da vida não consegue nada de melhor do que o perdão espiritual, um sinal da graça de Deus - em si mesmo, é algo poderosíssimo, claro, mas não deixa de representar igualmente o falhanço das opções que este homem tomou em vida, como marido, como pai, como ser humano.
E tudo acaba em apagada e vil tristeza, a sumptuosa Brideshead uma penosa memória da fortuna de outros tempos que acaba por não trazer nada de bom a ninguém.
Evelyn Waugh explica, no prefácio à obra, que o excesso com que às vezes se descreve a família Flyte, o palacete onde viviam, as festas, a riqueza, tinha a ver com nostalgia de um passado que ele receava ter-se perdido para sempre (diz logo a seguir que toda esta nobreza se levantou das cinzas e regressou aos palacetes, embora ele, na altura em que escreveu o livro, não pudesse prever tal ressurgimento). A graça é que essa nostalgia do passado (um passado aristocrático do qual quase ninguém no mundo, nem em Inglaterra, faz parte) continua bem presente hoje em dia, sabe-se lá porquê. O que mudou foi o "medium", já que agora as pessoas suspiram por épocas mais benevolentes e esteticamente aprazíveis quando vêem televisão, nomeadamente séries de época como a supra mencionada Downton Abbey. 
E esta nostalgia, este suspirar contente, é aquilo de que eu, não deixando de perceber, discordo. Sem dúvida que esta série está muito bem feita, mas não deixa de ser um apagar completo das contradições, dos conflitos de classe que sempre existiram e continuam a existir, especialmente se há criados e patrões  a viver na mesma casa. E chateia-me um bocadinho que esta visão falsamente benévola do mundo seja tão popular, um mundo já descrito por alguém como "upstairs, downstairs", em que todos sabem o seu lugar e satisfazem-se com isso; um mundo em que o dono do palacete é bonzinho e querido e justo para os seus empregados, fazendo com que nós, a audiência, pense que afinal este modo de vida, pouco distante do feudalismo, era tranquilo, aprazível, aceitável. Faz lembrar a morte de Vilaça n'Os Maias, em que as suas últimas palavras são "saudades ao patrão". Tristes últimas palavras. 
Talvez tudo isto seja inevitável. Como bem explica o "dilema dos Habsburgo", sobre o qual já escrevi não sei bem quando, temos sempre a tendência para relembrar certos momentos do passado  evocando apenas a sua beleza perdida, uma glória que talvez nunca tenha existido, o esplendor na relva. Quando esse passado nem sequer nos pertence, então o esplendor é ainda mais fácil de embelezar e, consequentemente, é também ainda mais fácil sentir saudades do que nunca tivemos. 
E penso que por hoje chega de filosofia de café, excepto para dizer que me ofereceram a edição especial do Brideshead em DVD, com o agradabilíssimo Jeremy Irons, e vou eu e descubro que aquilo é região 1 e só funciona nos States. E depois queixam-se dos downloads, da internet e tal. 

3 comentários:

bea disse...

Assim, sem nunca ter lido o livro, mas tendo visto a série, de que gostei sobretudo por me ter dado um cheiro da aristocracia inglesa, entre o perverso e o perdido, digo que a crónica está bem urdida :)

Um abraço

Rita F. disse...

Bea, a série a que se refere é o Brideshead e não a Downton, não é? É que me ofereceram a série Brideshead em DVD mas apenas na região 1 (ou 2... enfim, é aquela que não é a nossa) e não consigo ver aquilo. É de partir o coração, olhar para aquela colecção de DVDs linda, com documentários e tudo, e não poder ver. É preciso azar.
Presumo que a série seja espectacular e que o Jeremy Irons esteja lindo como sempre e tudo, e tudo... :(

bea disse...

Bridshead, sim. Com esse Jeremy Irons que imagina :)) e gosto de GOSTAR.

Downton, como diz, é muito estremado. Apesar da diferença de época, não consigo concordar e por vezes desculpar as meninas de lá :)e desertei. Ainda que seja uma série que vive das mulheres.