Eu adoro as pessoas que estão convencidas de que o "povo" não são elas, é uma espécie de massa quase anónima que partilha entre si os mesmos gostos, pensamentos, ideias, e talvez até roupa e casa. Assim uma espécie de pessoas que passam dificuldades, ganham pouquíssimo ("lá por ele só ganhar 1000 euros não quer dizer que não possa ficar com a custódia da filha, não acha?" Acho, claro que acho), e são quase espécimes de jardim zoológico. Ainda noutro dia tive de ir à casa de banho lá do trabalho e ouvi uma senhora, possivelmente colega, embora eu não a conhecesse, no compartimento ao lado, a dizer que o carro avariou e teve de se deslocar de autocarro, "vi imenso povo, adorei o povo!", e ria sinceramente com a amiga ao telefone. Não estava a contar nenhuma anedota, estava mesmo a falar a sério. Eu também adoro estes espécimes que adoram o povo, eles próprios dotados de grande interesse zoológico e etnográfico, até.
E uma vez estava a almoçar, em contexto profissional, e a superiora hierárquica decide entabular conversa com as senhoras que serviam as refeições, porque de vez em quando é giro, e por acaso o almoço até era peixe, que normalmente é um factor que os portugueses têm em comum (o gosto por peixe), de modo que falar de peixe é falar do tempo, serve toda e qualquer situação; e assim se começou uma conversa sobre peixe, ai eu gosto deste peixe, não gosta também?, e sabe, uma vez comi não sei onde, com o meu marido, um peixe fresquíssimo, fresquíssimo, que me soube lindamente, porque eu estava cheia de fome, e soube-me tão bem que decidi perguntar ao senhor do restaurante que peixe era aquele, e sabe que peixe era?, sabe que peixe era? - as senhoras do almoço olham a superiora hierárquica esforçando curiosidade - imaginem, era charro! Era charro. Como é que é possível, não é, de facto, quando se está com fome...
Tive tanta vergonha.
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