A livraria da minha infância está em risco de fechar. Como é óbvio, é algo que me entristece muitíssimo. Apesar de ser já um lugar-comum, é verdade que a concorrência das grandes superfícies (não só supermercados - FNACs e afins também) torna, penso eu, a vida um tanto ou quanto impossível às pequenas livrarias.
Sei que pode soar petulante (estou-me marimbando, como se costuma dizer), mas não compro livros em supermercados, e por uma série extensa de razões, encabeçada, obviamente, pela pobre selecção que se encontra nestes locais. Normalmente, a mesma selecção apenas pode ser categorizada como "merda", e nunca pensei dizer isto acerca de qualquer livro, mas a verdade é que é um bocadinho impossível a pessoa não se exasperar com mais um volume de um "psicólogo", certamente auto-designado, que promete resolver o problema a pais e filhos, e mais uma biografia de vinte páginas com letra tamanho 20 sobre a Duquesa de Cascos de Rolha e Rallé, e a aventura estrondosa do médico que se tornou alcoólico, perdeu tudo e tudo voltou a reconquistar, e o novo romance da Gonçala Pitéu sobre uma fazendeira argentina que conhece um importante nova-iorquino cujo avião privado se despenhou na sua imensa propriedade, ele tem amnésia, apaixonam-se, ele recupera a memória e descobre que é riquíssimo e casam, não sem antes o nova-iorquino acabar com a bruxa da noiva que entretanto descobriu que tinha, e que faz tudo para o separar da argentina.
Continuando. A outra razão pela qual evito comprar livros em supermercados é porque, para mim, escolher um livro requer ambiente, atmosfera, calma. Num supermercado, "calma" é coisa que não existe. Em terceiro lugar, não penso que um livro seja um objecto que se faça equivaler a iogurtes e fiambre, e portanto não consigo evitar um certo sentimento de bizarria ao associar livros a supermercados.
Mas isto sou eu. Se os livros são consideravelmente mais baratos em supermercados, é evidente que é lá que as pessoas os vão comprar, e não podem ser criticadas por isso. E também é evidente que as livrarias, à excepção da Fnac, não conseguem concorrer com Continentes.
Por falar em Fnac. Na Fnac, compro de facto livros e tenho cartão Fnac e tudo. E é preciso dizer que, pelo menos no meu caso, o cartão Fnac tem valido a pena. Além de que a selecção da Fnac não é perfeita, e é até lacunar em muita coisa, mas sempre é uma selecção que ultrapassa em muito a Gonçala Pitéu e a Condessa de Cascos de Rolha e Rallé, o que é uma vantagem. Mas é também verdade que a Fnac arrasou com a concorrência toda e reina agora inabalável - o que faz com que uma visita à doce Assírio&Alvim no Chiado, resistente ainda e sempre ao invasor, valha ainda mais a pena.
E, perante isto, às vezes parece-me que a pura existência de uma verdadeira livraria, ie, um estabelecimento comercial que vende apenas e só livros, ao qual as pessoas se dirigem porque querem ler e comprar livros, dizia, a existência destes sítios parece-me quase milagrosa. E quando se ouvem estas histórias tristes de pequenas livrarias, em pequenas cidades, que fecham, é quase inevitável pensar que, daqui a poucos anos, as livrarias serão coisa do passado.
Eu não só espero que não sejam, como acho que de facto não são. Penso que as livrarias podem existir e prosperar, e eu espero que o façam. Como? Por mim, deixava de haver livros em supermercados, mas sabemos que isso não vai acontecer, e que as pessoas não vão passar subitamente a deixar de ir a supermercados quando querem livros, movidas por instintos de caridade ou solidariedade para com as pequenas livrarias. Mas estas últimas podem oferecer aquilo que supermercados e Fnacs não oferecem - actividades culturais, a tal "atmosfera", gente que sabe do que fala e que pode aconselhar, conversar sobre livros, uma oferta mais alternativa, a par da oferta mais comercial dos supermercados (porque, como se compreende, uma livraria tem de ter os best-sellers que vendem). Uma das recordações mais fortes que tenho da livraria da minha infância, a mesma em risco de fechar, é de ouvir a dona da mesma livraria conversar com as pessoas que procuravam este ou aquele livro, falando-lhes de livros parecidos, autores similares, enfim, sustentando uma conversa informada sobre livros, que é aquilo que falta a supermercados e (neste caso, de forma imperdoável) à Fnac.
O que acontece é que, muitas vezes, ir à livraria ou à Fnac é exactamente a mesma coisa, ou infelizmente pior, porque ninguém nos consegue responder a uma qualquer pergunta, limitando-se a ir ver ao malfadado computador ("como é que disse, 'Presbítero'? Como é que se escreve?!" - para isto, vou à Fnac) e também porque a selecção das livrarias é muitas vezes pouco interessante e a Fnac, nem que seja por ter mais espaço, consegue oferta mais atraente. E porém, também acontece haver livrarias interessantíssimas, dinâmicas, que por qualquer motivo, tristemente, fecham.
A infeliz conclusão que retiro é que os livros, em geral, não vendem, ou vendem apenas quando uma qualquer operação de marketing os torna tão anódinos e banais com as batatas fritas do McDonald's. Eu, por acaso, tendo a preferir as do Burguer King. E o que fazer?
Ir a livrarias, para que aquelas a que nós vamos, pelo menos, não fechem.
3 comentários:
Infelizmente a da minha rua (centro de Almada ), já fechou em julho.
Não conheço bem Almada, mas fui uma vez a uma livraria no centro que era excelente. Espero bem que não tenha sido essa a fechar. :(
Um dia precisei de oferecer um livro que era da Assírio & Alvim. Procurei na net vi que existia e faziam um desconto de 20%. Desloquei-me lá e explicaram-me que esse desconto era só para compras via net, ali não havia desconto nenhum.
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