Stringer Bell é uma personagem do The Wire, um criminoso de rua muito cruel e muito mau que ganha rios de dinheiro a vender droga, juntamente com o seu companheiro de rua e irmão de vida Avon Barksdale. Bom. A uma certa altura, Stringer decide que quer uma vida mais legítima, isto é, transformar o dinheiro ilegal que tem num negócio que lhe continue a dar dinheiro, mas que seja legal aos olhos da sociedade. Ele, Stringer, não se torna numa pessoa melhor, o seu coração não adocica, nem reconhece a ordem social - apenas considera que tem mais a ganhar se deixar de vender droga nas esquinas. Vai daí, enceta esforços para se tornar um magnata do "real estate", o que implica subornar gente de toda a espécie, mormente políticos, que têm a particularidade de serem ainda mais corruptos do que ele. E o pobre Stringer iludido, a pensar que não havia ninguém mais empedernido do que um homem como ele, que construiu o seu império nas esquinas de droga dos guettos de Baltimore...pobre coitado.
Passa-se, então, que Stringer Bell gasta rios de dinheiro a tentar legitimar o seu negócio, dá dinheiro a um senador que o esmifra e ainda se ri dele, e não consegue, de forma nenhuma, ultrapassar o estádio em que está - vendedor de droga do guetto. O seu amigo Avon, que sempre recusou ultrapassar a sua condição e ser qualquer outra coisa que um 'soldado das ruas', diz-lhe qualquer coisa como "they saw your ghetto ass coming miles away", e Stringer Bell responde com fúria.
Quando Stringer morre, o detective que passa a série toda atrás dele, McNulty, passa-lhe revista à casa e depara-se com um apartamento lindo, organizado, com um pequena biblioteca onde figura Wealth of Nations, de Adam Smith (anteriormente na série, mostrara-se Stringer Bell a ter aulas de economia à noite). E interroga-se McNulty - quem é que eu andei verdadeiramente a perseguir estes anos todos?
E interrogo-me eu - o que nos demonstra a história de Stringer Bell? Demonstra-nos que a vida (sim, eu sei que é uma série de televisão, mas pronto) não é assim tão diferente dos romances naturalistas em que as personagens são afundadas pela força da sociedade. Stringer Bell, à sua maneira, tenta aperfeiçoar-se e não consegue - o peso da sociedade, ainda pior do que ele, mais corrupta, mais dura, cai-lhe em cima e ele morre na derrocada. E enfim, com a vida como está, com esta crise toda, que é moral e social ainda mais do que financeira (e aqui reside, penso eu, o verdadeiro perigo da crise), não posso deixar de pensar que Stringer Bell quer dizer muita coisa. Quer dizer que a chamada "mobilidade social" deixou de existir, se alguma vez existiu. Quer dizer que é cada vez mais difícil melhorar, ultrapassar a nossa condição. É verdade que podemos não o querer fazer, mas também é verdade que podemos querer ser mais, viver mais, e não conseguir, porque há muito contra nós.
Mas enfim, talvez seja apenas o meu conservadorismo a falar. Espero bem estar profundamente errada, e além disso também já não tenho mais tempo para escrever mais, de modo que fica assim.
Adenda: descobri este artigo giro, quanto a mim de interesse para quem gosta do The Wire.
1 comentário:
Ótima análise!
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